Mais um caso mostrando os absurdos da arriscada, equivocada ou tendenciosa estratégia dos prefeitos que preferem terceirizar unidades para contratar profissionais sem concurso público.
Em Franca, no interior de São Paulo, a Organização Social de Saúde Instituto de Ciências da Vida (ICV) contratou médicos falsos para atender a população no Pronto Socorro da cidade.
Matéria do último dia 05/08, publicada no Portal G1, mostra que uma sindicância detectou 4 supostos falsos médicos na unidade. A apuração veio após prisão de suspeito de usar registro de médico do RN. O prefeito diz que pedirá que ressarcimento a instituto que terceirizou médicos. A ICV, por sua vez, salienta que também é vítima da situação.
Vítima? E a população que foi atendida por falsários? Como fica?
Veja a matéria do G1:
Sindicância detecta mais 3 supostos falsos médicos em PS de Franca, SP
Uma sindicância realizada pela Prefeitura de Franca (SP) concluiu que pelo menos quatro supostos falsos médicos atuaram no Pronto-Socorro “Dr. Álvaro Azzuz”. O prefeito Alexandre Ferreira (PSDB) confirmou nesta quarta-feira (5) que, além de Pablo do Nascimento Mussolim – preso após o Conselho Regional de Medicina apurar que ele usava registro profissional de outra pessoa -, mais duas mulheres e um homem atenderam pacientes no município usando números inválidos.
Mussolim recebeu R$ 80 mil por um mês de plantões em Franca, segundo o Cremesp. (Nota nossa: Matematicamente é impossível que ele tenha feito tantos plantões para receber tudo isso).
Todos os suspeitos de exercerem ilegalmente a medicina, segundo a administração municipal, foram contratados por intermédio do Instituto Ciências da Vida (ICV), empresa que terceirizou os profissionais depois que a Prefeitura alegou dificuldades em contratar por meio de concursos públicos.
Embora ainda não tenham sido constatados danos à saúde dos pacientes atendidos, Ferreira informou que pretende notificar a entidade para devolver os salários que foram pagos aos profissionais irregulares.
“Essa empresa trouxe mais de 100 médicos para trabalhar nos nossos prontos-socorros, contratados de fora de Franca. Quatro deles a gente levantou e chegamos a essa conclusão, de que eram médicos que não tinham o número do Conselho Regional de Medicina validado. Agora, a Polícia Civil, o Ministério Público e a nossa sindicância, todos trabalhando para que a gente levante essas informações e coloque na cadeia esses falsários”, afirmou o prefeito.
(Nota nossa: a prefeitura deve responder integralmente pelo risco de não só ter terceirizado o serviço, como de ter deixado de fiscalizá-lo da maneira correta).
De acordo com o Cremesp, a falta de registro pode invalidar eventuais documentos assinados por esses profissionais, como atestados de óbito.
Em nota, o ICV informou que instaurou auditoria interna sobre o caso, que também é vítima das irregularidades e que colabora com as investigações. (Nota nossa: é absolutamente cínica a alegação de que o ICV é vítima, uma vez que por meses conviveu com esta situação embolsando dinheiro público, beneficiando-se diretamente).
Como começou a investigação
A apuração dentro da Prefeitura começou depois da prisão de Mussolim, suspeito de ter recebido, em um mês, R$ 80 mil e de ter se passado por Pablo Galvão, médico do Rio Grande do Norte. Ele foi detido em 16 de julho com outra suposta falsa médica após investigação do Cremesp na região de Sorocaba (SP).
A suspeita da polícia é de que ele utilizava CRM de um terceiro porque seu diploma – de uma faculdade estrangeira – não tem validade no Brasil. O Ministério Público em Franca instaurou inquérito para avaliar se houve improbidade no contrato entre o ICV – pelo qual ele foi terceirizado – e a Prefeitura.
Mais três suspeitos
Depois da prisão de Mussolim, a Prefeitura de Franca abriu uma sindicância e confirmou, após 20 dias, que mais três pessoas – duas mulheres e um homem – atuaram no Pronto-Socorro “Dr. Álvaro Azzuz” com CRMs de outras pessoas. Seus nomes não foram revelados.
Estes, assim como o primeiro suspeito, tinham sido contratados por intermédio do ICV. “Nós fizemos em Franca vários concursos públicos para colocar mais médicos na cidade e não conseguimos, os concursos foram vazios. Aí contratamos uma empresa para trazer médicos de fora. Nós somos vítimas de pessoas inescrupulosas que trabalhavam aqui na nossa cidade e em toda a região, em outros hospitais, com número do CRM falso”, disse Ferreira.
Segundo o chefe do Executivo, os pacientes atendidos pelos suspeitos estão sendo chamados a prestar depoimentos, assim como estão sendo analisados seus prontuários. Até o momento, no entanto, não foram encontrados indícios de erro médico.
Além de apurar as consequências desses atendimentos, Ferreira quer reaver os salários pagos a essas pessoas. “Não há indício algum de que eles tenham feito um trabalho técnico errado nesses pacientes até que pudesse levá-los à morte. Não houve isso e a gente não está encontrando nada que possa desabonar o trabalho deles, só que eles não têm registro no Conselho Regional de Medicina e, portanto, não podem trabalhar como médicos.”
Documentos sem validade
O delegado regional do Cremesp, Ulisses Martins Minicucci, explicou que, além dos riscos aos pacientes, a prática adotada pode ocasionar problemas burocráticos. Com números de CRM inválidos, qualquer documento que tenha sido assinado pelos supostos falsos médicos não tem validade. “Se eles assinaram atestados de óbito, esses atestados não têm valor algum, porque não foram assinados por médicos”.
Saiba mais sobre a fraude em vídeo feito pelo programa Jornal da Clube.
Sistema organizado para lucrar às custas do SUS
Como podemos ver, as OSs nada mais são que empresas com redes de atuação muitas vezes bem organizadas e sofisticadas para lucrar burlando os mecanismos de controle de gastos em áreas públicas. Quase sempre atuam em vários municípios de mais de um estado da federação.
Conforme documento da Frente em Defesa dos Serviços Públicos, Estatais e de Qualidade, “OSs somente se interessam em atuar em cidades e em serviços onde é possível mordersobretaxas nas compras de muitos materiais e equipamentos e onde pode pagar baixos salários. O resultado é superfaturamento em todas as compras (o modelo dispensa licitação para adquirir insumos e equipamentos), a contratação sem concurso público de profissionais com baixa qualificação e, por vezes, falsos profissionais.
O dinheiro que é gasto desnecessariamente nos contratos com estas empresas sai do bolso do contribuinte, que paga pelos serviços públicos mesmo sem utilizá-los e acaba custeando o superfaturamento e os esquemas de propinas para partidos e apadrinhados políticos”.
Santos está caminhando nesta direção desde o final de 2013, quando o governo municipal criou o projeto de lei das OSs e os vereadores a transformaram em lei.
Para saber mais sobre esse verdadeiro golpe em andamento leia a cartilha Santos, Organizações Sociais e o Desvio do Dinheiro Público.