“A Saúde Pública hoje é um grande negócio, que rende bilhões de reais”. Essa frase foi usada pelo vereador carioca Paulo Pinheiro (PSOL), no último dia 6 de julho, durante o Seminário “A Saúde no Rio de Janeiro: Resistências à Privatização”, realizado pela Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde.
Ela serviu de introdução para a descrição sobre o pesadelo que tem sido os últimos seis anos de atuação das Organizações Sociais (OSs) na cidade do Rio de Janeiro.
Em 2009, quando tudo começou na cidade maravilhosa, o novo modelo de gestão era vendido como uma história com final feliz garantido. Este é o atual estágio vivido em Santos – a fase das grandes promessas e da ilusão de conto de fadas. Depois, como no Rio e em centenas de outras cidades brasileiras, vem a dura realidade e a árdua batalha para fiscalizar, denunciar e punir as empresas e os gestores após irregularidades e crimes de toda sorte.
Em sua apresentação o vereador contou algumas dessas histórias e fez um alerta. “Boa parte das organizações sociais são criminosas. Estão roubando o dinheiro do povo”, disse.
Segundo Pinheiro, desde 2009, quando o prefeito Eduardo Paes conseguiu aprovar a lei que permitiu entregar a gestão de serviços públicos a entidades qualificadas como OSs, R$ 5,4 bilhões da Saúde foram entregues a essas entidades. Isto até 2014. Em 2009, os contratos somavam R$ 105 mil. Para 2016 a expectativa é que as entidades levem R$ 1,6 bilhão, 100 milhões a mais que este ano.
“Em 2009 a prefeitura tinha 29 mil funcionários públicos. E já havia terceirização no governo César Maia, só que por meio de ONGs. Na época eram 1.500 terceirizados. Hoje, com os baixos salários pagos para concursados e as aposentadorias, são só 23 mil funcionários públicos. E terceirizados? 22 mil, todos contratados por OSs”.
O enorme cabide de emprego para apadrinhados políticos parece ser o menor dos problemas na terceirização desenfreada que tomou conta do Rio. O mais grave mesmo são a corrupção e outros crimes de conhecimento público, mas que inacreditavelmente se repetem ano a ano já que o poder público alega que sem as OSs haverá colapso no sistema. E é justamente essa ameaça da desassistência que torna os usuários reféns dessa realidade perversa, bem diferente das fábulas e contos de fadas. Mesmo caminho sem volta que começa a ser percorrido em Santos.
Fiscalização
“Eu perdi no plenário e a lei das OSs passou, pois só 8 dos 51 vereadores votaram contra. Parti para fiscalizar. Em 2010 comecei a pedir ao Tribunal de Contas Municipal do Rio de Janeiro (TCM-RJ) auditorias nos contratos. São 28 auditorias solicitadas. Mas há um problema: os auditores do não podem fiscalizar OS, só podem fiscalizar o Município. Aí a Prefeitura tem que pedir a documentação para a OS e só então o Tribunal analisa”, explica Pinheiro.
Ainda assim, Pinheiro recebeu do TCM-RJ dados alarmantes. Com eles tinha a opção de apresentar um projeto que suspendesse os contratos ou tentar aprovar a abertura de uma CPI. Mas, pra isso, precisaria ter votos na Câmara. “Só oito parlamentares votam contra o prefeito, então eu perderia todas”.
Diante do desequilíbrio de forças politicas, o caminho foi levar os fatos à Justiça. Muitas coisas começaram a ser investigadas pelo Ministério Público nos 27 contratos celebrados com 11 OSs que envolvem R$ 4,4 bilhões. “Todos, com exceção de três que são mais recentes, têm aditivos. Só de aditivos temos R$ 1,4 bilhão”.
As OSs beneficiadas pela terceirização são Iabas, SPDM, Fibra, Intituto Unir, Viva Rio, Fiotec, Sociedade Espanhola, Instituto SAS, Centro de Estudos e Pesquisas 28, Biotech e Cejam. “Por irregularidades a Fibra já teve contrato rompido. A Unir acabou de perder dois contratos e foi expulsa”.
Das 28 auditorias pedidas, Paulo Pinheiro recebeu 12 resultados até o momento. Em todos eles há problemas na qualificação, no processo seletivo, na contratualização e na execução dos serviços. Um dos casos é o Instituto SAS, que virou RPS (Rede de Promoção à Saude). “Em 16 de dezembro de 2012 o Fantástico apresentou uma denúncia de um sujeito com a mala cheia de dinheiro em casa. O sujeito, dono de uma OS em São Paulo, foi preso. Levantaram que em seis contratos desta entidade havia a subcontratação de outras empresas para fornecimento de pessoal, consultoria em gestão e outros serviços. Foram 12 contratos com empresas (quarteirizadas) em nome da mulher, da filha, do irmão, do sobrinho”.
O caso, batizado de Operação Atenas, terminou em dezembro de 2012. No mesmo mês, o vereador solicitou que o TCM-RJ levantasse a situação da maternidade municipal Maria Amélia, gerida pelo mesmo Instituto SAS. Um ano depois, Ministério Público de São Paulo mandou um documento para o Tribunal de Contas do Rio avisando que se tratava de uma organização criminosa. O documento mostrava que as empresas contratadas pela maternidade Maria Amélia eram aquelas mesmas de São Paulo, registradas em nome da família do sujeito preso com o dinheiro.
“O Tribunal tomou um susto e, em janeiro de 2014, enviou ao Executivo e ao Ministério Público um documento pedindo a suspensão dos pagamentos. Nada de resposta. Em abril de 2014 o que faz a Secretaria de Saúde? Assina um termo aditivo com essa OS. O contrato era de R$ 75 milhões e eles garantiram mais R$ 75 milhões por mais dois anos, como prêmio pela roubalheira”.
Conforme o vereador, em junho de 2014, o MP do Rio fez o mesmo pedido às autoridades alertando sobre o perigo desse contrato. Em setembro mais outro. Só em março deste ano o município alegou que a suspensão traria riscos de descontinuidade dos serviços. O MP resolveu então ingressar com ação civil pública com pedido de liminar para suspender o contrato. A OS foi substituída por outra.
“Hoje temos cinco ações civis públicas para suspensão de cinco contratos com OSs e quatro liminares foram concedidas. Mas o que vemos é que quando chega na mão do juiz, a primeira providência é chamar a prefeitura e perguntar: ‘quem vai substituir essa OSs?’ Aí a prefeitura diz que não tem quem faça a gestão, que sem atendimento as pessoas vão morrer”.
Cejam e Biotech
Com o Cejam também houve problemas. A OS nem sede no Rio tinha. “Nas notas fiscais levantadas encontraram quase R$ 5 mil pagos à churrascaria Fogo de Chão para almoços de funcionários de São Paulo. Também houve gastos com hotel e taxi. Pedimos ao MP a devolução do dinheiro e a responsabilização dos funcionários”.
Outro caso é a Biotech. “Essa tem 144 folhas no MP sobre as irregularidades cometidas, que vão desde exames de imagem e laboratório superfaturados até médico fantasma no Hospital Pedro II. E o que a Prefeitura fez? Entregou o Hospital de Acari à Biotech pelos bons serviços. Já a Cejam, que também tem diversas irregularidades, ganhou um contrato aditivo dobrando seu contrato”.
Em Santos só a Comissão de Saúde e o Sindserv se movimentam
A Prefeitura de Santos deve assinar nos próximos dias o contrato de gestão com a primeira organização social de saúde. A escolhida foi a Fundação ABC, que administrará a UPA Central, na Vila Mathias.
Já mostramos aqui as várias irregularidades que pesam contra a entidade, apontadas pelo Tribunal de Contas e investigadas pelo Ministério Público. O assunto também foi debatido em audiência pública, no último dia 9, após apresentação dos mesmos dados pelo presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Santos, Flávio Saraiva. O vereador Evaldo Stanislau (PT), presidente da Comissão de Saúde, assegurou que encaminhará o material para o Executivo e para o Ministério Público.
As lutas contra as mazelas da terceirização no âmbito judicial e legislativo são importantes. No entanto, como vemos no exemplo do Rio de Janeiro, elas não bastam para exterminar esse sistema que serve apenas ao lucro ilícito dos presidentes de entidades e de gestores corruptos. A pressão popular é o fator mais importante para a conseguir a revogação da Lei 2.947/13, que permite a entrada das OSs em nossa cidade.
Sem Comentários
Deixe um Comentário
Você precisa fazer login para publicar um comentário.
“A Saúde Pública hoje é um grande negócio, que rende bilhões de reais”. Essa frase foi usada pelo vereador carioca Paulo Pinheiro (PSOL), no último dia 6 de julho, durante o Seminário “A Saúde no Rio de Janeiro: Resistências à Privatização”, realizado pela Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde.
E como que é aos dizeres acima.Estamos vendo de uma hora para hora administradores deixando seus negócios para administrar ao público.
Como diz ai tem.