José Ivo dos Santos, diretor do Conselho Municipal de Saúde de Santos (CMSS) e do Sindicato dos Rodoviários é mais um dos entrevistados do Ataque aos Cofres Públicos, na série que busca decifrar um enigma: como fiscalizar de verdade a terceirização dos serviços de saúde para Organizações Sociais (OSs) e que podem quase tudo com o dinheiro do contribuinte?
No texto abaixo ele dá pistas de que o CMSS é quase uma figura de decoração no sistema político santista. Contou que o órgão pouco pôde fazer quando o prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB) quiz aprovar a lei que entrega os serviços públicos às empresas em contratos de cogestão. Como seus colegas, terceirizou as responsabilidades. Culpa o Legislativo e o Judiciário, mas nega que o Conselho foi omisso.
Como membro da Diretoria Executiva do Conselho Municipal de Saúde, o que o sr. pensa sobre a terceirização da saúde?
José Ivo – Me atenho à Legislação. Vejo que é um caso sem jeito. Primeiro porque os sindicatos ficaram quietos. A Lei Federal 9.637 (que cria a figura das Organizações Sociais), cuja constitucionalidade estava sendo julgada, o Supremo Tribunal decidiu que é constitucional. Eu acho que é uma questão de nós não ficarmos aqui embaixo nos digladiando. Temos mais é que nos unir e fazer uma moção para se discutir o Legislativo. O nosso Legislativo brasileiro está acabando com a sociedade.
O modelo que o executivo trouxe pode até ter amparo em lei, mas não basta ser legal. Esse tipo de gestão, na prática, é falho, mais caro e mais sujeito à corrupção. Por que não houve esta união que o sr. cita para exigir mais discussão do assunto antes de virar lei?
José Ivo – Adianto para você as prerrogativas do Conselho de Saúde com base na resolução 133, que foi alterada agora pela 453. Lá diz que a nossa prerrogativa é fiscalizar meramente o controle social. O Conselho não tem outro fundamento a não ser isso: fiscalizar.
Não ajuda a formular as políticas públicas, não dá parecer contrário ao que ameace a qualidade dos serviços?
José Ivo – Não. Tem a prerrogativa de sugerir onde será aplicado o dinheiro, mas mexer com contratos, contratações, não. As contas dos convênios depois passam pela gente. Sabendo de algo errado, nós não assinamos e o MP fica ciente.
A postura é apenas de receber o que está em vigor para fiscalizar?
José Ivo – Vamos analisar as metas. Tem lá meta A, B, C e D. Se a gente pega uma prestação de conta e não está cumprindo a meta D, aí a gente oficializa. Diante da resposta, a agente pode encaminhar para o Ministério Público e até ao Tribunal de Contas.
No site do Conselho tem as atribuições: “desenvolver propostas e ações dentro do quadro de diretrizes básicas e prioritárias previstas que venham em auxílio de complementação e consolidação do SUS”. Outro ponto é “garantir a participação popular através da sociedade civil organizada nas instâncias colegiadas gestoras das ações de saúde”. Não houve participação popular quando o Governo votou às pressas a Lei que autorizou as OSs. Não houve discussão dentro ou fora do Conselho. Não é atribuição do CMS garantir a participação popular?
José Ivo – Não é obrigação do Conselho. Aí você invadiu um pouco o direito do cidadão. O pessoal participa se quiser. O Conselho convoca as conferências municipais e aí publica-se no D.O. para que a sociedade e entidades organizadas participem. Lá, sim, cada um vai ter condição de representar a sua entidade o seu setor.
Nas reuniões não poderia ter sido formalizado em ata que a terceirização estava sendo pautada na Câmara e que era necessária uma discussão mais ampla com a população?
José Ivo – Não. O Conselho não tem essa prerrogativa. Os recursos são zero para fazer matérias de divulgação. Não temos veículo. Temos apenas voluntários. O controle e a qualidade da saúde o conselho vai fiscalizar, como sempre. Na comissão da qual eu participo eu fiscalizo.
O sr. acredita que a qualidade da saúde não será afetada por um modelo de gestão que visa entregar o dinheiro da saúde para empresas que visam lucro, envolvidas em tantas denúncias na imprensa e investigações no MP e na Polícia?
José Ivo – Eu vou além. Nós temos presenciado todos os dias na TV e vemos o descaso em São Paulo. Mas, a partir do momento em que o STF legaliza, dá uma normatização numa lei onde o Estado repassa o dinheiro para a iniciativa privada… Veja o Legislativo e Judiciário que nós temos. São pragas. A rejeição da Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) mantendo a constitucionalidade da Lei da Publicização garante o repasse para essas organizações privadas. Um absurdo.
Então o Conselho está amarrado por causa do Legislativo e Judiciário?
José Ivo – Todas as entidades estão. Sindicatos estão refém desse Legislativo capitalista e entreguista do patrimônio público.
Esse posicionamento é compartilhado por outros conselheiros? Houve essa conversa no conselho?
José Ivo – Essa posição minha é de sindicalista. Conselheiros não são sindicalistas. São membros da sociedade civil.
São fiscais da população.
José Ivo – A discussão parou na hora que o Supremo deu aval à Lei 9.637. Aí parou a discussão.
Não teve mais o que fazer?
José Ivo – Exatamente.
O sr. deu todo um embasamento legal para dizer que não teve como o Conselho intervir, resistir. Acredita que não é papel do conselho mesmo isso?
José Ivo – Exato.
E no futuro? Tem conhecimento da complexidade que será fiscalizar esse tipo de gestão, onde não será preciso licitar nada?
José Ivo – Tenho ciência e sei da complexidade. Eu sou coordenador da Comissão de Finanças do Conselho. Estou com um parecer do Tribunal de Contas da União e aguardando vir a primeira prestação de contas para falar. Não vou nem me precipitar porque nem sei como é que eles vão fazer.
O sr. tem alguma estratégia? Sabe como será esse novo procedimento de fiscalização? O que vai ter que olhar, quais documentos vai pedir?
José Ivo – Tenho essa preocupação. Já fui estudando as leis. São os contratos, as metas, os procedimentos. Vamos ver as metas e em cima delas faremos uma análise do que foi acordado para ver se foi cumprido ou não. Se não foi, a gente dá pausa no dinheiro.
Número de consultas, procedimentos são passíveis de fraudes em relatórios. São muitas as maneiras de maquiar. Como é que vocês vão analisar o cumprimento de metas?
José Ivo – É complexo fiscalizar e julgar todos os procedimentos. Se tem um cidadão internado, nós aqui fora vamos saber quantas injeções, comprimidos e exames ele fez?
Então é impossível garantir que a empresa usará bem o dinheiro?
José Ivo – É impossível. Nós temos a comissão de leito hospitalar que traz um relatório, temos várias comissões dando parecer nas plenárias. É assim que o conselho trabalha, com as comissões.
O sr. está ciente de que está sentado numa bomba que vai explodir?
José Ivo – Essa bomba vai ser passada sabe pra onde? Pro Tribunal de Contas. Na minha mão não vai explodir.
Mas o sr. não assina pelo Conselho, não aprova as prestações?
José Ivo – Observe os dispositivos da lei sobre a prestação de contas e veja de quem é a responsabilidade. É do Tribunal de Contas. Eu emito relatório, assino e fecho. A competência – por ter um corpo técnico -, cabe ao TC. Ele quem faz as análises finais. Nós não temos técnicos para isso. Somos voluntários. Quando pego erros, faço ofício para a Prefeitura e mando a contabilidade esclarecer por escrito.
Com as OSs a quantidade de erros será maior e mais difícil de detectar. Se o sr. não vai ter a capacidade técnica para enxergar, o Conselho vai brincar de fiscalizar?
José Ivo – Vai ficar mais prático. Antes eu tinha só um relatório de prestação de contas. Agora vou ter dois relatórios. O dinheiro vai ser dividido em dois. Vai ser mais difícil ter o cambalacho. Vai ser mais fácil de detectar malandragem. Se for errado, eu já mando para o Tribunal. O Conselho jamais vai se omitir a alguma coisa. Jamais vai compartilhar erros.
O problema é que não será possível detectar os problemas. Como é um sistema pouco transparente, as irregularidades ficam escondidas.
José Ivo – Eu quero ver é qualidade do serviço. Essa é minha maior expectativa.
O sr. acredita que vai melhorar?
José Ivo – Piorar. Eu acredito que piore. Em São Paulo piorou. Aí eu quero ver como a imprensa e a sociedade vai se comportar.