Matérias do G1 e do SPTV publicadas na última quinta-feira (19/11) mostra o preço alto que a população paga quanto a saúde pública é terceirizada e entregue a organizações sociais (OSs) e outras entidades ditas sem fins lucrativos como Oscips e ONGs.
Segundo as reportagens, a Prefeitura de Cotia, na Grande São Paulo, fez há seis anos um convênio com uma entidade que prometia revolucionar a saúde pública do município. Hoje a população encontra uma realidade bem diferente: faltam médicos, equipamentos e até o Serviço de Atendimento Médico de Urgências (Samu) está capenga.
As situações flagradas e denunciadas no material jornalístico incluem cenas dramáticas, envolvendo morte de paciente por esperar mais de 3 horas por atendimento do SAMU e suspeitas fortes de desvio de dinheiro público. Diante de tanto descaso, o Ministério Público entrou com ação na Justiça contra o Instituto Acqua, o município, o prefeito e seis funcionários da Saúde por improbidade administrativa.
Aqui a reportagem do SPTV
Abaixo, reproduzimos parte da matéria veiculada no G1:
O prédio do Samu em Caucaia do Alto, que é distrito de Cotia, foi inaugurado em 2012. Mas, de acordo com os moradores, funcionou por pouco tempo. “No dia da inauguração foi coisa mais bonita, prefeito, rojão’, contou o metalúrgico Jean Danilo. ‘Toca aqui e diz que está enfartando para ver se você acha alguém’, completa a vendedora Berenice Manteiga.
Cotia e Caucaia do Alto têm, juntos, uma população de mais de 200 mil pessoas. Cerca de 80% dependem do serviço público de saúde.
Desde 2009, um convênio da Prefeitura entregou o Samu e os serviços mais importantes da saúde pública ao Instituto Acqua – uma organização social sem fins lucrativos. Essa parceria colocou nas mãos do instituto, em seis anos, mais de R$ 152 milhões. Só em 2015, o Acqua recebeu equivalente a 41% do orçamento da Saúde no município.
O plano de trabalho diz que a meta do instituto era reestruturar a saúde pública do município, com ênfase na qualidade do atendimento. “Chegou ao extremo eu diria para você, como usuária do SUS. Se está funcionando é só no papel, porque na prática eu levo pacientes para a UPA e eu vejo o quanto é difícil a situação da saúde na cidade”, afirma Maria José de Matos, Conselheira Municipal de Saúde.
A reportagem do SPTV visitou vários serviços de saúde no município. O plano para um pronto atendimento na cidade era ambicioso: funcionar 24 horas por dia com 85 funcionários do Instituto Acqua. Mas há um mês o pronto-socorro fechou. E deu lugar a um centro de ortopedia. Um funcionário disse que há dois trabalhadores da Acqua no local.
Um outro compromisso do instituto com a Prefeitura é colocar em prática o programa de saúde da família, que leva atendimento a casa das pessoas com médicos e enfermeiros. O plano previa 25 equipes com 152 funcionários. Mas o serviço é praticamente desconhecido pelos moradores.
Na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Atalaia, o problema é o mau uso do dinheiro público. No ano passado, o instituto recebeu R$ 800 mil da União para comprar a mobília do pronto-socorro. Mesmo assim, incluiu no orçamento a locação de móveis para o mesmo prédio. “É alugado”, confirma uma funcionária sobre os móveis.
Diante de tantas divergências entre papel e realidade, o Ministério Público abriu uma ação civil pública contra o Instituto Acqua, o município, o prefeito e seis funcionários da Saúde por improbidade administrativa. “A Constituição veda que o poder público transfira o serviço de saúde para uma unidade privada de forma majoritária”, afirmou o promotor Rafael Aguiar.
A dona de casa Vanessa Cristina da Silva, moradora de Caucaia do Alto, perdeu o filho de 16 anos há nove meses. O rapaz bateu a cabeça e morreu de traumatismo craniano depois de esperar mais de três horas pelo Samu. “É indignação, o mínimo de respeito com a população. Caucaia do Alto é um distrito que precisa de muitas coisas e a gente é tratado como um número”, afirmou.
Instituto e Prefeitura
A parceria do Instituto Acqua com a Prefeitura de Cotia se repete em outras cidades do estado e é alvo de investigação do MP em pelo menos cinco delas. A entidade negou qualquer irregularidade. A responsável pelo instituto disse que presta contas do dinheiro público e que não recebe todo o valor previsto na parceria.
“Se eles não tiverem condições de fazer, eu posso fazer. Por isso, eu não recebo o recurso integral previsto no plano de trabalho, eu recebo menos. Porque eu tenho espaço para, se eles precisarem de alguma outra coisa, poder contar com o parceiro, com agilidade, com economicidade que o terceiro setor dá”, afirmou Mariana Caodaglio.
O secretário de Planejamento de Cotia, Benedito Simões, disse que o atendimento do Samu deve ser feito pela base de Itapevi, que fica a oito quilômetros e não explicou por que a prefeitura paga aluguel há três anos de um prédio fechado. Ele defendeu ainda parceria com instituto que recebe, sozinho, 41% da verba da Saúde.
“Temos que trabalhar para fazer essa inversão, que é essa distorção do sistema de saúde, mas não responsabilizar a entidade privada que está gerindo, e bem, insisto, a UPA por essa questão que supostamente envolve uma desproporcionalidade. Mas eu acho que consegui explicar bem que toda a mão de obra de urgência são os plantões mais caros e, por isso, o valor mais alto da UPA do Atalaia”, afirmou.
O prefeito Antonio Carlos Camargo (PSDB) foi procurado e mandou o Secretário de Planejamento falar à reportagem.
Declarações como as de Benedito Simões, que exaltam a privatização e a terceirização de áreas essenciais que são dever do Estado, beiram o cinismo. Beiram ao cinismo não só porque afrontam a Constituição, mas porque tentam maquiar os malefícios que esse modelo de gestão causa e que diariamente são noticiados na imprensa. Discursos assim também têm sido reproduzidos por gestores públicos de outros governos que querem implantar o modelo a qualquer custo. Em Santos, que se prepara para inaugurar uma UPA já terceirizada, não tem sido diferente. O tempo dirá que a Cotia de hoje é a Santos de amanhã.
SISTEMA FRAUDULENTO ORGANIZADO PARA LUCRAR ÀS CUSTAS DO ESTADO
Oscips, Organizações Sociais (OSs), ONGs e outros tipos de entidades “sem fins lucrativos” recebendo dinheiro público nada mais são que empresas com redes de atuação muitas vezes bem organizadas e sofisticadas para lucrar burlando os mecanismos de controle de gastos em áreas públicas e fraudando o estado. Quase sempre atuam em vários municípios de mais de um estado da federação.
Conforme documento da Frente em Defesa dos Serviços Públicos, Estatais e de Qualidade, “OSs e oscips somente se interessam em atuar em cidades e em serviços onde é possível morder sobretaxas nas compras de muitos materiais e equipamentos e onde pode pagar baixos salários. O resultado é superfaturamento em todas as compras (o modelo dispensa licitação para adquirir insumos e equipamentos), a contratação sem concurso público de profissionais com baixa qualificação e, por vezes, falsos profissionais.
O dinheiro que é gasto desnecessariamente nos contratos com estas empresas sai do bolso do contribuinte, que paga pelos serviços públicos mesmo sem utilizá-los e acaba custeando o superfaturamento e os esquemas de propinas para partidos e apadrinhados políticos”.
Santos está caminhando nesta direção desde o final de 2013, quando o governo municipal criou o projeto de lei das OSs e os vereadores a transformaram em lei sem qualquer discussão com a população.
A primeira unidade a ser terceirizada será a UPA que substituirá o PS Central. A OS escolhida é a Fundação ABC, cujos trabalhos devem ser iniciados ainda esse ano na nova unidade. Há a intenção do governo em firmar contratos no Hospital de Clínicas (antigo Hospital dos Estivadores) e também em unidades e programas da área da Cultura, Educação, Esporte e Assistência Social.
Para saber mais sobre esse verdadeiro golpe em andamento leia a cartilha Santos, Organizações Sociais e o Desvio do Dinheiro Público.