Para especialista, OSs tratam a saúde como mercadoria

Para especialista, OSs tratam a saúde como mercadoria

 

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Enquanto a Prefeitura de Santos insiste em iludir a população com propaganda no D.O. e em outros órgãos de imprensa sobre o novo modelo de gestão que terceiriza unidades de saúde a partir de contratos milionários com organizações sociais (OSs), o Ataque aos Cofres Públicos (AaCP) reage com informações de especialistas e com fatos que atestam o quanto a iniciativa é desastrosa.

O professor Áquilas Mendes, economista e docente da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), esteve em Santos na última terça-feira (8), para uma aula pública promovida pela Unifesp Baixada Santista. Ele concedeu entrevista onde elenca todos os riscos da entrada de mecanismos de mercado como as OSs no sistema de saúde. Na ocasião, o professor foi taxativo ao afirmar que faltam recursos para garantir o SUS. Porém, considera que resolver o problema do financiamento não extermina por completo a atual situação da saúde.

“Falta recurso porque não há ainda um consenso na sociedade brasileira de que o SUS é uma política pública, um direito para todos. Isso ocorre desde os anos 90. O Governo FHC não encarou a saúde como prioritária. Passaram os governos Lula e Dilma e a situação se manteve. Há diferenças entre os governos, mas no que diz respeito ao investimento em saúde, não há”.

Sobre o crescimento das OSs no Brasil, ele afirma que trata-se de mais um movimento do capital em sua nova configuração contemporânea, onde o capitalismo calcado nos meios de produção tem tido taxas de lucro decrescentes, em contraposição ao capitalismo financeiro, que assumiu a liderança. Com isso, os recursos de fundos públicos passam a ser atrativos, pois ajudam o capital a se valorizar. “A saúde tem sido um espaço prioritário para essas forças. O estado de São Paulo disseminou para o Brasil a formulação das Organizações Sociais, passando a gestão para o privado”.

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Ao responder sobre como reagir à essa tendência, Áquilas afirma que a pressão popular é um dos caminhos. Não por acaso, nos países europeus com sistemas universais de saúde nos quais o Brasil se espelhou para construir o SUS, ainda é o temor das ruas o principal fator de resistência à diminuição dos investimentos públicos em saúde e à ampliação dos mecanismos de mercado no atendimento aos cidadãos.

“Não vejo saída, se não a nossa organização contra esses interesses. A luta começa com maior entendimento e clareza do que está em jogo. Temos um problema muito forte de alocação de recursos para a saúde. Mas não só isso. Colocar mais dinheiro apenas para ser dragado pelas OSs? É preciso mais recursos, mas é preciso também alterar a concepção da atenção em saúde”, ressalta.

Para o especialista, não é possível aceitar a ideia de que saúde é mercadoria. “É o que a gente vem assistindo com o crescimento das OSs, com a entrada do capital estrangeiro nesse país, permitindo que comprem tudo, inclusive hospitais filantrópicos, que possuem isenção fiscal. É dinheiro público subsidiando o lucro internacional”.

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Confira abaixo a entrevista:

Quais fatores impedem o fortalecimento do SUS da maneira como ele foi pensado no início?

Áquilas Mendes – O SUS tem apenas 27 anos de existência. São dois problemas sérios. A parte de financiamento e a parte de gestão. O que percebemos é que nesses 27 anos ainda não se consegue os recursos necessários para que o SUS possa garantir a sua universalidade. Nós gastamos 3,9% do PIB em saúde pública, enquanto países que têm sistema universal gastam 8% do PIB. Falta muito recurso. Mas além disso, nesses 27 anos são muitos os conflitos. Há uma briga tremenda para que o SUS seja implantado de fato e isso se deve muito à penetração do capital privado junto aos recursos públicos, tirando recursos do fundo público para subsidiar uma gestões privadas. Chama a atenção que no ano 2000 foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal, cujo artigo 18 diz que municípios não podem gastar mais do que 54% das suas receitas correntes líquidas com despesa de pessoal. Como os municípios já estavam em seu limite, foi dali pra frente que começaram a fazer a contratação dos serviços de terceiros, passando a gestão para as OSs. Temos 15 anos dessa lei e 15 anos de aumento da participação do capital privado. Isso tem muito a ver, inclusive, com uma linha política dominada pelo estado de São Paulo, que preferiu isso e deu para o Brasil inteiro essa opção. Esse processo cresce de forma avassaladora.

Quais são os efeitos práticos nos serviços da entrada do capital privado na saúde pública, via OSs?

Áquilas Mendes – Quando a gestão passa para o capital privado temos uma outra concepção de saúde. As OSs exigem um produtivismo nocivo. O médico tem que atender em 15 minutos ou fazer 15 consultas em duas horas. É uma loucura. É impossível. Com as OSs a saúde é tratada pelo interesse do lucro e não pela necessidade e bem estar das pessoas. Não há a concepção da saúde como fator de emancipação humana. Tudo ocorre de forma oposta ao que preconizava o SUS quando foi criado. A saúde é tratada como uma mercadoria e, não, como direito. Nesse aspecto, dizemos que esse é o maior problema do sistema hoje: tratar a saúde como algo que se compra e se vende, distanciando a sociedade da concepção do original do SUS.

Como vencer essa tendência que tem ocorrido em vários municípios e estados?

Áquilas Mendes – Pra isso vai precisar de muita resistência, muita luta contrária a esses interesses.

É fundamental um maior financiamento do SUS?

Áquilas Mendes –Sim. A melhoria do SUS passa por reformas no financiamento, mas para que haja recursos é necessário ter uma decisão política, entender a saúde enquanto um valor humano. E desde o Governo Fernando Henrique, passando pelos governos de Lula e Dilma, a saúde não foi tratada como um valor. Por isso falta dinheiro, falta recurso. Aí precisa de uma luta de todos os brasileiros, de todas as classes, porque a universalidade é de todos e todos devem encarar como um direito, uma vez que os governos não encararam assim. Ou seja, teremos que batalhar muito. Por isso vim até Santos para poder socializar um pouco essas nossas pesquisas e conhecimentos e para garantir que a saúde seja, de fato, um direito de todos, como está na Constituição.

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Contra fatos não há argumentos

Dissemos acima que a melhor resposta para a propaganda pró terceirização que Prefeitura de Santos tem feito é mostrar o que pensam os especialistas da saúde e também os fatos noticiados diariamente sobre as consequências da das Organizações Sociais nos serviços públicos.

Um dos fatos recentes que ilustra o que significa esse modelo de gestão é o caso da OS Biotech Humana. Só em um ano a entidade recebeu mais de R$ 500 milhões da Prefeitura do Rio de Janeiro para gerenciar dois hospitais municipais. Os diretores da Biotech comandavam um esquema conhecido como “Máfia da Saude”, baseado em superfaturamentos de contratos com fornecedores.

Após denúncias, esse esquema foi descoberto por uma investigação do Ministério Público Federal, que culminou com a Operação Ilha Fiscal, deflagrada na quarta-feira passada (9). Pelo menos R$ 48 milhões foram desviados do SUS e viraram artigos de luxo que a quadrilha ostentava, como carros da marca Ferrari, joias e cavalos de raça. Tudo às custas do SUS. Para a população sobrou o atendimento precário e a omissão do governo.

O Hospital dos Estivadores, em Santos, também será entregue a uma OS ficha suja nos Tribunais de Contas e investigada na Assembleia Legislativa de São Paulo. Mesmo roteiro de um filme que tem se repetido em muito lugares. Resta saber se aqui terá o mesmo desfecho.

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