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CÂMARA É ALHEIA AOS PROBLEMAS HABITACIONAIS DA CIDADE

incendio300A ausência ou escassez de projetos na área da habitação popular na Câmara de Santos é uma comprovação didática de como os vereadores não trabalham pela população. De onde se pode sustentar que, ao contrário, representam e trabalham pelo poder econômico. Numa rápida pesquisa sobre o tema “habitação” no portal do Legislativo, de 2012 até o fechamento desta reportagem, o termo aparece apenas 35 vezes. E pasmem! A maior parte das citações ocorre em requerimentos e indicações, que não servem para nada. Não produzem efeito algum, além de discursos. O Executivo recebe este material e não dá a mínima atenção. Os projetos de lei são apenas três ou quatro.

Para efeito de comparação, em outra reportagem sobre o lixo, em dois anos, 2015 e 16, o tema aparece citado mais de mil e cem vezes. O lixo merece maior atenção que a habitação? Qual seria o motivo? A coleta do lixo constitui o maior contrato da Prefeitura com uma empresa privada. O barulho que os vereadores fazem em torno do tema é algum tipo de chantagem? Eles querem receber algo em troca para ficarem calados? E quanto à habitação? Não existe a possibilidade de obter alguma vantagem? Este pode ser um motivo, mas outro é bem conhecido. Governos conservadores ou neoliberais não têm o menor interesse em construir casas para pobres. Daí a existência de projetos habitacionais de longuíssimos prazos, de extensas filas de espera, de manipulações de sorteios etc etc etc. Não há dúvida de que isso se constitui em espécie de curral eleitoral para políticos tradicionais. A cada cem casas entregues, milhares de interessados renovam as esperanças. De promessa em promessa vereadores, prefeitos, deputados e governadores conquistam mandatos e mandatos, enquanto a população espera.

Caixa preta
O incêndio na favela do Caminho São Sebastião, na Zona Noroeste, no último final de semana, escandaliza a falta de empenho na questão habitacional em Santos. Leitores indignados na imprensa e nas redes sociais atacaram o problema. “É uma vergonha que existam barracos em Santos”, dizia uma das falas que mais resume a situação. E é fato. Santos é uma cidade turística com um orçamento de R$ 2,5 bilhões e que não deveria comportar favelas. É urbanizada, plana, organizada e com baixo custo de manutenção. Os discursos oficiais querem fazer crer que a expansão das submoradias é incontrolável, que a cidade recebe migrantes, que as pessoas não querem sair de suas casa sobre o mangue etc etc etc.

A expansão dos barracos ocorre porque não há política habitacional em vigor. Não se promove a locação social, não se investe o suficiente na construção de novas casas e não se adota o congelamento de favelas. A construção de moradias é lenta, a conta-gotas. Ao mesmo tempo, as ocupações se multiplicam. Segundo dados oficiais, o déficit habitacional em Santos é de 10 mil moradias. No entanto, conforme os movimentos sociais, o número deve ser três vezes maior.

Em uma estimativa realizada anteriormente, se o orçamento da Câmara, de R$ 83 milhões (2016) fosse utilizado para a construção de moradias populares, com valor estimado em R$ 35 mil a unidade, seria possível construir 2,7 mil casas por ano. Em cerca de dez anos o déficit habitacional estaria zerado. Se for considerado o dado oficial de 10 mil casas, o déficit seria zerado em pouco menos de quatro anos. A analogia serve para efeito de dimensionamento da questão. Considere-se ainda que a Câmara não gasta todo o orçamento anual. Este ano, foram devolvidos ao prefeito, mais de R$ 24 milhões. Se tivesse o interesse na questão habitacional, a Câmara vincularia a devolução a projetos habitacionais, mas isso não é feito.

A atuação parlamentar nesta área é como se a cidade não tivesse problemas no campo da habitação. Os vereadores não têm o compromisso de formular projetos no setor, deixando-o quase que totalmente sob o controle da iniciativa privada. Daí decorre o processo de elitização da cidade, tendo dado origem à expressão pejorativa de Dubai do Brejo. À medida que as torres de apartamentos sobem, o custo do metro quadro se multiplica, tornando, para muitos, o sonho da moradia algo cada vez mais distante. No mesmo compasso, os alugueis acabam indexados ao aumento do valor dos imóveis novos, numa flagrante distorção, resultando em expulsão de moradores para outras cidades.

A verticalização radical em vigor foi permitida pelas alterações sucessivas nas legislações pertinentes nas últimas duas décadas, a partir do governo Beto Mansur. Todas as alterações feitas passaram pela Câmara, cujas legislaturas deram total aval para o planejamento urbano reinante. Vemos uma cidade com uma coluna de edificações barrando a ventilação natural, esquentando mais a cada ano. Vivemos o estrangulamento de serviços e o risco de colapso e desabastecimento.