CADASTRE-SE PARA RECEBER NOSSAS NOTÍCIAS

FISCALIZAR GASTOS AINDA É TABU

camara300Venda de votos ou aprovação de projetos em troca de dinheiro ou cargos no governo. Contratações de empresas mediante pagamento de propinas. Estas mazelas da política nacional cuja divulgação escandalizou a todos nos últimos meses não são exclusividades do inter-relacionamento do capital privado com o Congresso e o governo federal. Estão por toda parte. No Brasil, embora atos de totalitarismo sejam aplicados aqui e ali, em se tratando de exploração do erário ou da grana pública, bem ao contrário, isso é bastante democrático. Existe em todos os níveis: federal, estadual e municipal. Na favela e no Senado.

Os desvios de conduta e de recursos podem ser praticados bem debaixo do nariz do eleitor mais atento. Além de ser necessário estancar a sangria, é preciso aprimorar as formas de controle social, transparência, governança compartilhada etc etc etc. As notícias sobre ações de cidadania na fiscalização do trato da coisa pública ainda são bem raras. Mas há em boa parte do país entidades atuando neste campo: defesa da democracia e cidadania. Note-se que ambos os valores estão bastante entrelaçados.

Não é um capricho de esquerda. É urgente. A sensação de que a população está sendo roubada é traduzido no aumento da insegurança e da violência. Roubar nas ruas é a forma como parcela da população reage. “Eles roubam lá, nós vamos roubar aqui”. A população/vítima é saqueada duas vezes. Primeiro, quando paga os impostos para bancar o banquete dos ladrões ricos – os saques aos cofres públicos têm dimensões fantásticas e nunca são praticados por pequenos. Esta é a parte bem organizada, a de “cima”. E paga aos ladrões pobres que roubam nas ruas. Estes roubam porque, sem horizonte ou projeto político para o país, sua perspectiva é roubar, talvez crescer no crime… Mas é questão para o estudo da violência.

Para que não escape a oportunidade de manter unido um país com um mínimo de controle social, convém a multiplicação das tecnologias e da inteligência a serviço da cidadania e da participação. É preciso que a maioria acredite em um projeto, de que vale a pena ser cidadão e respeitar a lei. Com a licença ao teórico Marshall McLuhan (Aldeia Global) em Apocalípticos e integrados: não há o que fazer contra vamos fazer alguma coisa. Um país da Europa com a menor taxa de violência e corrupção tem um dado curioso. A renda de todos os cidadãos é conhecida publicamente. Certamente isto ajuda no processo de fazer juízo de valor para cada aspecto da vida material. Como o custo de cada serviço público ou privado, sua qualidade, sua competência.

É isso o que ocorre quando se questiona a Câmara de Santos e sua qualidade, a sua produção, sua importância e sua eficácia para a melhoria da qualidade de vida da grande população. E em repeito ao cidadão, esta é uma das principais questões levantadas por leitores e eleitores. “Eu pago para isso?”. Muito pertinente já que o peso do parlamento é de orçamento de mais de R$ 80 milhões. Maior do que o de muitos municípios brasileiros.

No modelo belga de parlamento, a um custo menor o poder é decisório, com assento no colégio de prefeitos. No modelo brasileiro as câmaras são apêndices. O projeto aprovado por vereadores precisa receber a benção do prefeito e ser sancionado. Ou é vetado como em uma grande maioria de vezes em que vereadores legislam em área do Executivo. Momento este em que o vereador faz cena com a população. Sabe que será vetado, mas vai utilizar. Aprovado ou não, a elaboração e o custo do projeto estão sendo pagos pelo eleitor. Pagando para o seu representante fazer uma espécie de teatro, ou de programa de TV ao vivo.
A Câmara de Santos deve chegar ao final de julho com despesas realizadas da ordem de R$ 28,9 milhões. Nada mal para um poder gastador imune às crises política e financeira do país. O dado consta do portal da transparência do Legislativo, o mesmo que está sendo cobrado pela Justiça por não publicar inúmeros outros dados de divulgação obrigatória. A despesa mensal está em pouco mais de R$ 4 milhões por mês. No período, os legisladores apresentaram 128 projetos de lei, conforme pesquisa no portal. Individualmente, também produziram requerimentos, discursos, enfrentaram alguns movimentos populares e apoiaram outros.

Naturalmente a função do vereador vai além de propor projetos de lei. Mas, em se tratando de um parlamento, além de fiscalizar o Executivo, elaborar ou aprimorar leis é uma das principais atribuições. Considerando uma Câmara com 21 vereadores, significaria dizer que ao longo do semestre a média de produção foi de seis projetos de lei para cada um. Uns mais, outros menos. Em cinco meses de legislatura, iniciada em fevereiro e suspensa para o recesso, em julho, cada parlamentar, estatisticamente, faria o esforço de apresentar um projeto por mês, talvez, dois.

Se for relacionado o volume de despesas com dados de produtividade, a estatística geraria números absurdos, de deixar pasmo. Se a Câmara fosse uma empresa privada contratada para sugerir projetos, a divisão do custo global pelo número de projetos geraria um valor impensável. Cada projeto poderia custar mais de R$ 2 milhões. E é claro que muitos projetos não foram aprovados. Ou, aprovados e posteriormente vetados. Ao final deve-se fazer a divisão do custo global pelo trabalho efetivo. Vê-se que não é tarefa das mais complicadas ser vereador. Com meia dúzia de assessores, técnicos legislativos à disposição, departamento jurídico, materiais, recursos e empenho pode-se fazer um bom mandato.

Apocalípticos diriam que não há como lutar contra o poder político e econômico e se acomodariam nos bolsos dos dirigentes de plantão. Integrados diriam que é possível dar um peso para o mandato. Falar com independência, abraçar uma causa, não apenas da boca para fora e depois votar contra… Que é possível fazer a diferença em vez de ver o mandato como um trabalho burocrático, com muito ritual, mas que não dá guarida às lutas profundas da sociedade, por educação, saúde, habitação…