CADASTRE-SE PARA RECEBER NOSSAS NOTÍCIAS

Câmara aprova compra e doação de equipamento a entidade privada

charge_dim_dim_menor

O Instituto Visão do Bem, braço social do Hospital Oftalmológico Visão Laser, foi beneficiado com um termo de fomento no valor de R$ 428.750,00, para a compra de um aparelho oftalmológico chamado aparelho retinógrafo não midriático com autofluorescência.

O termo de fomento, apresentado pelo Governo por meio do Projeto de Lei 286/2019, foi aprovado nos dias 30 de setembro e 3 de outubro (57ª e 58ª sessões), pelo artigo 24 do Regimento Interno da Câmara (tramitação de urgência), sem debate e de forma automática pelos vereadores. O vereador Fabrício Cardoso (PSB, 1º Mandato) foi o único que divergiu e pediu para que seu voto contrário ao projeto fosse registrado.

A respectiva lei (Lei 3.608) foi publicada no último dia 7, no Diário Oficial de Santos. Pelo texto, o aparelho será utilizado pela entidade privada para realizar atendimento oftalmológico via SUS, por meio de convênio firmado com a Secretaria Municipal de Saúde.

O que chama a atenção é um detalhe: o aparelho, cuja compra está sendo possibilitada com verba de emenda parlamentar dos vereadores Adilson Júnior (PTB, 3º mandato), Manoel Constantino (PSDB, 9º mandato), Jorge Vieira, o Carabina (PSDB, 3º mandato), Antonio Carlos Banha (PMDB, 5º mandato), Geonísio Pereira Aguiar, o Boquinha (PSDB, 3º mandato), vai se tornar um bem da entidade até o fim do ano.

Isso mesmo. A máquina oftalmológica usada para fazer mapeamento de retina, custeada com dinheiro do orçamento municipal, será apropriada pela instituição privada ligada à empresa dos Colombo Barboza, tradicional família de oftalmologistas de Santos.

Pelo menos é o que diz o Parágrafo 4º do Termo de Fomento recém-aprovado: “Ao final da vigência deste instrumento, os bens remanescentes adquiridos com os recursos transferidos neste termo de fomento permanecerão na posse e propriedade da entidade, observado o disposto do “caput” desta cláusula”.

E a cláusula sétima diz que o termo vigorará da data de sua assinatura até dia 31 de dezembro de 2019. Ou seja, em dois meses o aparelho será patrimônio do Instituto Visão do Bem, ou seja, do Hospital Oftalmológico Visão Laser, já que ambos funcionam no mesmo endereço, na Av. Conselheiro Nébias.

Há uma cláusula que ainda diz que o Município pode romper unilateralmente o termo, se a entidade, qualificada como organização da sociedade civil (OSC), perder o caráter de “não-lucrativa”, o que dificilmente acontece com empresas que ganham o selo municipal de OSC ou equivalente.

Terceirização

Assim são os convênios, termos de fomento, termos de parceria, contratos de gestão compartilhada e demais instrumentos administrativos que visam, no fundo, maquiar a terceirização dos serviços públicos: o poder público entra com muito dinheiro, inclusive no investimento de equipamentos, materiais, instalações etc.

Já as “entidades”, que podem ser OSCs, Oscips ou organizações sociais (OSs), entram com a prestação de serviços, que por sinal nunca é fiscalizada a contento, nem pelo Conselho de Saúde com maioria dos membros cooptada pelos governos de plantão, e nem pela Câmara, com maioria de vereadores apoiadores do prefeito.

OSCs, Oscips e OSs usam o dinheiro público em suas atividades de terceiro setor, mas não precisam fazer licitação para nada. Tampouco escolhem seus profissionais por meio de concurso público ou processo de seleção transparente. Boa parte dessas entidades acabam virando grandes currais eleitorais, abrigando em seus quadros pessoas indicadas por vereadores e gestores.

No ano passado, o Instituto Visão do Bem também recebeu dinheiro do Município, por meio da emenda parlamentar do líder do Governo, Adilson Jr (PTB, 3º Mandato). Foram R$ 100 mil para a ampliação do atendimento em oftalmologia para diagnóstico e tratamento de doenças oculares.

Não temos informações se houve algum tipo de seleção publica para escolha da OSC para esse atendimento e para o novo convênio firmado neste fim de ano com a entidade.

Na última plenária do Conselho de Saúde, realizada no último dia 29, um dos conselheiros fez graves acusações ao convênio com o Visão do Bem. “Esse instituto está encaminhando as pessoas de volta para a rede básica”, disse Silas da Silva.

Presente no encontro, o secretario de Saúde Fábio Ferraz, elevou o tom e disse que não admitiria acusações desse teor. Silas insistiu muito em dizer que o convênio não está funcionando como deveria.

O Instituto é presidido por Maria Margarida Colombo Barboza, esposa de Luiz Roberto Colombo Barboza, proprietário do Hospital Visão Laser, agraciado pela Câmara com a Medalha de Honra ao Mérito Braz Cubas, em 2017.

O autor da homenagem foi o vereador Banha, que quatro anos antes já havia concedido a mesma honraria a outro membro da família, o também médico oftalmologista e sócio do Hospital, Marcello Colombo Barboza.

Vale lembrar que a despeito das parcerias com entidades particulares, a fila de pessoas à espera de consultas e procedimentos oftalmológicos ainda é grande em Santos. A auxiliar de limpeza Lucélia da Silva Araújo conta que desde 2016 esperava por exame oftalmológico pela rede municipal. Ela acabou sendo chamada há poucos dias, mas muitos usuários não tiveram a mesma sorte e seguem aguardando.

Já a aposentada Geny Maria Pereira Batista, vivencia um drama ainda maior. Com um problema chamado síndrome do olho seco severo na vista direita, ela conta que tem sido um martírio a luta por tratamento.

Desde 2017, Geny espera por procedimento cirúrgico solicitado por um especialista da rede municipal. O procedimento, a ser realizado via AME Santos, ligado à rede estadual, visa a colocação de “plug de ponto lacrimal”. Até hoje ela aguarda ser chamada, enquanto lida com o temor de perder a visão.

O AME também é vítima da terceirização. A gestão do serviço é feita pela organização social Santa Casa de Misericórdia de Pacaembú.

A realidade da Saúde é triste: primeiro, anos de sucateamento e subfinanciamento comprometendo o funcionamento correto dos serviços. Depois vimos o surgimento da terceirização como solução mágica. Agora constatamos que não se fiscaliza a fundo o dinheiro público entregue às empresas com aval do Legislativo. E, por fim, vemos que a população segue sofrendo. A quem interessa esse cenário?