MEDICAMENTOS DE HOSPITAL CONTROLADO POR OS LIGADA AO CRIME FORAM DESVIADOS PARA PRODUÇÃO DE COCAÍNA

MEDICAMENTOS DE HOSPITAL CONTROLADO POR OS LIGADA AO CRIME FORAM DESVIADOS PARA PRODUÇÃO DE COCAÍNA

Sindserv 28 anos (698)

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Ultrapassando as projeções mais pessimistas sobre a entrega da saúde pública para organizações sociais (OSs) que visam apenas o lucro, a cidade de Arujá, em São Paulo, fornece exemplos bem elucidativos sobre os efeitos nefastos desse tipo de terceirização dos serviços públicos.

Isso porque a Polícia Civil investiga o suposto desvio de analgésicos da rede municipal de Saúde para a produção de cocaína de uma facção criminosa. Segundo o delegado Fernando Goes Santiago, do 4º DP de Guarulhos, a manobra só foi possível porque um dos integrantes da facção, o traficante Anderson Lacerda Pereira, conhecido como Gordão, também controlava a gestão de um hospital municipal e de uma Unidade de Pronto Atendimento do município, por meio de uma OS.

O mesmo investigado ainda era o controlador da antiga empresa de coleta de lixo do município, que também tinha contrato para coleta de lixo hospitalar do Hospital e Maternidade Dalila Ferreira. De acordo com os investigadores, as contratações foram feitas por meio de laranjas.

O delegado responsável pela investigação explicou que anestésico desviado do hospital terceirizado era cem vezes mais forte que a morfina. Ao adicionar o medicamento na mistura, Anderson conseguia reduzir o volume de cocaína pura, que é muito cara. Para equalizar, usava também outras substâncias, como cafeína, e assim elevava a lucratividade.

Histórico da Investigação

A primeira fase da Operação “Soldi Sporchi” (Dinheiro Sujo) teve início em 3 de junho deste ano, com foco na empresa que na época era responsável pela coleta de lixo na cidade. Na época, 12 suspeitos foram presos.

Oito dias depois, a polícia apreendeu um caminhão para lixo comum, que tinha saído do Hospital Municipal, e que estava carregado, de forma irregular, com insumos hospitalares e remédios.

Além de ser responsável pela empresa de coleta de lixo do hospital, Anderson Lacerda Pereira também geria a empresa que servia refeições aos pacientes e funcionários da unidade de saúde. A polícia descobriu que os alimentos eram preparados de forma precária na cozinha de um dos imóveis que o traficante possui em um condomínio de luxo da cidade.

Anderson Lacerda Pereira também é dono de uma rede de clínicas médico-odontológicas, com cerca de 60 unidades no Estado de São Paulo, e usava a mesma casa onde preparava refeições hospitalares como depósito de produtos químicos para a rede.

Na cozinha clandestina, a polícia encontrou barata, alimentos vencidos, produtos e materiais odontológicos e químicos que não poderiam ficar perto de comida.

Todo poder e influência do investigado na rede municipal de saúde de Arujá começou em 2018, por meio da contratação de uma organização social sem licitação controlada por ele. O escolhido como laranja para esta entidade, segundo a investigação, foi um morador de rua. Depois, a gestão foi trocada por outra, mas o domínio de Anderson foi mantido. A organização se manteve na gestão até fevereiro de 2020.

Paralelamente aos negócios junto à administração municipal, o controle na área da saúde facilitava o atendimento de criminosos da facção criminosa que eram baleados ou feridos de alguma forma. A ordem era que a polícia não fosse avisada sobre o socorro oferecido a esses pacientes.

Todo baleado, ainda que seja um inocente, a equipe tem que comunicar a polícia quando a pessoa é atendida.

Excentricidades
O jeito de viver do traficante, que, de acordo com a polícia, já teve ligação com a máfia italiana e já foi condenado por tráfico internacional de drogas, lembra o do traficante colombiano Pablo Escobar, com direito inclusive a uma coleção de animais exóticos, como um jacaré e macaco, em um sítio de Santa Isabel.

Pablo Escobar ficou conhecido por várias excentricidades, inclusive por montar um zoológico em sua luxuosa fazenda.

O patrimônio estimado de Anderson Lacerda Pereira é de R$ 130 milhões. São mais de 60 imóveis, pelo menos 20 casas em condomínios de alto padrão, clínicas odontológicas, empresas que fornecem insumos hospitalares e até pousadas em Porto de Galinhas.

As empresas e as organizações sociais que administram unidades de saúde serviam para lavar dinheiro de roubos e do tráfico de drogas, mas Lacerda estava sempre preocupado em aumentar a lucratividade, segundo a polícia.

“Eles procuravam ter um lucro de 50% do pessoal, de serviços terceirizados também em grande parte superfaturados. Em uma das anotações do Anderson encontramos a frase: ‘A economia é o nosso lucro’”, diz o delegado responsável, Fernando José Goes Santiago.

Até rachadinha de salários estavam entre as estratégias para desviar dinheiro público. Isso porque a organização criminosa ficava com parte da remuneração de funcionários.

Até 2014 Anderson Lacerda liderou um esquema de tráfico internacional da quadrilha de Marcos Camacho de São Paulo para a Europa, para uma temida máfia italiana. Em 2017, foi condenado a 21 anos por tráfico internacional de drogas. No ano passado a Justiça reduziu a pena para sete anos. Depois disso, nunca mais foi localizado pelas autoridades. Passou a ser considerado foragido, mas não parou de cometer crimes, incrementando o portfólio de ilícitos e a lucratividade por meio da corrupção no serviço público.

E tem mais: a Corregedoria da polícia investiga quatro policiais civis suspeitos de extorquir dinheiro da quadrilha.

Como se deu a inserção na política municipal

O Programa Fantástico fez uma reportagem sobre o caso com a retrospectiva da relação entre o crime organizado e a corrupção na administração municipal.

No dia 30 de julho, foi realizada a segunda etapa da operação Soldi Sporchi, com mais oito presos, incluindo um policial civil, acusado de avisar de operações em andamento. Foi preso também o vice-prefeito de Arujá, Márcio José de Oliveira (PRB), que era advogado e vizinho de Anderson e suspeito de facilitar a assinatura de contratos com a Prefeitura.

Segundo as investigações, Anderson financiou parte da candidatura do político e, com a vitória, veio a cobrança, em novembro de 2017, treze meses após a eleição. De acordo com a polícia, o vice-prefeito chamou o prefeito José Luiz Monteiro (MDB), para uma reunião na mansão do traficante Anderson. O vice saiu logo e vários capangas estavam na sala. O assunto seria um suposto acordo criminoso que o vice teria feito durante a campanha eleitoral.

“O Márcio havia pego o dinheiro do Anderson pra campanha. Esse dinheiro não havia sido repassado para a própria campanha do prefeito. Mas que agora era hora de fazer esse pagamento, porque ele tinha investido e ele queria o dinheiro dele de volta”, contou uma testemunha que não foi identificada para ser protegida.

Segundo uma testemunha, o traficante exigiu nesta suposta reunião a assinatura de contratos na saúde e da coleta de lixo.

“O prefeito estava completamente transtornado, porque falaram que se ele não fizesse isso, todo mundo ia pagar com a vida. Ia morrer todo mundo, se não assumisse o compromisso que era do Márcio”, diz a testemunha.

Dois meses depois foi feito o contrato da coleta de lixo e três meses depois, de forma emergencial e sem licitação, o contrato com uma organização social para gerir o hospital municipal. Segundo a polícia quem mandava na OS era o Anderson, que controlava tudo que acontecia. “Começava a faltar medicamentos, insumos, alimentação”, afirma o delegado.

De janeiro de 2018 a janeiro deste ano, Anderson recebeu R$ 77 milhões da Prefeitura de Arujá.

O vice-prefeito Márcio José Oliveira ficou 13 dias presos e vai responder em liberdade por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, segundo a polícia.

Já o prefeito não foi investigado nesta fase da operação e não quis gravar entrevista. O advogado dele diz que não sabe se houve a reunião com ameaças ao prefeito. “Assim que o prefeito for intimado a depor formalmente, para declarar sua versão dos fatos dentro dos autos, serão esclarecido”, diz o advogado Matheus Valério Barbosa.

Anderson Lacerda Pereira segue foragido, assim como o filho dele, Gabriel Pereira, de 25 anos. “Em nota a defesa alega que não há comprovação de participação com crime organizado, máfia italiana, lavagem de dinheiro, atendimento de criminosos em fuga e uso de medicamentos em drogas”. O advogado não menciona o advogado e filho vão se entregar.

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