Temos dito e repetido que organizações sociais são empresas em busca de lucro a qualquer custo ou são quadrilhas mesmo, ligadas a corruptos dentro e fora da política e, algumas, até mesmo ao crime organizado.
Com a última operação contra fraudes na Saúde do Rio de Janeiro, a constatação acima só fica ainda mais clara. De acordo com reportagem do Jornal O Globo deste sábado (29), o loteamento de cargos nas OSs era geral.
Veja abaixo trechos da matéria:
Deputados indicavam porteiros, faxineiros e seguranças de unidades de saúde em troca de apoio na Alerj
Loteamento de funções administrativas ‘espelhou’ esquema da era Cabral, dizem procuradores
André Coelho
RIO — Além de cifras milionárias envolvendo pagamentos a Organizações Sociais e repasses de verbas a municípios, o ex-secretário de Saúde Edmar Santos relatou, em seu acordo de delação, outro tipo de negociação entre Governo e parlamentares envolvendo posições bem mais modestas. Segundo Edmar, cerca de 1.800 vagas de porteiros, faxineiros, seguranças e funções de nível técnico em unidades de saúde foram mapeadas e oferecidas a deputados em troca de apoio politico na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).
O esquema de loteamento é mais uma das denúncias feitas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) com base na delação do ex-secretário Edmar Santos, que resultou no afastamento do governador Wilson Witzel.
Edmar contou que, em meados de 2019, o presidente nacional do PSC, Pastor Everaldo, preso ontem, solicitou a abertura de vagas em unidades de saúde para serem negociadas com a Alerj. Edmar relata que foram mapeados 10% dos cargos de Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) e hospitais, chegando a um total de 1.800 vagas. A maioria delas, cargos de natureza administrativa, que exigem baixa escolaridade. “Em situações excepcionais cargos de médicos ou enfermeiros também eram oferecidos”, relata.
Os deputados indicariam pessoas para ocupar essas vagas e angariar apoio político e eleitoral nas suas regiões de influência, de forma idêntica à que foi identificada nos governos de Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão nas operações “Cadeia Velha” e “Furna da Onça”. Segundo os procuradores do MPF, houve “espelhamento da própria operacionalização das indicações e consequentes contratações dos apadrinhados dos Deputados Estaduais”.
Para o atual presidente da Alerj, deputado André Ceciliano (PT), as acusações carecem de provas. Por meio de nota, ele defendeu a atuação do Legislativo.
Entenda o caso
Nesta sexta (28), uma operação da Polícia Federal e do MP no Rio repercutiu nacionalmente. O Poder Judiciário concedeu afastamento judicial imediato do governador do Estado, Wilson Witzel (PSC), e prisão do presidente nacional do PSC, Pastor Everaldo.
Ambos têm em comum denúncias sobre fraudes e desvios de recursos do SUS por meio de contratos de terceirização.
O afastamento de Witzel foi uma determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e tem validade inicial de 180 dias. Já o presidente nacional do PSC, Pastor Everaldo, foi preso depois de mandado também expedido pelo STJ. Ele era esperado pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, na próxima semana, onde iria prestar depoimento à Comissão Especial que apura irregularidades durante a pandemia do coronavírus.
Tudo isso ocorreu em meio a 16 mandados de prisão cumpridos pela Polícia Federal. Seis prisões são preventivas e 10 são temporárias. Também foram expedidos 82 mandados de busca e apreensão no âmbito da operação que foi batizada de “Tris in Idem”.
A Operação é desdobramento da Operação Placebo, que investiga corrupção em contratos públicos do Executivo fluminense.
O MPF chegou a pedir a prisão de Witzel, mas o ministro Benedito disse, na decisão, que entendeu ser suficiente o seu afastamento do cargo para encerrar as supostas atividades de corrupção e lavagem de dinheiro.
Dentre os alvos de mandados de busca e apreensão está a primeira-dama Helena Witzel. As suspeitas contra a esposa do governador vem desde maio, quando o casal foi alvo da Operação Placebo, que colocou o escritório de advocacia da primeira-dama no centro das investigações. Ela teria recebido pagamentos de empresa pertencente a dois presos pela Lava Jato – ambos apontados como operadores do empresário Mario Peixoto.
Conforme consta na decisão do STJ, o escritório de Helena recebeu honorários advocatícios da empresa DPAD Serviços Diagnósticos, cujo nome fantasia é Rioslab. Registros da Receita Federal mostram que a empresa formalmente pertence a Alessandro Duarte, apontado como operador financeiro do empresário Mario Peixoto, e a Juan Neves, citado pelo Ministério Público Federal (MPF) como contador do esquema criminoso.
Na decisão, o ministro do STJ, Benedito Gonçalves disse que os “fatos abalam severamente” a ordem pública.
OSs são peças cruciais do esquema
De acordo com o MPF, o esquema abrangia os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Ocorre desde a eleição de Witzel, quando, segundo comunicado do órgão de investigação, “estruturou-se no âmbito do governo estadual uma organização criminosa, dividida em três grupos, que disputavam o poder mediante o pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos”.
A nota do MPF ainda ressalta que “liderados por empresários, esses grupos lotearam algumas das principais pastas estaduais – a exemplo da Secretaria de Saúde – para implementar esquemas que beneficiassem suas empresas”, completa.
Por sua vez, a Polícia Federal comunicou que os investigados responderão, na medida de suas participações, pelos crimes de organização criminosa, peculato, corrupção ativa, corrupção passiva, e lavagem de dinheiro.
No documento divulgado pelo o MPF, detalhes da investigação apontam que, no âmbito do Poder Executivo, o grupo obtinha recursos financeiros por meio do que é chamado de “caixinha de propina”, abastecida por organizações sociais e seus fornecedores.
Segundo os procuradores, o direcionamento de licitações era garantido pelas organizações sociais por meio do pagamento mensal a agentes políticos e servidores públicos da Saúde fluminense.
“Agentes políticos e servidores públicos da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro eram ilicitamente pagos de maneira mensal pela organização criminosa”, diz a nota.
Um dos episódios investigados, inclusive, é a contratação da Iabas para administrar hospitais de campanha idealizados para ajudar no combate à pandemia do novo coronavírus. Das sete unidades prometidas por Witzel, apenas duas foram entregues, e com atrasos.
Judiciário e Legislativo
No Judiciário, a suspeita é que um desembargador do Trabalho beneficiava organizações sociais ligadas ao governo com um esquema que envolve dívidas trabalhistas. As organizações tinham suas pendências quitadas por meio de depósito judicial feito “diretamente pelo governo do Rio”.
“Para participar do esquema criminoso, as OSs teriam que contratar uma advogada ligada ao desembargador que, após receber seus honorários, retornaria os valores para os participantes do ilícito”, diz o MPF.
No Legislativo, os investigadores apontam que alguns deputados estaduais “podem ter se beneficiado de dinheiro público”.
“Valores transferidos pela Alerj para uma conta do tesouro estadual eram depositados “em um uma conta específica do Fundo Estadual de Saúde, de onde era repassado para os Fundos Municipais de Saúde de municípios indicados pelos deputados, que, por sua vez, recebiam de volta parte dos valores”.
Os males da Terceirização
Os contratos de terceirização ou concessão na Saúde e demais áreas, por meio de organizações sociais (OSs) ou via organizações da sociedade civil (OSCs), são grandes oportunidades para falcatruas.
Seja por meio de fraudes trabalhistas e precarização das condições de trabalho, seja pelo encontro de intenções entre administradores dispostos a se corromper e prestadores que montam organizações de fachada para estruturar esquemas de ganhos ilegais para ambas as partes.
As fraudes proliferam pela existência de corruptos e corruptores, em comunhão de objetivos, mas também pela facilidade que esta modalidade administrativa propicia para a roubalheira. Gestões compartilhadas com OSs e termos de parceria com OSCs não exigem licitações para compras de insumos. As contratações de pessoal também tem critérios frouxos, favorecendo o apadrinhamento político.
A corrupção, seja de que tipo for, é duplamente criminosa, tanto pelo desvio de recursos públicos já escassos quanto pela desestruturação de serviços essenciais como o da saúde, fragilizando o atendimento da população em pleno período de emergência sanitária.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS, de desmantelamento dos demais direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores.
O modelo de gestão da Saúde por meio das Organizações Sociais é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização da Saúde Pública! Em defesa do SUS 100% Estatal e de Qualidade!