Reportagem da Revista Época traz detalhes sobre uma auditoria da Controladoria-Geral da União que apontou um prejuízo de R$ 360 milhões em contratos do Ministério da Saúde para terceirização de gestão no SUS em 2019.
“Os auditores analisaram contratos da pasta com Organizações Sociais de Saúde (OSs) e encontraram ‘irregularidades graves na execução dos contratos, com evidências de fraudes, como a utilização de empresas de fachada e os desvios de recursos para pessoas ligadas a OSs ou ao ente público, bem como pagamentos indevidos’.
Tudo isso no governo Bolsonaro, aquele em que não há corrupção”.
Além disso, diz outra reportagem da revista que o Ministério da Saúde fechou um contrato emergencial milionário para diagnosticar a Covid-19 com um produto 120% acima do preço de mercado.
O superfaturamento foi identificado também pela Controladoria-Geral da União em 23 de março, 12 dias após a assinatura do contrato de R$ 3,2 milhões, com dispensa de licitação, com a empresa Reagen Produtos Para Laboratório.
Os documentos foram obtidos pela Lei de Acesso à Informação. Reproduzimos parte da matéria abaixo:
À época, o ministro era Luiz Henrique Mandetta. A compra havia sido solicitada pela Secretaria de Vigilância de Saúde, então chefiada por Wanderson de Oliveira.
Ambos saíram do ministério em meados de abril, quando o comando da pasta passou para Nelson Teich.
Em 6 de maio, dois meses após a assinatura do contrato, a Saúde admitiu erros internamente e o contrato passou para R$ 22 mil, com um valor 145 vezes menor.
A CGU apontou diversos riscos de prejuízo aos cofres públicos, com um sobrepreço de R$ 1,2 milhão, mais de um terço do valor do contrato.
O preço ofertado pela Reagen para um insumo estava 120% acima do mercado.
A média de preço do produto “suplemento para meio de cultura, tipo: soro fetal bovino, aspecto físico: líquido” era de R$ 360, de acordo com registros de compras do governo federal em 2019. O valor apresentado pela empresa foi de R$ 790.
Segundo os auditores, o Ministério da Saúde foi omisso por não ter negociado preços menores.
Outro ponto que chamou a atenção dos técnicos foi que o motivo para a contratação de emergência caiu por terra oito dias após a assinatura do contrato: a companhia pediu mais prazo para entregar os produtos.
Além disso, os auditores identificaram falta de justificativas para a compra, e tampouco havia detalhes sobre como esses produtos seriam usados.
A empresa contratada já foi proibida de fazer negócios com o poder público, após ser alvo de operação da própria CGU com o Ministério Público Federal, em 2017.
“A Reagen possui um histórico de irregularidades perante a administração pública”, seguiu o documento da CGU.
Atualmente, a Reagen tem pelo menos outros dois contratos emergenciais com a Saúde na pandemia, de R$ 360 mil e R$ 52 mil.
Em 6 de maio, na gestão Nelson Teich, um despacho da Saúde admitiu que a pasta havia estipulado “erroneamente” as quantidades dos produtos, sem dar mais detalhes.
O documento foi elaborado na Secretaria Executiva da Saúde e assinado por Meri Helem, coordenadora-geral de Aquisições de Insumos Estratégicos para Saúde.
Em 18 de maio, já comandado interinamente por Eduardo Pazuello, o Ministério da Saúde firmou um termo aditivo com a empresa, reduzindo o valor do contrato em 145 vezes: a compra passou de R$ 3,2 milhões para R$ 22 mil.
Antes da mudança, a pasta compraria 4 mil frascos de 500 gramas do produto apontado como superfaturado pela CGU. Dois meses depois, adquiriria apenas 20.
Wanderson de Oliveira, secretário de Vigilância em Saúde na época da assinatura do contrato, afirmou:
“Não me recordo. Sabendo desse valor, eu jamais teria assinado. Quem verifica os preços é o Departamento de Logística, que faz um parecer nesses casos. Esse valor exorbitante tem de ser investigado. Se baixou o preço, que bom. Naquela época, várias empresas estavam fazendo preços muito abusivos, por causa da indisponibilidade de insumos. Máscaras cirúrgicas que tínhamos comprado por centavos chegaram a ser ofertadas a R$ 6 por algumas empresas. Tivemos apoio da CGU, TCU e MP”.
(Atualização às 19h20 de 21 de junho de 2020: Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que detectou “erro na quantidade do material solicitado anteriormente” e que “a situação foi corrigida para evitar danos ao Tesouro”. A pasta também declarou que trabalha em conjunto com a CGU.)
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as OSs não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.
No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos. No meio desta pandemia, além do medo de se contaminar e contaminar assim os seus familiares, profissionais da saúde enfrentam também a oferta despudorada de baixos salários e falta de estrutura de trabalho, o que contrasta com a importância da atuação deles no combate ao COVID-19.
É evidente que o saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS, de desmantelamento dos demais direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão da Saúde por meio das Organizações Sociais é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização da Saúde Pública! Em defesa do SUS 100% Estatal e de Qualidade!