“Uma ousadia: enganar a mais alta Corte da Justiça brasileira, o Supremo Tribunal Federal, para conseguir direito a prisão domiciliar. Como? Falsificando exames e laudos médicos, tudo de dentro da cadeia”. Assim começa a reportagem do Fantástico deste domingo (9).
Mais um desdobramento de um caso que repercutiu nacionalmente, envolvendo o uso de organizações sociais (OSs) para desviar recursos que deveriam estar sendo usados para garantir o enfrentamento minimamente digno à pandemia da Covid-19.
Como mostramos aqui em setembro de 2020, Cleudson Montali e pelo menos outras 50 pessoas foram presas na Operação Raio-X, deflagrada pela Polícia Federal. Cleudson é acusado de liderar uma quadrilha que desviou mais de R$ 500 milhões da saúde pública durante a pandemia. Meio Bilhão!!!
Como ele fazia isso? O médico empresário tinha várias organizações sociais que recebiam muito dinheiro para prestar serviços em hospitais de vários estados do Brasil. Além da farra com o dinheiro público, ele e outros líderes da quadrilha articularam um plano para se livrar da punição. Veja abaixo a transcrição de parte da reportagem:
A Polícia Civil e o Ministério Público acreditam que todo o esquema montado para que Cleudson ganhasse a liberdade foi planejado dentro de um presídio, em Araçatuba, interior de São Paulo. As informações teriam sido repassadas durante as visitas. Um levantamento feito pelos investigadores revela que no período em que ficou preso, ele recebeu 253 visitas. Praticamente uma por dia.
Cleudson passou por uma cirurgia bariátrica em 2017 e, segundo a investigação, ele queria alegar que, na cadeia, não tinha condições de seguir com o tratamento. Para tentar a prisão domiciliar, além de mudar o resultado do exame de sangue, ainda teria providenciado dois laudos médicos com informações falsas. No primeiro, o médico disse que o paciente estava com anemia, depressão e ansiedade, entre outros problemas que poderiam, inclusive, levar à morte.
Segundo a Polícia Civil de Araçatuba, em um outro atestado, a quadrilha chegou a falsificar uma assinatura de um médico. No documento, a recomendação foi o afastamento prisional com urgência. O que, de fato, aconteceu. No dia 12 de abril, o ministro Gilmar Mendes, do STF, determinou a prisão domiciliar.
Dois dias depois dessa decisão, mais um médico, Lauro Fusco Marinho, que, segundo a polícia, integra a quadrilha, usou a mesma estratégia
Veja aqui o vídeo com a reportagem do Fantástico.
E aqui relembre o caso, em matéria publicada aqui no Ataque aos Cofres Públicos.
Lembrando que uma das OSs criadas para servirem ao esquema de desvios é a Associação Santa Casa de Misericórdia de Pacaembu. A entidade é gestora de diversas unidades no estado e também estava à frente do Polo de Atenção Intensiva em Saúde Mental da Baixada Santista (PAI Baixada Santista), em Santos. Outros dois equipamentos geridos pela OS em Santos eram o Ambulatório de Especialidades Médicas (AME) e o Centro de Reabilitação Lucy Montoro. Veja mais detalhes aqui.
Terceirização ameaça as políticas públicas de várias formas
Mais uma vez fica claro a quem e a qual objetivo a terceirização e privatização da saúde pública servem.
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as OSs não passam de empresas privadas em busca de lucro fácil, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.
No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.
Há até casos em que esse as organizações sociais são protegidas ou controladas integrantes de facções do crime organizado, como PCC.
No meio desta pandemia, além do medo de se contaminar e contaminar assim os seus familiares, profissionais da saúde enfrentam também a oferta despudorada de baixos salários e falta de estrutura de trabalho, o que contrasta com a importância da atuação deles no combate ao COVID-19.
É evidente que o saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS, de desmantelamento dos demais direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão da Saúde por meio das Organizações Sociais é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização da Saúde Pública! Em defesa do SUS 100% Estatal e de Qualidade!