Enquanto a Reforma Administrativa (PEC 32) proposta pelo Governo Federal avança na Congresso, abrindo espaço para terceirizações e privatizações no serviço público, já está em vigor a nova regra que privilegia Jair Bolsonaro e funcionários de alto escalão ligados ao presidente com aumento de salários e incorporações acima do teto constitucional.
Um verdadeiro contrassenso que ilustra bem o cinismo de um governo que diz que quer acabar com privilégios.
Chamada de “Teto Duplex”, a nova regra, segundo especialistas ouvidos pelo G1, gerará um custo anual de R$ 66 milhões. Com esse dinheiro seria possível criar 118 o número de leitos de UTI em regiões carentes desse serviço. A quantia também seria suficiente para manter funcionando 37 creches, atendendo 7 mil famílias cujos filhos hoje não têm acesso a educação infantil e sofrem para trabalhar. Os cálculos foram feitos pela Associação Contas Abertas e pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB).
A portaria recém assinada autoriza servidores federais aposentados e militares da reserva a receberem salários acima do chamado teto constitucional sempre que voltarem ao serviço público em cargo comissionado ou eletivo. Isso porque passa a ser legal que eles acumulem os salários com a aposentadoria. Antes, isso não era possível. O novo sistema vai permitir que esses servidores, na prática, recebam mais que R$ 39,3 mil por mês, o teto constitucional do salário do funcionalismo
Os supersalários, de acordo com o Ministério da Economia, vão beneficiar uma pequena parcela do funcionalismo público: cerca de mil servidores. Nesse grupo estão o presidente Jair Bolsonaro e parte dos ministros do governo federal.
Já a reforma administrativa (PEC 32) atacará a base do funcionalismo com perda de direitos. Ataca também a concepção de Estado prevista na Constituição, que deveria proteger socialmente a população, garantindo as políticas públicas necessárias.
Ao tentar a qualquer custo aprovar a Reforma Administrativa para agradar o grande empresariado brasileiro em sua agenda neoliberal, o Governo alega que a máquina do Estado é “inchada”. Não é verdade, principalmente levando-se em conta a proporção de servidores diante do número de habitantes de países europeus. No Brasil, 12% da população está ocupada no serviço público, bem abaixo de outras nações como Estados Unidos (15,3%), Espanha (15,7%), Reino Unido (16,4%), Canadá (18,2%), França (21,4%), Finlândia (24,9%), Suécia (28,6%), Dinamarca (29,1%) e Noruega (30%).
Riscos
A reforma mina os direitos dos trabalhadores, denominados pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, como “parasitas”, e também significa a legalização da precarização dos serviços públicos. O eixo da reforma é o fim da estabilidade, hoje uma proteção para a sociedade e não para os servidores. Se o texto passar, poderão ocorrer contratos provisórios e a terceirização será indiscriminada
Trata-se de mais uma das chamadas “reformas estruturais” encomendadas pelo grande Capital e que vem sendo aplicada desde 2017, com a aprovação da Lei da Reforma Trabalhista e da Lei da Terceirização, ainda com a Reforma da Previdência, de 2019. Tivemos ainda a Lei 723 (de ajuda aos estados e municípios), que congelou os salários, a progressão na carreira e os concursos até dezembro deste ano.
Todas essas mudanças têm em comum a rejeição da função social e protetiva do Estado. Foram justificadas como necessárias para retomar o crescimento econômico, mas decorridos quase três anos destas novas legislações que retiraram direitos e rebaixaram o custo da força de trabalho, não houve recuperação de empregos. Na verdade o que houve foram os aumentos da informalidade e do trabalho precário antes mesmo da epidemia aparecer, ainda que por ela tenham sido aprofundados.
Esse processo de acumulação por espoliação, onde não há limites para a privatização de tudo, inclusive dos bens coletivos que são os serviços públicos, tem como mais uma etapa a transformação da PEC 32 em realidade. Prova disso é que a proposta praticamente acaba com trabalhadores estatutários e com a estabilidade, e os substitui por contratos por tempo determinado e pela terceirização – modalidades que já vêm sendo utilizadas nos serviços públicos principalmente nos estados e municípios, por meio das organizações sociais (OSs) na área da Saúde e da Educação.
A Reforma Administrativa não só fragiliza direitos como permite perseguição de servidores, e em especial dos que ganham menos. Já os chamados “membros de poderes”, que recebem altos salários e benefícios, não perderão nada.
É fundamental que escolha dos melhores profissionais para trabalhar nos cargos públicos continue se dando por meio de concursos públicos, com transparência e isenção. Para garantir a qualidade dos serviços é preciso garantir também a estabilidade desses concursados, que poderão defender os serviços públicos independentemente dos governos de plantão.
Caso seja aprovada mais essa reforma, o retrocesso será sentido na pele de quem mais depende dos serviços públicos: usuários do SUS, da educação pública, da segurança, da defensoria, da previdência e da assistência social.