Há tempos mostramos que a terceirização da Educação Infantil para entidades ditas sem fins lucrativos é mais um mecanismo para poucos lucrarem com o dinheiro público às custas de currais eleitorais e muita precarização.
Classificadas como organizações da sociedade civil (OSCs), essas entidades são muitas vezes um campo fértil para apadrinhamentos e troca de favores políticos entre empresários, vereadores, prefeitos e seus assessores.
Não há fiscalização do uso do dinheiro em 99% das creches subvencionadas. A qualidade do ensino também não é garantida. Apenas quem ganha são os gestores das organizações e os agentes políticos que fazem a intermediação da terceirização. A corrupção corre solta e em pouquíssimos casos vem à tona.
Esse caso, que mostra o possível envolvimento de gente ligada ao atual prefeito de São Paulo, é um exemplo das raras vezes em que os esquemas são investigados e divulgados.
As evidências foram levantadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que também mapeou movimentações financeiras suspeitas de entidades comandadas por ex-funcionários do prefeito. Elas gerenciavam creches da cidade, mas parte dos recursos recebidos da Prefeitura foi parar em contas de seus próprios gestores, depois de passar por contas de empresas que, para a polícia, são de fachada.
Abaixo reproduzimos a reportagem do Estadão Conteúdo, publicada várias mídias, inclusive a Revista Exame. Confira a íntegra a seguir ou clique aqui para ir direto na página.
Prefeito de SP é alvo de investigação por lavagem de dinheiro
Os investigadores apuram detalhes sobre depósitos na conta da empresa do emedebista, de sua mulher e de seus filhos, após alerta de órgãos de controle
Por Estadão Conteúdo
O novo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), é investigado pela Polícia Civil por suspeita de participar de um esquema de lavagem de dinheiro desviado da Prefeitura no período em que foi vereador. Os investigadores apuram detalhes sobre depósitos na conta da empresa do emedebista, de sua mulher e de seus filhos, após alerta de órgãos de controle.
As evidências foram levantadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que também mapeou movimentações financeiras suspeitas de entidades comandadas por ex-funcionários do prefeito. Elas gerenciavam creches da cidade, mas parte dos recursos recebidos da Prefeitura foi parar em contas de seus próprios gestores, depois de passar por contas de empresas que, para a polícia, são de fachada.
Um dos pontos da investigação são dois depósitos em dinheiro, que totalizam R$ 150 mil, feitos na conta de uma dedetizadora registrada em nome do prefeito e seus familiares. O Coaf emite alertas para transação em espécie em valores elevados para prevenir lavagem de dinheiro. Os investigadores apuram as circunstâncias dos depósitos atípicos.
Questionado pelo Estadão, Nunes afirmou, por meio de nota, que “não há depósitos sem origem” na conta de sua empresa, mas não informou quem fez os pagamentos que levaram o Coaf a emitir o alerta.
O Ministério Público já se manifestou favoravelmente à continuidade do inquérito, que está em segredo de Justiça e teve início em dezembro de 2020. A apuração é uma nova frente de investigação contra o prefeito, que já foi alvo de um processo na Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social de São Paulo por suspeitas com a “Máfia das Creches”. Esta primeira apuração, de cunho civil, não encontrou indícios contra ele.
Ricardo Nunes comanda a Prefeitura desde o início do mês, quando o prefeito Bruno Covas (PSDB) se afastou para se tratar de um câncer. Ele assumiu o cargo em definitivo na semana passada, após a morte de Bruno. Antes de ser eleito vice, ele foi vereador da cidade por dois mandatos (entre 2012 e 2020). A investigação está relacionada aos seus dois últimos anos na Câmara Municipal.
Esquema
No esquema investigado pela polícia, a organização social Associação de Moradores Jacinto Paz, que recebe dinheiro da Prefeitura para administrar creches na zona sul de São Paulo, fez pagamentos a duas empresas: uma construtora, WMR, e uma distribuidora de material escolar, Águia. Os repasses somam R$ 1 5 milhão. O montante chamou a atenção do Coaf porque ambas são registradas como empresas de pequeno porte.Entre 2019 e 2020, período da investigação, a associação Jacinto Paz recebeu R$ 20,6 milhões da Prefeitura para atender cinco creches em Santo Amaro, reduto eleitoral do prefeito. A entidade é presidida pelo casal Andrea Miranda e Gilson dos Santos. Ela trabalhou na campanha que reelegeu Nunes na Câmara Municipal, em 2016. O Estadão identificou que Andrea consta na prestação de contas entregue pelo prefeito à Justiça Eleitoral. Os pagamentos foram registrados como “despesas com pessoal”.
Os repasses da associação comandada por Andrea e o marido às duas empresas foram feitos sem licitação, uma vez que entidades dessa natureza são dispensadas da obrigação de fazer processos licitatórios.
O Coaf, no entanto, apontou que tanto a WMR quanto a Águia também fizeram transferências consideradas suspeitas em suas contas. Além de saques em espécie e compensações de cheques, que dificultam o rastreamento do dinheiro, o órgão de controle identificou uma série de pagamentos para a conta de uma outra empresa de Gilson dos Santos (o administrador da associação Jacinto Paz e marido de Andréa), que depois foram parar na conta pessoal dele.
A investigação da Polícia Civil sobre lavagem de dinheiro desviado de creches de São Paulo envolve também a Associação Amigos da Criança e do Adolescente (Acria), outra entidade contratada pela Secretaria Municipal de Educação da capital ligada ao prefeito Ricardo Nunes (MDB).
O Coaf identificou que as empresas WMR e Águia, suspeitas de simular transações comerciais para limpar dinheiro ilícito, fizeram 29 repasses para a entidade, que somam R$ 974 mil, entre dezembro de 2018 e setembro de 2020.
Chamou a atenção dos investigadores que apenas um desses pagamentos somou R$ 122 mil. A investigação apura as razões dessas transferências, uma vez que a entidade, sem fins lucrativos, não presta serviços senão a gestão de creches para a Prefeitura de São Paulo, segundo informações de seu próprio site.
A presidente da Acria, Elaine Targino, também trabalhou com o prefeito. Ela foi funcionária de uma das empresas de Nunes entre 2005 e 2008 e, desde que ele virou vereador, passou a pedir votos para Nunes nas redes sociais, além de manter fotos no Facebook com ele, a quem chama de “chefe”. Nas eleições passadas ela também fez campanha para o candidato a vereador que era apoiado por Nunes, Marcelo Messias (MDB), que foi eleito.
Como o Estadão revelou em outubro, antes da eleição, a Acria contratou a empresa da família do prefeito, a dedetizadora Nikkey, por R$ 50 mil ao longo de 2019. Esses repasses não estão na relação de transações sob investigação.
O prefeito disse à época que a empresa de sua família foi contratada para oferecer o serviço de dedetização às creches administradas pela associação, e que cobrou valores abaixo do preço de mercado porque conhecia o trabalho da entidade.
A reportagem procurou a Acria, a Jacinto Paz, a WMR e a Distribuidora Águia, além de seus representantes, em 14 telefones diferentes, ao longo das duas últimas semanas. Nenhum deles foi localizado para comentar o inquérito.
A 1.ª Delegacia de Polícia de Crimes contra a Administração e Lavagem de Dinheiro, que cuida do caso, e a Promotoria de Crimes Tributários, Organizações Criminosas e Lavagem de Dinheiro, que estão encarregadas do caso, informaram à reportagem que a investigação está sob sigilo e não fizeram comentários.
A Prefeitura de São Paulo negou que haja uma investigação policial contra o prefeito Ricardo Nunes e informou, por nota, que o prefeito não tem relações nem proximidade com as pessoas citadas no inquérito por lavagem de dinheiro do qual ele é alvo. A nota afirma que a Prefeitura “repudia veementemente as reiteradas tentativas de colocar em dúvida a reputação do prefeito”.
O inquérito está sob sigilo e, segundo o Estadão apurou, a defesa do prefeito ainda não foi procurada para prestar esclarecimentos à polícia. De acordo com a nota, enviada pela Secretaria Especial de Comunicação, Nunes “está à disposição das autoridades competentes para prestar eventuais esclarecimentos, como já o fez em outras apurações já encerradas por não comprovarem irregularidades”. “O prefeito sempre se pautou pela lisura e legalidade em suas atividades privadas e na sua vida pública.”
Na nota, Nunes negou que Andrea Miranda tenha prestado serviços a ele. “Nunca foi funcionária”, diz. Segundo o próprio prefeito declarou na prestação de contas da campanha de 2016, quando disputou a reeleição como vereador, porém, pagamentos a Andrea foram registrados como “despesa com pessoal”.
Sobre Elaine Targino, o prefeito admitiu que ela trabalhou em sua empresa e informou que ela “faz serviço social na região sul”, mas afirmou que “não há proximidade” com a ex-funcionária nem com os demais citados.
Diante do questionamento sobre os alertas do Conselho de Controle de Atividades Financeiras a respeito de depósitos em espécie na conta da empresa, o prefeito informou que “não há depósito sem origem” nas contas, sem mais comentários sobre as transações financeiras. A Prefeitura informou ainda que a entidade Associação Moradores Jacinto Paz, apontada como origem da série de transferências sob investigação, “foi descredenciada e teve os contratos com a Prefeitura cancelados em 14 de janeiro de 2021”. A nota não esclarece o motivo do descredenciamento.
CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO!
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.
No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos dos trabalhadores.
Isso ocorre também em outras áreas da administração pública, como educação, onde a Educação Infantil tem cada vez mais unidades subvencionadas para entidades que recebem dinheiro público e não são fiscalizadas. Agora, em Santos é a vez da assistência social ser rifada pelo atual governo.
É evidente que todo esse processo de terceirização à galope traz como saldo para a sociedade a má qualidade do atendimento e o desmonte das políticas públicas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos direitos sociais da classe trabalhadora, aumento da exploração e acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais.
Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores, enquanto executores dos serviços ou enquanto usuários destes mesmos serviços. O modelo de gestão pública por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido sempre.
Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos!