A cidade de Iguape, no Vale do Ribeira, está vivendo o drama do aumento drástico de mortes por Covid-19. O repórter Aristides Barros fez uma reportagem mostrando a indignação de dois vereadores que tentam investigar a relação entre as mortes e a má prestação de serviços por uma empresa contratada pela Prefeitura para atuar no enfrentamento à doença.
Trata-se da Franklin Cangussu Sampaio Eireli (Coe Serviços Médico), que não tem experiência comprovada na área de pronto-atendimento, muito menos no combate a pandemias. Seu dono é um oftalmologista, que empresta o próprio nome à empresa, criada há pouco mais de dois anos e que logo após ser registrada já abocanhou um contrato de grande monta com o poder público.
Segundo vereadores da oposição, a blindagem à empresa parece ser grande, já que os demais vereadores reprovaram um requerimento da Casa questionando a terceirizada. O requerimento seria enviado ao Executivo, mas acabou arquivado.
Abaixo reproduzimos na íntegra a reportagem do jornalista Aristides Barros, publicada também na imprensa local:
Vereadores denunciam na Câmara o descaso no tratamento da Covid-19 em Iguape
A cidade de 40 mil habitantes tem quase 100 mortes decorrentes da doença e o momento é preocupante
Por Aristides Barros
Os vereadores Antônio Carlos de Camargo Costa, o Tuca Enfermeiro, e Carlos Alexandre Pereira dos Santos, o Alexandre Macau (ambos do PSB), subiram à tribuna da Câmara e fizeram relatos dramáticos que indicam os motivos do verdadeiro morticínio que a Pandemia do Coronavírus está causando em Iguape, que se aproxima das 100 mortes provocadas pela Covid-19, que está destruindo famílias iguapenses deixando de luto o município da região do Vale do Ribeira. Até a última sexta-feira (28) a cidade contabilizava 87 óbitos em decorrência da doença.
Vale destacar que Iguape tem próximo de 40 mil habitantes e o registro de quase 100 mortes, desde o início da pandemia, abre espaço para afirmar que a cidade perdeu o controle no combate à doença, feito pela empresa Franklin Cangussu Sampaio Eireli (Coe Serviços Médico), que não tem experiência comprovada para combater um mal das proporções da pandemia. O próprio número de mortes revela o fracasso da terceirizada para o serviço.
A empresa foi fundada em 5 de outubro de 2018 pelo oftalmologista Franklin Cangussu Sampaio e em menos de dois anos, em 2020, quando começaram a surgir os casos de Covid-19, assinou um contrato com a Prefeitura de Iguape no valor de R$ 970 mil para tentar salvar vidas e impedir o avanço da Covid-19 na cidade. Nos corredores médicos já são fortes os comentários de que essa soma que chega a quase R$ 1 milhão é um “dinheiro de morte”.
O denunciado pelo vereador Tuca Enfermeiro fortalece essa suspeita. Em tom grave, ele destacou a falta de materiais básicos e até recursos humanos (inclusive profissionais habilitados médicos, técnicos de enfermagem e enfermeiros) para tratar de pacientes com Covid-19 que são levados ao Hospital Unidade Mista.
Tuca Enfermeiro falou que familiares de pacientes disseram a ele sobre o atendimento precário na Tenda Covid e no hospital “Falta o básico do básico para tratar dos pacientes internados, falta oxigênio e só tem um oxímetro de pulso para todos eles (o aparelho é usado para aferir se o paciente está ou não com dificuldade de respirar). Me disseram que faltam fraldas, pacientes já ficaram 24 horas com as fraldas molhadas e sem tomar banho. Isso é desumano”, comparou.
A situação também é difícil para quem está na linha de frente. “Faltam luvas de procedimento, faltam aventais descartáveis e os funcionários trocam de macacão e passam um para o outro.”, disse.
O parlamentar denunciou a o número insuficiente de funcionários apontando que profissionais do Pronto Socorro são obrigados a, também, atender no Setor da Covid, porque a empresa contratada não supre a demanda. “Ela é paga para colocar médicos e enfermeiros, mas não faz isso”, expos.
Outra denúncia forte ficou por conta de o vereador revelar a falta de experiência de profissionais “Muitos não sabem sequer usar um acesso venoso. tem médico que não sabe sequer entubar um paciente, técnico e enfermeiros sem prática, que não sabem ligar uma bomba de infusão, e infelizmente tem muita gente morrendo”, lamentou.
CULPADOS – Para Tuca Enfermeiro, o descaso que está levando os iguapenses à morte é motivado pelo “apadrinhamento”. “As pessoas que estão sendo contratadas para a área de saúde são indicações políticas. Elas entram sem a menor noção do que estão fazendo”, denunciou.
Os vereadores que dão sustentação ao prefeito deixaram o plenário quando ele começou a falar. Tuca foi enfático. “Dizem que a pandemia está afetando todo o país, mas cada cidade tem feito a sua parte para salvar a vida de seus cidadãos. aqui em Iguape somos 13 vereadores e não podemos continuar vendo o nosso povo morrer. não fomos eleitos para pedir para tapar buracos de rua e estrada e nem para ficar danos nomes a elas. temos de lutar e defender a nossa população”, bradou. “Fico triste pelas vidas que se foram. Meus sentimentos a todas as famílias que perderam seus entes. Vamos trabalhar para tentar impedir mais mortes”, finalizou.
Vereador Alexandre Macau reforça as denúncias feitas por Tuca Enfermeiro
Parlamentar diz “face” virou obituário. “Todo dia a gente lê a morte de um iguapense”
O vereador Carlos Alexandre Pereira dos Santos (PSB), o Alexandre Macau, reforçou as denúncias de seus colega de partido, Tuca Enfermeiro, e atentou para a falta de remédios na Farmácia do Povo onde, segundo ele, sempre falta medicação básica para as pessoas que recorrem ao equipamento público subordinado à Prefeitura de Iguape.
Alexandre Macau criticou abertamente Elizandra Costa que é a encarregada da farmácia pública argumentando que ela não tem competência para abastecer o estoque de medicamentos e que sofre com isso é a população necessitada de remédios.
Sobre a questão das mortes por Covid-19, ele lembrou que se não fosse a ajuda do prefeito de Ilha Comprida, Geraldino Junior (PSDB) a situação em Iguape poderia ter sido muito pior. “Ele socorreu a população iguapense nos cedendo oxigênio quando a própria cidade que ele governa também já estava sob o decreto de calamidade pública na área de saúde. Caso não fosse isso teríamos muito mais mortes. E infelizmente isso está acontecendo, todo o dia que a gente abre o facebook vê a notícia da morte de alguém da cidade”, contou.
O vereador ficou revoltado ao ver o povo morrendo e a Câmara reprovar o requerimento do vereador Tuca Enfermeiro pedindo informações à prefeitura iguapense sobre o que está sendo feito para salvar a vida da população iguapense,
Alexandre Macau disse ter medo de contrair a doença e sabe que se for levado ao hospital da cidade “muito provavelmente vai sair de lá morto pela falta de condições em atender um paciente com Covid”, concluiu.
A terceirização da Saúde de Iguape causa transtornos há anos. Aqui mesmo no Ataque aos Cofres Públicos já fizemos matérias mostrando os reflexos negativos da gestão do serviço de pronto atendimento municipal para organizações sociais.
Em 2016, muitas queixas de falta de médicos levaram a imprensa local a repercutir a desassistência. Veja no link abaixo:
PS gerenciado por OS em Iguape fica sem plantonistas
Em 2013, os médicos terceirizados paralisaram o atendimento por não receberem seus pagamentos. Na época a OS era o Instituto Brasileiro de Apoio a Saúde (IBAS). O Jornal Regional Vale do Ribeira noticiou.
E também o G1: Atendimento no PS de Iguape, SP, volta ao normal após falta de médicos
Antes disso, em junho de 2013, a mesma situação foi alvo de matéria do Bom Dia São Paulo. Veja aqui.
Já em 2015, irregularidades envolvendo a terceirização da gestão foram apontadas pelo Tribunal de Contas do Estado. Veja na matéria que publicamos aqui no Ataque: Tribunal de Contas reprova gestão terceirizada em Iguape
SISTEMA FRAUDULENTO ORGANIZADO PARA LUCRAR ÀS CUSTAS DO ESTADO
Ocips e Organizações Sociais (OSs), ONGs e outros tipos de entidades “sem fins lucrativos” recebendo dinheiro público nada mais são que empresas com redes de atuação (muitas vezes bem organizadas e sofisticadas) para lucrar burlando os mecanismos de controle de gastos em áreas públicas e fraudando o estado. Quase sempre atuam em vários municípios de mais de um estado da federação.
Conforme documento da Frente em Defesa dos Serviços Públicos, Estatais e de Qualidade, “OSs e oscips somente se interessam em atuar em cidades e em serviços onde é possível morder sobretaxas nas compras de muitos materiais e equipamentos e onde pode pagar baixos salários. O resultado é superfaturamento nas compras (o modelo dispensa licitação para adquirir insumos e equipamentos), a contratação sem concurso público de profissionais com baixa qualificação e, por vezes, falsos profissionais.
O dinheiro que é gasto desnecessariamente nos contratos com estas empresas sai do bolso do contribuinte, que paga pelos serviços públicos mesmo sem utilizá-los e acaba custeando o superfaturamento e os esquemas de propinas para partidos e apadrinhados políticos”.
No meio desta pandemia, além do medo de se contaminar e contaminar assim os seus familiares, profissionais da saúde enfrentam também a oferta despudorada de baixos salários e falta de estrutura de trabalho, o que contrasta com a importância da atuação deles no combate ao COVID-19.
É evidente que o saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS, de desmantelamento dos demais direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão da Saúde por meio das Organizações Sociais é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização da Saúde Pública! Em defesa do SUS 100% Estatal e de Qualidade!