Um estudo inédito divulgado nesta semana e repercutido pela Revista Carta Capital mostra o quanto a terceirização e quarteirização na saúde durante este período pandêmico intensificou as mortes entre os profissionais que aturam na linha de frente do combate contra a Covid-19.
Também revela que o Governo Federal subnotificou as mortes e que governos mandaram para o sacrifício, por meio de contratos com organizações sociais (OSs), centenas de de trabalhadores sem a mínima estrutura de segurança.
Abaixo reproduzimos a reportagem:
Pesquisa da Fiocruz comprova a subnotificação das mortes de profissionais da saúde na pandemia
Dados do estudo mostram que pouco mais da metade desses profissionais, 53,8%, obteve treinamento para o uso adequado de EPI
Amparado em indicadores extraídos do Sistema de Informação de Mortalidade e do Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe, o Ministério da Saúde confirmou a morte de 470 profissionais da saúde por Covid-19 até 1º de março de 2021. À época, o Conselho Federal de Medicina e o Conselho Federal de Enfermagem alertaram que o número estava claramente subnotificado, até porque o campo referente à ocupação das vítimas não era de preenchimento obrigatório nessas duas bases de dados.
Pelos cálculos das entidades, ao menos 1.197 médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem morreram em decorrência do Coronavírus até aquele momento, uma morte a cada 7 horas e meia. Passados cinco meses, um inquérito da Fundação Oswaldo Cruz sobre a mortalidade de profissionais da saúde na pandemia confirma que as associações de classe estavam muito mais próximas da realidade que o governo.
De acordo com a pesquisa coordenada por Eleny Guimarães Teixeira, doutora em Clínica Médica pela UFRJ, e Maria Helena Machado, doutora em Sociologia pela Uerj, 622 médicos, 200 enfermeiros e 470 auxiliares e técnicos em enfermagem morreram em decorrência do Coronavírus entre abril de 2020 e março de 2021 – 1.292 óbitos no total. “Na linha de frente da batalha contra a Covid, muitos tombaram pelo caminho. E isso ocorreu porque não lhes foram dadas as condições mínimas de trabalho e segurança. A falta de equipamentos de proteção individuais, de capacitação profissional para lidar com uma doença altamente transmissível e a excessiva carga de trabalho levaram milhares de trabalhadores ao adoecimento físico e mental e os expôs ao risco evitável de morrerem em função da atividade profissional que exercem”, escreveu o ex-ministro Arthur Chioro, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Unifesp, ao apresentar dados preliminares do estudo em sua coluna, publicada na edição 1168 de CartaCapital. “O que vimos foi um massacre.”
Dados da pesquisa mostram que pouco mais da metade desses profissionais, 53,8%, obteve treinamento para o uso adequado de EPI, enquanto 45,3% não tiveram orientação alguma ou buscaram informações em vídeos na internet ou com colegas, que ensinavam aquilo que sabiam. “Na saúde, mais que em outros setores, a educação permanente é indispensável e pode salvar vidas”, afirma Machado.
Além disso, a carga de trabalho da maioria desses profissionais girou em torno de 60 horas semanais. Muitos se submeteram a jornadas extenuantes para assegurar o atendimento de pacientes em picos de demanda ou para substituir colegas infectados. “Não tenho dúvidas de que essas situações, acrescidas da pressão por produtividade e do atendimento em grande escala, trazem consequências nefastas ao trabalhador, tanto na sua saúde física quanto na mental.”
Outro estudo da Fiocruz, ainda em fase de elaboração, procura verificar o impacto da pandemia sobre os chamados trabalhadores invisíveis da saúde. São motoristas de ambulância, vigilantes, sepultadores, operários da manutenção, cozinha e limpeza dos hospitais.
Mais de 23 mil profissionais de 60 categorias responderam à pesquisa pela internet. Em São Paulo, alguns profissionais chegaram a permanecer 36 horas em plantão, relata o presidente do Sindicato dos Médicos de São Paulo, Victor Vilela Dourado. Especialista em anestesiologia pela Santa Casa de Misericórdia, ele também critica a forma como muitos médicos foram contratados para reforçar as equipes do sistema público, sobretudo nos hospitais de campanha. Em vez de contratá-los diretamente, muitos governos optaram por confiar a tarefa à iniciativa privada, por meio das Organizações Sociais (OSs). “Os profissionais eram contratados em regime de Pessoa Jurídica, sem quaisquer direitos sociais ou trabalhistas”, denuncia. “Uma vez contaminados, eram simplesmente dispensados do trabalho.”
Sob o pretexto de acelerar a contratação de médicos, estados e municípios preferiram encurtar o caminho por meio de convênios com as OSs. Estas, por sua vez, entregavam o recrutamento de profissionais a empresas “quarterizadas”, que não se preocuparam em testá-los ou vaciná-los. Na verdade, nem sequer houve monitoramento dos trabalhadores contaminados. Em muitas situações, acrescenta Dourado, médicos idosos ou com comorbidades que integram os chamados “grupos de risco”, viram-se obrigados a atuar na linha de frente dos hospitais, mesmo sem ter tomado uma única dose da vacina. “Aceitavam ou ficavam desempregados.”
No Rio de Janeiro, os problemas se repetem. De acordo com Mônica Carris Armada, presidente do sindicato fluminense dos enfermeiros, a falta de EPIs foi uma das maiores dificuldades no início da pandemia, mas não só. Ela lembra de situações bizarras, como a decisão de uma unidade de saúde de proibir o uso de máscaras por alguns profissionais, em um primeiro momento, para não causar pânico na sociedade. “O pessoal da limpeza, os ascensoristas, os maqueiros, os motoristas de ambulâncias, as recepcionistas, todos ficaram proibidos de usar”.
O descaso do Poder Público persiste. Recentemente, enfermeiros do Hospital Municipal Salgado Filho, no Rio, tiveram de comprar máscaras em lojas especializadas com recursos próprios, devido à escassez de equipamentos de proteção individual.
Antiga capital da República, a cidade do Rio herdou seis hospitais e três institutos federais. Não por acaso, a caótica gestão da pandemia pelo governo Bolsonaro cobrou um preço elevado da população carioca. O Ministério da Saúde decidiu, por exemplo, desmontar a estrutura do Hospital de Bonsucesso, onde eram realizados transplantes e cirurgias de alta complexidade, para transformá-lo em unidade de atendimento exclusivo para Covid-19.
Os pacientes com outras enfermidades foram transferidos para a unidade da Lagoa, sem infraestrutura adequada para a demanda. Não bastasse, um incêndio no Hospital de Bonsucesso comprometeu o atendimento dos próprios infectados pelo Coronavírus. “Ninguém sabe como ficaram os pacientes transplantados e transferidos”, diz Armada.
Insensível ao drama dos profissionais que atuaram na linha de frente da pandemia e ficaram permanentemente incapacitados para o trabalho pela Covid, Bolsonaro entrou, na terça-feira 24, com uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal contra a lei que obriga a União a indenizá-los. A medida foi aprovada em março pelo Congresso Nacional, que derrubou o veto do Executivo e manteve a previsão de reparações de até 50 mil reais. Segundo o governo, a compensação financeira coloca em risco o cumprimento das metas fiscais dos próximos anos.
CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO E CONTRA A PEC 32!
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.
No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos dos trabalhadores.
Falando em ensino público municipal, a Educação Infantil tem cada vez mais unidades subvencionadas para entidades que recebem dinheiro público e não são fiscalizadas. A assistência social também tem sido rifada desta mesma forma pelo atual governo.
É evidente que todo esse processo de terceirização à galope traz como saldo para a sociedade a má qualidade do atendimento e o desmonte das políticas públicas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos direitos sociais da classe trabalhadora, aumento da exploração e acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais.
Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores, enquanto executores dos serviços ou enquanto usuários destes mesmos serviços. O modelo de gestão pública por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido sempre.
E vem aí a Reforma Administrativa por meio da PEC 32, em rápida tramitação no Congresso. O objetivo, como sempre, é simplesmente acabar com o serviço público como conhecemos e transformar as administrações em grandes cabides para contratação de indicados e cabos eleitorais com total respaldo da lei. Também vai, na prática, acabar com os concursos públicos.
O dinheiro público agora poderá ser desviado oficialmente para as empresas amigas, as campanhas eleitorais e as rachadinhas (aquele esquema em que o político contrata alguém, mas exige que o contratado deposite parte do próprio salário na conta do político).
A Reforma não acaba com privilégios, nem mexe com eles. Ao contrário, mantêm os privilégios e os altos salários de juízes, políticos, promotores, diplomatas, cúpula dos militares e outros.
O único objetivo dessa Reforma é piorar os serviços públicos e atacar os servidores que atendem a população mais vulnerável.
Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos! Contra da PEC 32 e em defesa das políticas públicas!