Embora a demanda por serviços de saúde tenha aumentando na cidade de São Paulo nos últimos 11 anos, o número de médicos na rede municipal caiu 11% entre 2012 e 2022, revela levantamento inédito da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) feito a pedido do UOL.
Segundo um dos responsáveis pela pesquisa, a substituição de médicos concursados por contratados por Organizações Sociais (OSs) é o principal fator para a redução desses profissionais nos últimos anos. Enquanto os médicos ligados a essas empresas correspondiam a 48% em 2012, hoje eles formam 71% da mão de obra.
Criadas nos anos 1990 para prestar serviços de saúde para prefeituras e estados, essas entidades sem fins lucrativos estão entre as maiores empresas do país. Elas movimentaram R$ 22,9 bilhões entre 2009 e 2014, segundo estudo publicado em 2018 pela Universidade Federal de Pernambuco.
Ao contratar médicos e enfermeiros por meio de OSs, as prefeituras se livram de contabilizar o gasto como despesa com pessoal e driblam a Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe as cidades de gastar mais de 60% do que arrecadam com recursos humanos.
Sobrecarga
Na terça-feira passada (18), a categoria suspendeu uma greve que começaria na quarta (19) após a Justiça proibir a paralisação. Os médicos municipais reclamam da alta da sobrecarga de trabalho e pedem a contratação de 1.300 a 1.500 profissionais apenas para o atendimento básico. Uma manifestação foi realizada no dia que seria iniciada a greve, em frente à prefeitura.
Números
Em 2012, haviam 14.402 médicos concursados e contratados por OSs trabalhando na rede municipal. O número de profissionais empregados variou desde então, mas nunca voltou a patamar de 2012. Hoje, são 12.757 médicos, segundo o pesquisador responsável pelo levantamento, o professor de medicina da USP Mario Scheffer.
Procurada, a Prefeitura de São Paulo respondeu em nota que o número atual de médico é de 13.962, sendo 1.971 concursados e 12.091 centradas por organizações sociais. O número informado diverge do Painel de Informações de Gestão de Pessoas da Prefeitura, que mostra o número informado pela pesquisa da USP: 12.757 médicos contratados.
Mesmo com a redução de médicos nos últimos dez anos, a demanda por serviços de saúde aumentou. Entre 2010 e 2021, a cidade ganhou 1,1 milhão de habitantes, segundo estimativas do IBGE.
Os serviços municipais de saúde passaram de 891, em 2011, para 983 unidades atualmente, incluindo novas Unidades Básicas de Saúde , de Atendimento Médico Ambulatorial (AMA), ambulatórios de especialidades, hospitais e UPAs.
“Ter 1.645 médicos a menos do que em 2012 é incompatível com a expansão da rede e da população”, afirma o professor da USP. “É por isso que os médicos ameaçaram greve. Eles ficam esgotados, principalmente em meio à pandemia.”
“Não dá mais”
Os médicos que ameaçaram a greve de ontem pedem a contratação de 1.500 médicos para o atendimento básico na prefeitura:
De 500 a 600 para repor médicos afastados por quadros respiratórios ou burnout (disturbio emocional após exaustão no trabalho);
De 800 a 900 médicos (um a dois por UBS) para atender apenas doentes com sintomáticos respiratórios.
“Chegamos num ponto que não dá mais”, afirmou à imprensa a médica Vanessa Araújo, representante do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp). “Todo mundo adoecido, quem não está afastado por covid ou burnout, está pedindo demissão. Não tem como não estimar colapso.”
Os efeitos nocivos da terceirização
Segundo o pesquisador, a redução de médicos concursados gera “alta rotatividade de profissionais e piora nas condições de trabalho”, uma vez que é cada vez mais comum que as OSs contratem seus médicos como pessoa jurídica (profissional admitido como empresa) ou mesmo entregue a tarefa de recrutar profissionais a empresas de recursos humanos.
“O vínculo do médico concursado permite a permanência do profissional, que faz carreira”, diz. “Hoje eles não têm vínculo e ficam menos tempo no serviço.”
O professor diz ainda que cada OS tem metas e salários próprios, “o que tira o padrão homogêneo de atendimento que se espera da rede pública de saúde”.
Procurado, o Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde afirma em nota “que desconhece a metodologia do estudo em questão, e por isso não pode comentá-lo”.
Diz, no entanto, que as contratações pelas instituições atendem ao plano de trabalho “definido exclusivamente pelas administrações municipais”.
CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO E CONTRA A PEC 32!
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.
No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos dos trabalhadores.
Falando novamente em ensino público municipal, a Educação Infantil tem cada vez mais unidades subvencionadas para entidades que recebem dinheiro público e não são fiscalizadas. A assistência social também tem sido rifada desta mesma forma pelo atual governo.
É evidente que todo esse processo de terceirização à galope em todo o Brasil traz como saldo para a sociedade a má qualidade do atendimento e o desmonte das políticas públicas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos direitos sociais da classe trabalhadora, aumento da exploração e acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais.
Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores, enquanto executores dos serviços ou enquanto usuários destes mesmos serviços. O modelo de gestão pública por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido sempre.
E vem aí a Reforma Administrativa por meio da PEC 32, em rápida tramitação no Congresso. O objetivo, como sempre, é simplesmente acabar com o serviço público como conhecemos e transformar as administrações em grandes cabides para contratação de indicados e cabos eleitorais com total respaldo da lei. Também vai, na prática, acabar com os concursos públicos.
O dinheiro público agora poderá ser desviado oficialmente para as empresas amigas, campanhas eleitorais e as rachadinhas (aquele esquema em que o político contrata alguém, mas exige que o contratado deposite parte do próprio salário na conta do político).
A Reforma não acaba com regalias, nem mexe com quem enriquece com elas. Ao contrário, mantêm os privilégios e os altos salários de juízes, políticos, promotores, diplomatas, cúpula dos militares e outros.
O único objetivo dessa Reforma é piorar os serviços públicos e atacar os servidores que atendem a população mais vulnerável.
Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos! Contra da PEC 32 e em defesa das políticas públicas!