Um desabafo que serviu principalmente como um alerta marcou a sessão da última terça (2), na Câmara Municipal de Santos. A vereadora Débora Camilo (PSOL, 1º Mandato), contou o tormento vivido pela própria mãe ao buscar atendimentos na UPA da Zona Leste.
O relato ilustrou como a terceirização da Saúde para as Organizações Sociais tem custado caro. Um preço alto não só monetário, mas em vidas ceifadas pelo precariedade e falta de humanização no atendimento.
Transcrevemos abaixo o relato da vereadora, publicado também na página Vereadores de Santos, para quem eles trabalham. Veja aqui.
“Queria pedir licença para falar da saúde e para trazer um caso que ocorreu com a minha família. Nós recebemos diariamente reclamações do atendimento na Saúde, em particular nas UPAs. A gente deixa de ter esse contato direto porque muitos de nós não usa o SUS ou não utiliza a Saúde do Município. Vou falar em especial da UPA Zona Leste, que em 2020 teve um contrato com a Prefeitura de mais de R$ 20 milhões, fora os contratos aditivos, para infelizmente dar um atendimento de péssima qualidade para a população.
Vou dar um caso concreto e peço desculpa por ser um caso particular. Minha mãe, em 2021, passou a ter muitas dores e foi ser atendida na UPA da ZL. Durante aquele período o diagnóstico foi de pedra na vesícula. Durante alguns meses era esse o diagnóstico. Ela perdeu vários quilos e tomava morfina na veia que tirava a dor por apenas uma hora. Até que depois de muita insistência conseguimos um atendimento no particular e de lá ela foi para o Hospital Guilherme Álvaro. Após passar diversas vezes na UPA ZL sem respostas corretas, no Guilherme Álvaro o diagnóstico era um câncer no pulmão e esse câncer estava passando para a vértebra, para a coluna. As dores eram devido esse câncer.
Durante alguns meses ela passou pela UPA e nenhum exame foi feito para verificar se realmente as dores eram da vesícula. Passado pouco mais de um ano, de um dia para outro ela parou de falar. Teve dificuldades para andar e ficou sem consciência. Fomos de novo na UPA ZL e depois de 5 horas aguardando o resultado de um exame, ela foi diagnosticada com infecção na urina. De acordo com a médica, infecção na urina é o que acontece com a maioria dos idosos que não sentem dor e acabam ficando confusos, perdem a fala e a capacidade de andar. No dia da consulta eu insisti que a médica fizesse um exame neurológico. Ela pediu para minha mãe simplesmente abrir e fechar as mãos. Como ela conseguiu, disse que não havia nenhum problema dessa ordem. Dois dias depois ela teve uma piora e foi levada pelo SAMU. Graças a Deus eles entenderam que era grave e a levaram para Santa Casa. Lá um único exame constatou metástase no cérebro e vários sangramentos, que possivelmente são decorrentes de derrames.
Queria então trazer um pouco do que a população passa no atendimento dessas unidades comandadas por essas OSs. Hoje minha mãe é vítima disso e está numa cama.Infelizmente as chances são muito pequenas. Estamos vendo quais os tipos de tratamento. Mas essas são reclamações que a gente recebe diariamente, mas por vezes, por não passarmos na pele, a gente não se coloca no lugar do outro e não cobra.
Estamos falando de uma OS que ganha R$ 20 milhões para prestar o atendimento que presta. Estou confiante nos médicos da Santa Casa, que são muito atenciosos, mas tardiamente ela foi diagnosticada e alguém com 70 anos, para além da medicina, a gente precisa orar muito e pedir para que Deus intervenha para que tenha condições de sair dessa situação.
Então aqui eu peço para que o Prefeito Rogério Santos, juntamente com o secretário de Saúde, vejam o que está acontecendo na nossa Cidade e tenham a sensibilidade de entender que o dinheiro público precisa ser melhor investido. São vidas que estão sendo ceifadas. A gente não pode esperar que a cidade de Santos, que tem o título de melhor cidade para se viver, seja cenário de algo assim”.
As OSs em Santos são uma máquina de falhas e erros às custas de muito dinheiro público. Para se ter uma ideia, só em 2021, segundo o Tribunal de Contas do Estado, R$ 287.184.793,65 foram repassados para as cinco OSs que mantêm contratos com a Prefeitura.
A OS que gerencia a UPA da Zona Leste, a Pró-Saúde, recebeu R$ 24.281.654,22. Trata-se de uma entidade privada ficha suja, que promoveu estragos e é alvo de escândalos de suspeitas de desvios em muitas cidades.
Em Cubatão, a OS atuou por muitos anos no Hospital de Cubatão, com muitas reclamações dos munícipes.
Grande parte da responsabilidade pelo que hoje virou a Saúde de Santos é da Câmara de Santos, que em 2013 aprovou a entrada das OSs na Cidade. O projeto de lei foi pautado pelo ex-prefeito Paulo Alexandre Barbosa (PSDB), que hoje é candidato a deputado federal com grande apoio da maioria dos atuais parlamentares. Vereadores estes que, inclusive, aprovaram recentemente a entrega da medalha Bras Cubas de Honra ao Mérito ao filho do ex-interventor da Cidade.
E boa parte destes políticos também se negou a assinar a Comissão Especial de Investigação (CEI) que pretendia apurar as mortes suspeitas de negligência nas UPAs terceirizadas. A CEI foi proposta pela vereadora Telma de Souza (PT, 4º Mandato), mas ela não conseguiu o número de assinaturas necessário para a abertura.
Confira no link da matéria abaixo o histórico nebuloso da Pró-Saúde publicado aqui na página assim que ela foi escolhida para gerir a UPA da Zona Leste:
Terceirizar o SUS é ruim por vários motivos
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as OSs não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.
No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.
Há até casos em que esse as organizações sociais são protegidas ou controladas integrantes de facções do crime organizado, como PCC.
No meio desta pandemia, além do medo de se contaminar e contaminar assim os seus familiares, profissionais da saúde enfrentam também a oferta despudorada de baixos salários e falta de estrutura de trabalho, o que contrasta com a importância da atuação deles no combate ao COVID-19.
É evidente que o saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS, de desmantelamento dos demais direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão da Saúde por meio das Organizações Sociais é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização da Saúde Pública! Em defesa do SUS 100% Estatal e de Qualidade!