Reportagem da Folha de São Paulo publicada neste domingo (25) trouxe dados importantes sobre os reflexos da terceirização da saúde nas três décadas de governo PSDB em São Paulo.
“Principal marca da saúde estadual em quase três décadas de governo do PSDB em São Paulo, as OSs (organizações sociais de saúde) consomem hoje um quarto do orçamento da pasta, tiveram o modelo exportado para outros estados brasileiros, mas continuam sendo alvo de investigações por supostas irregularidades”, começa o texto (veja aqui), que prossegue destacando a queda na quantidade de leitos para pacientes do SUS e aumento das filas para cirurgias:
Ao mesmo tempo que a gestão dos serviços do SUS se tornou mais privada nesses quase 30 anos, a rede privada hospitalar (que atende planos e particulares) também cresceu, e a rede pública encolheu, segundo informações do Datasus.
Em 2005, por exemplo, o estado tinha 96.761 leitos de internação em geral, dos quais 64.563 eram SUS e 32.198 não SUS. Já em outubro de 2022 eram 94.064 leitos de internação em geral, com 54.952 do SUS e 39.112 não SUS. Ou seja, houve queda de 15% dos leitos SUS e aumento de 21,4% dos leitos particulares.
Um dos reflexos da redução de leitos SUS no estado de São Paulo são as filas para cirurgias de média e alta complexidade, que pioraram com a pandemia. No início deste ano, em torno de 540 mil pessoas aguardavam cirurgias. Com mutirões e convênios com serviços privados, houve redução de 52% da fila até setembro, segundo a Secretaria de Estado da Saúde.
As OSs são organizações privadas que, em tese, não poderiam ter fins lucrativos. Elas começaram a atuar no SUS paulista a partir de 1998, no mesmo ano em que foram criadas por lei federal. O governo define e planeja as políticas públicas a serem adotadas pelas OSs, além de metas de produção e de qualidade. E deveria acompanhá-las e cobrar os resultados definidos em contrato. Porém, especialistas apontam que a falta de transparência é gritante. Por outro lado, os gastos com essa modalidade de terceirização/ privatização só aumenta.
Atualmente, são 138 serviços estaduais de saúde sendo geridos por OSs, entre hospitais, ambulatórios de especialidades, unidades de reabilitação e farmácias de medicamentos especializados.
Em 2013, essas organizações consumiram R$ 3,15 bilhões de um orçamento de R$ 16,6 bilhões (18,9%). Em 2019, essa fatia aumentou. Foram 24,3% do orçamento (R$ 5,67 bilhões de um total de R$ 23,3 bilhões), segundo dados do Portal da Transparência.
O modelo já passou por várias investigações, que culminaram em uma CPI estadual em 2018.
Em outubro último, uma blitz do TCE (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo) em 273 hospitais/unidades de saúde paulistas, gerenciadas por OSS, encontrou vários tipos de irregularidades. Entre elas, medicamentos fora do prazo de validade (em 13% das unidades fiscalizadas), médicos ausentes de seus postos de trabalho (12%) e equipamentos de diagnóstico quebrados ou em desuso (31%).
Relatórios anteriores do TCE paulista apontaram outros problemas como o descumprimento de metas estabelecidas, médicos em número insuficiente e desrespeitando escalas de trabalho, além de denúncias de corrupção.
“As OSS são a marca registrada no PSDB, consomem o maior volume de dinheiro da secretaria estadual, mas falta uma grande avaliação do todo. Alguns estudos apontam maior eficiência econômica, melhor gestão de recursos humanos, mas existem muitos problemas e impasses”, afirma Mario Scheffer, professor do departamento de medicina preventiva da USP e pesquisador do tema.
Rudi Rocha, professor da FGV, diretor de pesquisas do Ieps (Instituto de Estudos para Políticas de Saúde) e coordenador de estudo que avaliou as OSS em hospitais de São Paulo, aponta a falta de transparência como um dos grandes problemas do modelo. “O maior desafio para nós [durante o estudo] foi levantar os contratos. É uma questão muito séria.”
Segundo ele, embora haja avaliações positivas sobre o desempenho das organizações, do ponto de vista das evidências científicas, ainda não se sabe qual é a real relação de custo e efetividade do modelo.
Scheffer concorda e acrescenta que, com as OSS, há muita fragmentação de informações, por exemplo, sobre recursos humanos da rede estadual. “A gente ainda não consegue julgar essa modalidade de gestão pelo seu desempenho, pela qualidade da assistência. É possível, com os recursos que recebem hoje, as OSS entregarem mais? Não sabemos.”