O título desta notícia é uma das conclusões de Paulo Victor de Figueredo Nogueira, pesquisador e cientista social, que desenvolveu sua dissertação de mestrado intitulada Profissionais da saúde e militantes na Cracolândia paulistana: uma etnografia.
O pesquisador conta que o método da etnografia é mais comum na antropologia. A base da etnografia é o trabalho de campo, com contato direto no dia a dia do grupo social analisado.
Abaixo alguns trechos da matéria, que pode ser lida na íntegra aqui.
“Meu objetivo inicial era principalmente investigar quais eram as motivações, falas e fazeres dos profissionais de saúde que atuavam na ponta. Então me propus a seguir os profissionais de saúde do Consultório na Rua. Consegui entrar em contato com eles, comecei a ir a campo sozinho e tentar fazer contatos”, relata. Nas tentativas de iniciar relações com os profissionais, Nogueira percebeu que era mais bem recebido por pessoas ligadas a movimentos sociais.
“Então eu já comecei a dividir meu objeto de estudo. Comecei a ver que a entrada possível era através da militância. Como concordava com muitas das causas, com o tempo eu passei a fazer parte dessa militância. A antropologia fala de observação participante, e isso se dá na prática. Conforme você vai adentrando o campo, se você não participa muitos caminhos vão estar fechados para você.”
Em razão da dificuldade burocrática de se aproximar dos profissionais de saúde do Consultório na Rua, o pesquisador precisou buscar outros caminhos de aproximação. Os movimentos sociais foram importantes nesse contexto, para auxiliar no contato com outras pessoas que já atuaram como agentes de saúde no território. A dissertação acompanha os dois grupos e conta com capítulos dedicados ao dia a dia dos profissionais de saúde no território, e capítulos dedicados à atuação da militância social na região.
Segundo o pesquisador, a militância da região é constituída por trabalhadores que atuaram no território, e muitos foram perseguidos politicamente na mudança de gestão da Prefeitura de São Paulo no ano de 2017. “São muitos militantes da política de redução de danos, que pautava o programa De Braços Abertos. Além dos profissionais de saúde, tem jornalistas, advogados, sociólogos, etc. É uma mescla de profissionais que convivem com a região e os próprios frequentadores do território que passaram pelas políticas públicas propostas naquela área ”, afirma.
Naquele ano, houve a transição do governo municipal de Fernando Haddad (2013-2016) para o de João Dória (2017-2018) e o programa social vigente De Braços Abertos, instituído na gestão Haddad, passou a ser desarticulado e precarizado, em favor de um novo programa batizado de Redenção.
Problema eleitoreiro
Durante o período de campanha das eleições municipais paulistanas, e até mesmo nas eleições gerais, quando o Estado de São Paulo elege seu governador, o problema de saúde pública da Cracolândia recebe novas propostas para uma espécie de solução. Para Nogueira, um dos principais problemas para que nenhum programa de política pública consiga se consolidar é a falta de continuidade.
“Um dos problemas é a falta de continuidade por conveniências políticas. Uma política pública que não tem continuidade está fadada ao fracasso. Ainda mais nesse contexto em que as pessoas já têm experiências muito ruins com o Estado. O Estado, para essas pessoas, normalmente vem pela mão da repressão. Então quando elas entram em uma política pública que é descontinuada de alguma forma, é muito difícil você recuperar a confiança dessa pessoa no Estado”, afirma.
O pesquisador conta que muitas pessoas que participaram do programa De Braços Abertos tiveram melhora significativa, e hoje atuam no território ajudando outras pessoas. “A vantagem de programas que são baseados em redução de danos é de ouvir o que as pessoas acham que é certo ou errado. Um programa que é desenhado num gabinete de política pública e é colocado ‘goela abaixo’ na vida dessas pessoas tem uma chance muito pequena de dar certo”, ressalta.
Gestões privadas
Segundo o pesquisador, ainda nos anos 1990, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), a gestão pública de saúde começou a ter as primeiras formas de gestão privada por meio das Organizações Sociais de Saúde (OSS). Nogueira afirma que no processo de mudança de gestão — de pública para privada —, a Prefeitura passa todos os equipamentos e toda a responsabilidade sobre os profissionais para essas organizações.
“A gestão cada vez mais privatizada dos equipamentos e dos profissionais de saúde foi uma aposta que não deu certo. Ela precariza os profissionais, desde os vínculos deles com o emprego, porque agora eles podem ser demitidos a qualquer hora — e muitos foram demitidos por perseguição política, ou porque não concordavam mais com o tipo de política que podiam oferecer —, até o vínculo com as pessoas que eles estão atendendo”, ressalta.
Para Nogueira, um dos problemas causados pelas gestões privadas é justamente a dificuldade que os trabalhadores têm para se organizar e lutar pelas suas visões em relação à saúde. Além disso, o excessivo enfoque em metas quantitativas prejudica a qualidade do atendimento. “Têm que bater 50 atendimentos por semana, mas aquela meta não significa necessariamente uma melhora na vida de alguém, é só um número. Isso causa um sofrimento enorme nos profissionais de saúde. Nenhum dos profissionais com quem falei deixou de narrar esse sofrimento, especialmente pela falta de apoio e cuidado do poder público”, diz.
O pesquisador atestou, durante o período dedicado ao mestrado (2018-2021), que os equipamentos de saúde e assistência social foram deixando a região, e o Estado se fez presente cada vez mais por meio da polícia.
CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO E PRIVATIAÇÃO!
Como se vê, terceirizar os serviços é fragilizar as políticas públicas e desperdiçar recursos valiosos com ineficiência, má administração ou até má fé de empresas.
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips e não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.
No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.
Isso ocorre em todas as áreas da administração pública, como Educação, Cultura e Assistência Social. O saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS, das demais políticas públicas e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos!