A revista Carta Capital mostra mais um exemplo do quanto as chamadas entidades do terceiro setor são uma porteira para a terceirização dos serviços públicos com muita falcatrua e desvios de dinheiro público.
A reportagem publicada no último dia 12, por Wendal Carmo revela que o deputado federal Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE) utilizou verbas de subvenções sociais da Assembleia Legislativa de Sergipe quando exercia seu primeiro mandato de deputado estadual, entre 2011 e 2014, para beneficiar aliados em Lagarto, seu berço político.
Foram mais de 600 mil reais destinados a três associações rurais chefiadas por apadrinhados de Gustinho e do ex-deputado estadual Valmir Monteiro (PSC) no município, localizado a pouco mais de 70 quilômetros de Aracaju.
Após o envio dos recursos, as organizações celebravam contratos com empresas cujos donos possuíam relações diretas com o parlamentar. Na sequência, o dinheiro era “sacado em espécie”.
As conclusões constam de relatórios do Ministério Público estadual aos quais CartaCapital teve acesso e embasaram a manutenção da condenação do deputado por improbidade administrativa no Tribunal de Justiça, em 6 de junho.
“As empresas não declaravam os seus lucros e nem os seus proprietários as declaravam em seu imposto de renda de pessoa física. E assim o dinheiro público das subvenções sociais desaparecia“, escreveu o MP.
O juiz Manoel Costa Neto negou um pedido da defesa e determinou o pagamento de 147 mil reais em indenização por danos morais coletivos, a perda de cargos com função pública e a inelegibilidade por seis anos. A decisão não tem efeito imediato e pode ser contestada por recursos.
Atualmente, Gustinho Ribeiro está no segundo mandato de deputado federal e preside a CPI que investiga fraudes na Americanas. Procurado, o parlamentar afirmou à reportagem que confia na Justiça e aguarda “decisão de acordo com os trâmites legais”. Disse ainda que o MP não conseguiu comprovar “má-fé na utilização dos recursos ou qualquer elemento a caracterizar irregularidade”.
As verbas de subvenções sociais são uma modalidade de transferência de recursos públicos para instituições privadas e organizações sem fins lucrativos com o objetivo de custear atividades nas áreas de educação, saúde e assistência social.
Uma das organizações beneficiadas, a Associação Comunitária e Produtiva Áurea Ribeiro, leva o nome da mãe de Gustinho (atual deputada estadual pelo Republicanos) e recebeu, ao todo, um aporte de 532 mil reais somente em 2012, destinado à realização de “cursos profissionalizantes”.
No mesmo ano, o parlamentar destinou cerca de 290 mil reais à Associação Comunitária e Produtiva São José, localizada na zona rural de Lagarto, para o custeio de projetos sociais. Ao final do contrato, a organização sequer soube informar o desfecho dos recursos.
Segundo o MP, a associação “não apresentou documentos que comprovassem os gastos” e não foi possível encontrar “rastros” do dinheiro nos extratos dos meses seguintes ao depósito.
À época, a associação era chefiada por Maria Valdelice Monteiro, irmã de Valmir Monteiro, ex-prefeito. Ela chegou a ser presa quando tentava sacar cerca de 150 mil reais da conta da entidade às vésperas das eleições municipais de 2012. Antes disso, a organização já havia transferido outros 140 mil reais a uma empresa acusada de desvio de verbas públicas em outras investigações do MP.
Os indícios de irregularidades levaram a Justiça a bloquear os recursos da organização. Isso não impediu, porém, que em novembro de 2012 a associação fizesse um repasse de 100 mil reais à empresa cujos donos são Zênia Maria Nascimento e Álvaro Brito Nascimento, ex-assessores parlamentares de Gustinho na Alese.
De acordo com os investigadores, a Associação Comunitária e Produtiva São José era utilizada com claro viés político pelo grupo liderado por Monteiro. Cacique da política sergipana, o ex-prefeito administrou a cidade por oito anos e chegou a ser preso em março de 2019 pelo suposto envolvimento em esquema de lavagem de dinheiro.
Criada em fevereiro de 2012, a Distac Consultoria e Locação conseguiu clientela recorde em um curto período, segundo o MP. Todas as organizações que receberam as verbas do então deputado fecharam contratos para “prestação de cursos profissionalizantes” em 20 de fevereiro de 2012, exatamente um dia após a abertura da companhia.
As investigações concluíram se tratar de um empreendimento fantasma que funcionaria em uma “casa residencial, sem nenhuma evidência de atividade empresarial, antes ou depois” do recebimento dos recursos – todas as movimentações financeiras da empresa naquele ano ocorreram a partir do dinheiro destinado pelo parlamentar, segundo o relatório.
Os cursos técnicos pelos quais a Distac foi contratada, segundo os procuradores do MP, também não foram ministrados por profissionais com vínculos trabalhistas com a empresa e aconteceram “na garagem do então vereador Carlos de Brasília, sem a existência de material qualificado”.
Em depoimento à polícia, o exparlamentar confirmou ter cedido sua propriedade para as aulas e revelou que os recursos destinados por Gustinho chegavam “com um endereço certo, ou seja, a empresa de Álvaro Brito [a Distac]”.
“Os cursos existiram, mas foram todos ‘meia boca’, inclusive as aulas eram dadas na garagem da casa do declarante; que o curso não teve certificado, material deficiente, tudo muito bagunçado; que os cursos dados não serviam para nada, eram só enrolação”, diz um trecho do depoimento.
Outra organização beneficiada com as verbas de subvenção era a Associação Comunitária Josefa Evangelista, que recebeu 180 mil reais em 2013. A mulher que empresta seu nome à organização, segundo o MP, estava lotada em cargo comissionado na Assembleia Legislativa à época do repasse.
Na decisão de 6 de junho, o juiz Manoel Costa Neto disse ter visto “conduta dolosa” de Gustinho, Zênia Nascimento, Álvaro Brito e Valmir Monteiro de lesar os cofres públicos com “comprovada perda patrimonial, desvio, apropriação e malbaratamento dos bens” da Assembleia Legislativa.
Como penalidade, o magistrado impôs: pagamento de multa no valor de 147.280,55 reais; perda de função pública e cassação dos direitos políticos; e pagamento de 20 mil reais em indenização por danos morais coletivos com juros e correção monetária.
“Disso decorre que foi montado todo um esquema que envolveu a criação de empresas cuja única atividade empresarial foi justamente receber o dinheiro das subvenções sociais remetidas pelo deputado Gustinho Ribeiro, através de contratos com as associações citadas, de modo que não existiam atividades das empresas antes dessas verbas e nem depois delas”, justificou.
No caso de Maria Valdelice, expresidente da Associação São José, o juiz pontuou que a investigação não conseguiu comprovar “os alegados atos ímprobos que importam em enriquecimento ilícito e dano ao erário”.
Com a palavra, os envolvidos A defesa de Valmir Monteiro, exprefeito de Lagarto, afirmou não existir qualquer elemento a atestar que ele “tenha participado dolosamente, ou culposamente, das supostas irregularidades”. Acrescentou que “está sendo processado apenas por possuir parentesco” com o comando da associação.
Maria Valdelice Monteiro, ex-presidente da Associação Comunitária e Produtiva São José, disse não ter agido de má-fé e que “tudo foi feito na mais estrita legalidade”.
Proprietários da Distac Consultoria e Locação Ltda., Álvaro Brito e Zênia Nascimento negaram qualquer relação de afinidade ou vínculo trabalhista no gabinete do então deputado estadual Gustinho Ribeiro.
“À época da destinação das verbas, a empresa tinha sede própria, elencava uma lista de funcionários, prestava diversos serviços a órgãos diferentes e, de especial importância, efetivamente prestou os serviços pela qual foi contratada”, completaram.
Procurado por CartaCapital, Gustinho Ribeiro também negou qualquer irregularidade no repasse dos recursos. Ele ressaltou que o processo prevê recurso e disse confiar na Justiça. O parlamentar ainda afirmou que a destinação das verbas é “é ato típico e vinculado ao exercício do mandato” e que as investigações não comprovaram “má-fé na utilização dos recursos ou qualquer elemento a caracterizar irregularidade”.
A reportagem também tentou contato com o ex-vereador Carlos de Brasília, mas não obteve retorno. O espaço segue aberto.