MÉDICOS DE UPA ONDE PACIENTE MORREU COM DENGUE NÃO RECEBEM HÁ SEIS MESES

MÉDICOS DE UPA ONDE PACIENTE MORREU COM DENGUE NÃO RECEBEM HÁ SEIS MESES

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Com atraso de mais de seis meses envolvendo parte da remuneração mensal e pagamentos das escalas de plantão, médicos de duas unidades em Águas Lindas de Goiás, contratados por por Organizações Sociais, sofrem para atender em pleno surto de dengue.

Parte do salário de novembro dos profissionais que trabalham na Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Mansões Odisseia e no Hospital Bom Jesus só caiu em janeiro e os honorários de junho nunca foram pagos, conforme denunciam os profissionais. Conforme mostrou o jornal Metropóles, em dezembro, ainda com o pagamento atrasado, a UPA de Águas Lindas ganhou holofotes devido à morte de uma mulher com dengue em que a família denuncia negligência médica.Veja abaixo a trechos da reportagem sobre a situação na cidade.

O município goiano é o terceiro do estado em casos de dengue, com 577 registros. Os números somam as duas últimas semanas de dezembro e a primeira de janeiro e estão disponíveis no site da Secretaria de Saúde de Goiás.

A morte da professora Nathali Haydeen, aos 36 anos, revoltou os familiares, que agrediram um médico que estava de plantão no dia. Após a repercussão do caso, os médicos foram proibidos de mencionar os atrasos e o profissional foi afastado da empresa. Ele não quis dar entrevista para a reportagem. Revoltados com a situação, profissionais de saúde fizeram a denúncia do ocorrido.

Desde dezembro, o Metrópoles conversou com 11 médicos, entre profissionais que trabalham e outros que saíram da instituição. Eles relataram uma rotina de caos, com pouco descanso e diversos problemas com atraso de pagamento. Os médicos preferiram não se identificar por medo de represálias, inclusive o receio de não receber de forma alguma.

Dívidas
“Tenho um total de R$ 16 mil para receber, com metade da minha fonte de renda sendo de lá. Fiquei mais dois meses usando o cheque especial e pagando juros de mais de R$ 10 mil, para não deixar atrasar a conta”, relatou um profissional.

Os médicos são contratados como pessoas jurídicas pela HelpMed, empresa que presta serviço ao Instituto de Saúde e Cidadania (Isac) – a Organização Social que mantém contrato com a Prefeitura de Águas Lindas para gerenciar a UPA e o hospital.

“Cada dia aparece um problema diferente para justificar o atraso”, disse outro profissional. “Tendo sido levantada até mesmo a hipótese de o nosso salário ser pago se a gente oferecer desconto para eles, e ainda assim pagando parcelado”, detalhou.

Mais de um profissional relatou que teve de fazer empréstimos para conseguir pagar as contas no fim do mês. “Eu preciso do dinheiro para me ajudar ainda a pagar o Fies [Financiamento Estudantil]. Não sou de família rica, estudei muito para estar aqui, muito tempo de dedicação”, contou outro profissional.

“Eu engordei 14 quilos, tenho crise de ansiedade e estou vendo minha vida literalmente se afundar e eu não posso fazer nada”, comentou. “Imagina você trabalhar e não receber pelo trabalho que foi realizado”, completou.

Por medo de não receber, os profissionais têm preferido não fazer escalas, especialmente as de plantão. “Tem dias que só são dois médicos em cada unidade, quando era para ter no mínimo quatro”, relatou o profissional. Em mensagem, a equipe que gerencia as escalas determinou apenas 30 minutos de intervalo para o jantar dos médicos. Veja:

Restos a pagar
Com constantes atrasos, a situação se agravou em junho de 2023. É que a Isac, alegando não receber R$ 7 milhões em repasse da prefeitura, suspendeu os serviços. Em um comunicado, a HelpMed garantiu aos profissionais que os pagamentos seriam feitos pela secretaria municipal.

“Ficou pactuado que o município se comprometerá a realizar repasses da folha médica para HelpMed pertinentes ao mês de abril ainda na data de hoje, e que os pagamentos pertinentes aos meses de maio e junho também serão honrados em dia por parte da municipalidade”, conforme consta em documento ao qual o Metrópoles teve acesso.

Em novembro de 2023, a prefeitura criou um fundo municipal com os restos a pagar da Secretaria de Saúde, para reconhecer e quitar as dívidas que o instituto tinha feito ao longo da execução. Em 15 de dezembro, a Secretaria de Economia Municipal publicou um chamamento público para que os profissionais e as empresas que estejam nessa situação possam solicitar o pagamento.

Conforme afirma o texto, o pagamento será feito em ordem daquele que oferecer o maior desconto percentual sobre a dívida e conforme a disponibilidade orçamentária da Prefeitura de Águas Lindas de Goiás.

Apesar de obrigatórias, as despesas com as empresas não constam no Portal da Transparência do município. O Metrópoles fez a busca com diversas formas de escrever o nome das empresas, em um recorte de 31 de dezembro de 2022 a 8 de janeiro de 2024, e a mensagem é apenas “nenhum resultado encontrado”. Confira:

Conhecida no DF
Atuando no Entorno do Distrito Federal, o Isac já era conhecido no DF. Em 2016, na gestão do governador Rodrigo Rollemberg (PSB), o Governo do Distrito Federal tentava flexibilizar a contratação de organizações sociais para gerir a saúde da capital do país.

Na época, uma das entidades credenciadas era o Isac. A entidade, com sede em Brasília, deixou um rastro de problemas em Jacobina, na Bahia, onde tinha firmado contrato de gestão com a prefeitura no valor de R$ 15,6 milhões, conforme o Metrópoles revelou na época.

A crise foi tão grande na saúde pública local que o contrato de gestão firmado com o Instituto Saúde e Cidadania sofreu intervenção do município. A entidade foi acusada de deixar de abastecer o hospital e a clínica que administrava. O Isac ainda teria deixado dívidas com fornecedores, num total de R$ 3 milhões.

Em 2018, o Ministério Público de Contas do Distrito Federal publicou um parecer contrário ao Isac e com diversos apontamentos de irregularidades em contratos firmados pela Organização Social com outros municípios do país.

“Discordamos da proposta de manutenção do sobrestamento da análise de mérito dos presentes autos, porque como se vê não houve esforços efetivos para apurar as irregularidades e ilegalidades indicadas”, conclui o relatório.

A reportagem questionou o governo de Goiás se havia ciência da situação no município, mas o estado goiano respondeu apenas que não há gestão estadual em Águas Lindas.

O Metrópoles procurou a prefeitura, a Secretaria de Saúde e a Secretaria de Comunicação, por telefone, e-mail e até nas redes sociais, mas não teve resposta. O espaço segue aberto caso queiram se manifestar.

A reportagem também procurou as duas empresas citadas na matéria. Inclusive, no site da Secretaria de Saúde, o contato com o Isac segue até então como para a população tirar dúvidas.

Em nota, o Isac informou:

“A Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Mansões Odisseia e o Hospital Bom Jesus, em Águas Lindas de Goiás, estiveram sob gestão do Isac até junho/2023, quando a gestão foi transferida para uma nova organização social.

Diante da insustentabilidade financeira e dos atrasos recorrentes do Município em efetuar os repasses acordados, o Isac solicitou o encerramento do termo de colaboração para a gestão das unidades.

Desta forma, desde o dia 1o de julho de 2023 o instituto não mais tem qualquer responsabilidade pela administração das referidas instituições de saúde.

Com o término do contrato, a responsabilidade pelos pagamentos pendentes dos profissionais e fornecedores foi assumida publicamente, por meio de lei específica de restos a pagar, pelo município de Águas Lindas, não sendo desde então transferido nenhum recurso para o Instituto Saúde Cidadania, para pagamento de fornecedores.

O Isac expressa sua solidariedade a todos os profissionais, prestadores de serviços e fornecedores envolvidos nessas unidades de saúde. Ressaltamos que cada projeto gerenciado pelo instituto tem uma conta específica que recebe recursos do contratante, os quais só podem ser utilizados para cobrir despesas assumidas pela respectiva unidade.”

CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO!

Como se vê, terceirizar os serviços é fragilizar as políticas públicas, colocar a população em risco e desperdiçar recursos valiosos com ineficiência, má administração ou até má fé de entidades privadas.

Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips e não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.

Embora seja mais visível na Saúde, isso ocorre em todas as áreas da administração pública, como Educação, Cultura e Assistência Social. O saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS, das demais políticas públicas e, pior ainda: o risco às vidas.

Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.

Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos!

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