“Apurou-se ainda que a organização criminosa era chefiada pelo ex-prefeito municipal. Como chefe do Executivo poderia trocar qualquer dos integrantes da organização criminosa, numa eventual recusa de um dos controladores em dar um parecer favorável, de o secretário de Saúde colocar eventual empecilho no convênio ou até mesmo cancelar o contrato com a empresa (instituto) em caso de recusa de pagamento de propina”. (Fonte: Polícia Civil de Santa Catarina)
Assim consta no relatório da investigação policial do estado de Santa Catarina, na operação que ficou conhecida como Operação Sutura, deflagrada em 2018.
A imprensa local está relembrando o caso, já que o homem apontado como protagonista do esquema, o ex-prefeito da cidade catarinense de Penha, Evandro Eredes dos Navegantes, tenta a reeleição.
“A Polícia Civil, por meio da DCCPP (Divisão de Crimes Contra o Patrimônio Público) e do LAB-LD (Laboratório de Lavagem de Dinheiro) da DEIC (Diretoria Estadual de Investigações Criminais), concluíram em abril de 2019, o inquérito da operação “Sutura”. Ao todo foram indiciadas 19 pessoas por diversos crimes, dentre eles organização criminosa, fraude a licitação, peculato e lavagem de dinheiro.
A operação Sutura foi deflagrada em 12 de julho de 2018, com apoio do Ministério Público de Contas de Santa Catarina, além do Ministério Público Estadual (MPSC), Delegacias de Balneário Camboriú, Blumenau e Joinville, e Polícia Civil do Mato Grosso. Na época, foram presas 16 pessoas e cumpridos 32 mandados de busca e apreensão por desvios na área da saúde pública por meio de uma OS (Organização Social) nos municípios de Penha e Itapema.
Os bens seqüestrados durante a operação, inclusive, os novos imóveis descobertos através das buscas e apreensões na casa dos investigados, estão estimados em mais de R$ 1,5 milhão e, certamente, serão suficientes para ressarcimento do erário público.
Apurou-se que havia uma organização criminosa enraizada no município de Penha composta por três núcleos (familiar, político e empresarial) distintos estruturalmente hierarquizados e caracterizados pela divisão de tarefas. O crime iniciava com o repasse da subvenção social feito pela Secretaria da Fazenda ao Instituto Adonhiran por meio de verbas que eram destinadas à Secretaria da Saúde, que era o órgão responsável pelo recurso (órgão concedente).
Com o recebimento da subvenção, o núcleo empresarial/familiar manipulava as prestações de contas, apresentando o balancete discriminativo dos gastos, extrato da conta corrente da entrada e saída da subvenção e as notas fiscais e recibos dos supostos serviços realizados.
Essa prestação de contas era protocolizada na Prefeitura Municipal, que a encaminhava ao Controle Interno do Município, uma espécie de órgão auxiliar do Tribunal de Contas do Estado, que analisava os comprovantes de entrada e saída financeira, notas fiscais e relatórios com a descrição dos serviços prestados (núcleo político).
Assim, após a conferência dos aspectos formais, era emitido um parecer de legalidade pelo Controle Interno para que a Secretaria da Fazenda pagasse a parcela subsequente da subvenção.
Apurou-se ainda que a organização criminosa era chefiada pelo ex-prefeito municipal. Como chefe do Executivo poderia trocar qualquer dos integrantes da organização criminosa, numa eventual recusa de um dos controladores em dar um parecer favorável, de o secretário de Saúde colocar eventual empecilho no convênio ou até mesmo cancelar o contrato com a empresa (instituto) em caso de recusa de pagamento de propina.
Estima-se que o valor pago pelo município de Penha entre 2011 e 2016 alcançou cerca de R$ 3.772.847,50, sendo que R$ 1,493 milhão foi desviado pelos integrantes da organização criminosa.
Com relação aos possíveis desvios ocorridos no município de Itapema, onde estima-se que o rombo aos cofres públicos seja maior, há outro Inquérito Policial instaurado para apuração dos fatos e, para sua conclusão, ainda há diligências pendentes.” (Informações da Polícia Civil de Santa Catarina)
De acordo com o site Folha do Estado SC, passados cerca de seis anos da operação que prendeu o ex-prefeito de Penha Evandro Eredes dos Navegantes, o ex-secretário de Saúde do município Cleybi Darossi e outros 15 que foram presos temporariamente, mesmo com os indiciamentos, o processo ainda não teve nenhuma sentença na primeira instância. Nestas eleições, com a candidatura do ex-prefeito Evandro Eredes, reacende-se o debate sobre a eficácia da Lei da Ficha Limpa.
Para a população de Penha, o sentimento é de indignação. Muitos moradores, que enfrentaram filas e falta de atendimento adequado na rede pública de saúde, se deparam com a notícia de que milhões foram desviados dos cofres municipais. “A gente sentia a precariedade nos postos, no hospital, e agora sabemos que enquanto a gente sofria, o dinheiro ia para o bolso de quem deveria cuidar da cidade”, desabafou uma moradora à época.
Especialistas em direito eleitoral e analistas políticos destacam que o cumprimento rigoroso da Lei da Ficha Limpa é fundamental para combater a impunidade e restaurar a confiança da população nas instituições democráticas. Segundo o advogado Rafael Trindade, especialista em direito público, “a Ficha Limpa tem um papel decisivo na limpeza do cenário político brasileiro, mas ainda há muitas brechas que precisam ser corrigidas, como os recursos protelatórios que atrasam a condenação em última instância”.
A prisão de Evandro Eredes dos Navegantes é mais um exemplo de como a corrupção pode minar os pilares da administração pública e comprometer serviços essenciais.