Ana Maria Dias Pinho é professora aposentada da Prefeitura de Santos e jamais imaginou que, depois de servir o município com seu ofício por 37 anos, presenciaria cenas lamentáveis em um equipamento municipal de saúde.
Ela conta que precisou levar o neto, de 26 anos, para a UPA Central, no último sábado (18), por conta de uma crise de pânico e um quadro de intensa agitação. “Meu neto estava passando muito mal, batia a cabeça na parede, estava agressivo e dizia que queria se matar. Chamei a ambulância e, junto com meu genro, ele foi levado para UPA. Eles entraram pela parte da ambulância e eu fiquei na recepção aguardando. Em questão de 5 minutos meu genro voltou com o meu neto já sem condições de ficar em pé”.
Ana Maria relata que a médica que o atendeu, ao ouvir um breve relato do caso, não falou nada. Apenas mandou aplicar uma injeção no jovem e assinou um encaminhamento para que ele fosse atendido em uma unidade de psiquiatria. “Meu neto simplesmente saiu carregado, cambaleando por causa do efeito da injeção. Ele é pesado, foi muito difícil carregar até a porta da UPA e depois colocar num uber. O motorista e as pessoas em volta é que tiveram que ajudar”.
A família entende que o rapaz deveria ser encaminhado pela própria unidade para uma internação com atendimento psiquiátrico especializado, até que pudesse ir para um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) e ser tratado ambulatorialmente. “Fomos para casa com uma carta de encaminhamento, porém no domingo não tínhamos onde ir com ele, com tudo fechado. Na segunda-feira (20), já no CAPS, nos explicaram que o correto nesses casos é a médica encaminhar de forma imediata para um hospital com leito psiquiátrico. Mas, pelo jeito, ela não queria ter o trabalho de preencher o relatório. Essa opção daria mais trabalho. Preferiu dar uma injeção cavalar, um sossega-leão e se livrar do problema. Ficamos de mãos atadas, sem saber o que fazer”.
De acordo com o protocolo de Saúde Mental, o usuário em “intensa descompensação clínica ou psíquica”, esgotadas as possibilidades de atendimento nos CAPS, deve ter acesso à internação com acompanhamento do serviço de urgência e emergência e das equipes CAPS, que é o gestor do cuidado mesmo no período de internação.
Além disso, no Plano Municipal de Saúde de Santos 2022-2025, consta que a meta para 2023, 2024 e 2025 é garantir no mínimo 10 leitos de retaguarda em psiquiatria no Complexo Hospitalar da Zona Noroeste, justamente para garantir um atendimento completo e humanizado em casos como o do neto de Ana Maria.
Mais problemas
A aposentada conta que outras pessoas também reclamaram da precariedade do atendimento na UPA enquanto esteve na unidade. Ela foi à Ouvidoria da Prefeitura na última segunda-feira (20) para registrar a queixa e lá também se sentiu desamparada. “Como estava muito calor fui esperar o atendimento numa sala anexa mais arejada, pois nem lugar para sentar tinha. O funcionário ainda me disse que ali eu não podia ficar. Eu tenho 78 anos e estava passando mal. É um desrespeito muito grande com a população. Que saúde é essa?
A UPA Central, comandada pela organização social (OS) Instituto Nacional de Pesquisa e Gestão (InSaúde), foi o primeiro equipamento de urgência e emergência cuja gestão foi terceirizada pelo Governo, em 2016. Na época, o então prefeito Paulo Alexandre Barbosa alegou que a mudança do modelo de gestão garantiria a eficiência e qualidade do serviço para os usuários.
Aconteceu exatamente o oposto. Desde então, as duas organizações sociais que passaram pela administração do equipamento foram alvos de muitas reclamações. Tanto a primeira OS (Fundação do ABC) quanto a atual (InSaúde) estão envolvidas em denúncias de irregularidades na saúde de outras cidades e até de outros estados.
Hoje a gestão terceirizada custa aos cofres da Prefeitura R$ 2 milhões por mês. O contrato pelos próximos cinco anos teve valor fixado em R$ 125.485.020,00 – 3% maior que o cobrado pela FUABC. Os médicos continuam atuando de forma “quarteirizada” e sem a fiscalização adequada pela Secretaria de Saúde. Saiba mais aqui:
CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.
No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos dos trabalhadores.
É evidente que todo esse processo de terceirização à galope em todo o Brasil traz como saldo para a sociedade a má qualidade do atendimento e o desmonte das políticas públicas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos direitos sociais da classe trabalhadora, aumento da exploração e acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais.
Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores, enquanto executores dos serviços ou enquanto usuários destes mesmos serviços. O modelo de gestão pública por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido sempre.
Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos!