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PL QUE VISA CENSURAR DISCUSSÃO SOBRE ABORTO EM SANTOS RECEBE PARECER CONTRÁRIO
Recebeu parecer contrário da Procuradoria da Câmara de Santos o Projeto de Lei 80/2025, que proíbe em eventos públicos e privados a divulgação e o fomento de práticas de aborto.
Se aprovada, a propositura de autoria do vereador Adriano Catapreta (PSD, 2º Mandato), significará a censura a qualquer iniciativa que pretenda debater o tema, hoje uma das principais bandeiras de coletivos feministas que lutam contra a opressão às mulheres.
O médico e ex-secretário municipal de Saúde apresentou o PL na sessão do último dia 20 de março, gerando perplexidade ao tentar legislar sobre o que pode e o que não pode ser discutido a respeito de procedimentos médicos para mulheres. E o que é pior: em sua justificativa, o parlamentar, que é evangélico, usa um fato que ocorreu na cidade de São Paulo e que nada tem a ver com o assunto. Trata-se de uma manifestação alusiva à prática de estupro.
“Durante um jogo universitário ocorrido no dia 15/03/2025, mais de 20 estudantes de medicina da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo, foram fotografados segurando uma bandeira com a inscrição ‘entra porra, escorre sangue’. A frase, que remete ao crime de estupro, foi retirada de um antigo ‘hino’ da atlética de medicina, banido em 2017”, diz a justificativa.
O texto prossegue relatando que o Coletivo Francisca – grupo formado por alunas e ex-alunas da faculdade – divulgou uma nota via Instagram denunciando o ocorrido. No comunicado, o grupo afirmou que a exibição do cartaz fere a dignidade sexual e ameaça o bem-estar das mulheres que circulam nos corredores da instituição. “O grupo também cobrou um posicionamento da Atlética, pedindo que a organização adote medidas que assegurem a saúde mental e física de todas as mulheres presentes no ambiente acadêmico.”
O desdobramento do caso foi a abertura de um procedimento de sindicância interna para apurar os fatos e um comunicado em que a faculdade afirma que “os estudantes envolvidos poderão ser penalizados com advertências, suspensão ou até desligamento, conforme a gravidade da infração e os preceitos institucionais.”
O que fez Catapreta usar um episódio lamentável como desculpa para tentar proibir manifestações e eventos que visam discutir o tema aborto? Independentemente da resposta, a iniciativa já se configura como um duplo ataque às mulheres que sofrem diariamente, seja pelo medo serem a próxima vítima de estupro, seja pela impossibilidade legal de decidir sobre o próprio corpo e a própria saúde.
Se a proposta virar lei, as instituições privadas que discutirem o assunto podem ser multadas no valor de 500 UFESPs (R$ 18.510,00) e, em caso de reincidência, teriam seu alvará de funcionamento suspenso por um ano. Em caso do debate ocorrer em vias e locais públicos seria arbitrada multa no valor de 20 UFESPs (R$ 740,40) para o organizador e de 10 UFESPs (R$ 310,20) para cada membro participante. Na reincidência os valores seriam cobrados em dobro.
CENSURA
Para a Procuradoria da Câmara, o PL de Catapreta contraria a vedação constitucional ao emprego da censura prévia e fere a liberdade de expressão. O parecer cita artigos, incisos e parágrafos da Constituição Federal”:
“Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(…)
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”
Outro artigo constitucional que serviu de base para o parecer contrário ao projeto é o 220, que diz:
“Art 220 – A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”
REAÇÕES
As reações de alguns parlamentares ao projeto veio na mesma sessão em que ele foi apresentado. Marcos Caseiro (PT, 1º Mandato), que também é médico, afirmou não ser normal um cidadão fazer um Projeto de Lei proibindo as pessoas de discutir.
“Eu já teria que pagar multa porque eu estava discutindo hoje na Faculdade sobre aborto. Isso é uma barbaridade. Precisa ter um pouco de discernimento do que se fala. As pessoas, acho, estão num outro espaço sideral, que não é esse que se tem. Imagine multar pessoas porque vão discutir questão de aborto fora da questão legal? Só pode ser piada.”
A vereadora Débora Camilo (PSOL, 2º Mandato) também criticou o projeto. “Se a gente for pegar os números do que ocorre pelo mundo, a gente vai ver que nos países desenvolvidos em que o aborto é descriminalizado houve redução do número de casos. Por quê? Porque a partir do momento que você coloca isso como política pública, você passa a debater, a dar informação para essas mulheres e meninas. E a gente está falando de um país em que, infelizmente, nós não temos acesso à saúde plena. (…), uma cidade que a gente leva meses para passar no clínico geral e anos para conseguir um ginecologista”.
Por fim, a vereadora questionou a autoria masculina de uma matéria que diz respeito às mulheres. “É muito ruim estar num local desse, enquanto mulher, ouvindo homens querendo determinar o que eu posso fazer com o meu corpo.”