Erros em série como falta de controle em mudanças de protocolos e uso inadequado de antisséptico nos globos oculares de pacientes foram detectados pelo Ministério Público no caso das vítimas de cegueira em um mutirão de catarata realizado no Ambulatório Médico de Especialidades (AME) de Taquaritinga (SP).
A unidade é gerida pela organização social Fundação Santa Casa de Franca, responsável pela equipe que trabalha no AME. Na ação civil, após três meses de investigações, a promotoria pede indenização de R$ 3 milhões aos pacientes cegos e outras medidas compensatórias.
O caso ganhou repercussão em outubro do ano passado. Durante a apuração, a Promotoria apontou falhas sistemáticas e humanas, entre elas a falta de controle dos protocolos cirúrgicos e a utilização inadequada de um antisséptico diretamente no globo ocular dos pacientes.
A ação tem como alvos a Fundação Santa Casa de Franca e a Secretaria de Estado da Saúde.
“Significa dizer que, na realidade, houve uma desorganização, sim, institucional, que deveria ser permeada na fiscalização, no controle, na exigência e na eficiência, o que nós, evidentemente, identificamos que não ocorreu”, afirmou o promotor de Justiça Ilo Wilson Marinho Gonçalves.
A ação ainda precisa ser aceita pela Justiça. A Fundação Santa Casa de Franca não comentou o caso. A Secretaria de Estado da Saúde informou que todos os profissionais que atuaram nos atendimentos foram afastados e os pacientes estão sendo acompanhados por equipe especializada no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto.
Uma sindicância foi instaurada em todas as unidades gerenciadas pela OS Fundação Santa Casa de Franca. Um chamamento público para a contratação de uma nova OS para a administração do AME também foi feito.
As cirurgias no AME de Taquaritinga foram suspensas e em paralelo à ação civil pública, tramitam na Justiça ações de indenização ajuizadas individualmente, algumas delas já acordadas com o Estado, bem como um inquérito policial, para apuração de crimes, segundo o MP.
Sucessão de falhas
O resultado das investigações está em uma ação civil pública com 40 páginas. Segundo o documento, os danos sofridos pelos pacientes foram causados por uma série de erros cometidos dentro do AME durante o mutirão de catarata do dia 21 de outubro de 2024.
Entre eles, está a troca do antisséptico usado para esterilizar a pele dos pacientes, problema já apontado pela própria Fundação Santa Casa após uma sindicância. Segundo as investigações, em vez de clorexidina, que é transparente, a equipe deveria ter usado iodo-povidona (PVPI), de coloração roxa.
Com isso, no dia do mutirão, a clorexidina, altamente tóxica se aplicada diretamente nos olhos, foi usada no lugar do soro Ringer, composto que serve para hidratar regiões ressecadas durante o selamento da incisão operatória.
Depois de ouvir pacientes e equipe médica, o MP concluiu ainda que foi possível perceber a falta de treinamentos para a equipe e falha na comunicação entre os profissionais escalados para os procedimentos cirúrgicos. Além disso, segundo o promotor, não foi seguido o protocolo institucional.
“Foi uma falha, inegavelmente, do corpo médico, mas também institucional, porque nós identificamos falha do AME em ter mecanismos efetivos de controle dos procedimentos médicos em procedimentos em cirurgias. Isto é, não houve efetivamente uma alteração formal do protocolo e não houve um controle da alteração informal do protocolo.”
Anteriormente, o MP já havia indicado outras irregularidades que podem ter contribuído como ausência de sistema de ventilação e problemas com a limpeza da cadeira usada pelo médico.
Além disso, o centro de esterilização estaria funcionando sem profissionais qualificados e descumprindo as normas de uso da autoclave, equipamento essencial para a descontaminação de instrumentos cirúrgicos.
Com o fim das investigações, o Ministério Público solicitou à Justiça:
- uma indenização de R$ 3 milhões a título de danos sociais a ser paga pelo estado e a Fundação Santa Casa em benefício da saúde pública de Taquaritinga;
- que permaneçam suspensas as cirurgias de catarata no AME de Taquaritinga;
- que a Fundação Santa Casa e a Secretaria de Estado da Saúde apresentem um plano de ação com melhorias nos protocolos das cirurgias;
- coberturas médicas e psicológicas aos pacientes afetados;
- transplantes de retina ou a disponibilidade de próteses oculares aos pacientes.
“Essa ação tem um objetivo evidentemente sancionatório, não há a menor dúvida disso, mas também pedagógico. O Estado precisa se conscientizar de que erros dessa natureza não podem se repetir”, argumentou o promotor.
Ao site Diário do Povo, alguns pacientes deram seus testemunhos de desesperança. “Minha vida parou, perdi o trabalho e me sinto inútil”, afirmou uma das vítimas, que teve a visão do olho direito comprometida.
Outro paciente manifestou que nunca imaginou que um procedimento simples como uma cirurgia de catarata pudesse resultar em tal tragédia pessoal. As queixas de desconforto e dor iniciaram imediatamente após as operações, mas, segundo eles, foram desconsideradas pela equipe do AME.
CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO!
Como se vê, terceirizar os serviços é fragilizar as políticas públicas, colocar a população em risco e desperdiçar recursos valiosos com ineficiência, má administração ou até má fé de entidades privadas.
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips e não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.
No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.
Embora seja mais visível na Saúde, isso ocorre em todas as áreas da administração pública, como Educação, Cultura e Assistência Social. O saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS, das demais políticas públicas e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos!