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EFEITO ORUAM: PL VISAVA CENSURAR ARTISTAS QUE ABORDAM COTIDIANO DAS PERIFERIAS EM SANTOS
Disfarçado de prevenção à apologia ao crime, o vereador Adriano Catapreta (PSD, 1º Mandato) ataca novamente de censor e fiscal da moral e dos bons costumes. O vereador evangélico já havia apresentado um projeto de lei que visa proibir qualquer evento que tenha a palavra “aborto” como ponto de pauta e/ou discussão. Veja aqui.
Em 4 de fevereiro último, Catapreta apresentou o PL 11/2025, para proibir a destinação de recursos a projetos artísticos que façam menção ao cotidiano das periferias, com a desculpa que configurariam apologia ao crime e incentivo à violência.
Na justificativa do PL, o vereador transcreve uma música do rapper Oruam, um jovem de 24 anos, chamado Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, que recentemente tem ganhado repercussão da imprensa após protestar contra a prisão irregular de MC Poze do Rodo, e contra a ação violenta da PM em uma comunidade carioca, atacada a tiros em uma festa junina. A operação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) culminou com o assassinato pelo Estado do jovem Herus Guimarães, que estava participando do evento comunitário repleto de crianças.
Oruam é filho do traficante Marcinho VP e sobrinho de Elias Maluco e tem feito sucesso com músicas que retratam as contradições da vida nas favelas e do sistema penal. Seus ouvintes defendem o artista afirmando que o cantor não pode ser “responsável” pelos crimes de seus familiares e nem por fazer arte retratando o cotidiano dos que vivem à margem da sociedade.
Ele tem mais de 10 milhões de ouvintes mensais no Spotify e suas letras têm sido citadas em propostas de lei que tentam censurar músicas de autores periféricos, acusando-as de suposta apologia ao crime.
No caso do PL 11/2025, de Catapreta, o artigo 1º proíbe o “uso de dinheiro público em quaisquer eventos, shows que promovam apologia ao crime, ao tráfico de drogas e/ou ao uso de entorpecentes.”
No parágrafo único detalha que “Tal proibição se dá para artistas que utilizem gírias ou expressões, aos temas mencionados, em suas músicas e/ou peças”.
De acordo com o projeto, no caso de descumprimento, o artista que utilizar-se das expressões que se enquadrem nos artigos anteriores terá automaticamente cancelado
seu pagamento e sofrerá multa correspondente à três vezes o valor do contrato.
Dois dias após ser apresentado, o vereador autor decidiu pedir a retirada e a propositura foi arquivada. Não sabemos se há a intenção de apresentar nova versão ou se Catapreta entendeu que o trabalho configura tentativa de censura. A conferir.
São Paulo
No mês passado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara de São Paulo aprovou o Projeto de Lei 26/2025, de autoria da vereadora Amanda Vettorazzo (União Brasil), com teor semelhante ao da propositura santista arquivada. A iniciativa passou a ser conhecida como Lei anti-Oruam.
O rapper chegou a lançar a música “Lei Anti O.R.U.A.M”, na qual diz:
“O dia que o fuzil e a pistola valer mais que um livro
Aí tem algo errado
Eles dão arma pra nós
Depois pergunta por que somo bandido”
Em entrevista ao Brasil de Fato, em março deste ano, a especialista da cultura funk e articuladora da Frente Nacional de Mulheres do Funk, Renata Prado, apontou que “o que está posto na lei anti-Oruam já está descrito no Estatuto da Juventude, já está no ECA. Então, é uma replicação baseada no moralismo e existe uma manipulação política e social para criminalizar um movimento que está na periferia, mas não é criminoso”.
Também ao Brasil de Fato a vereadora Silvia da Bancada Feminista (Psol), contrária ao texto, comentou que considera o projeto inconstitucional por ferir a liberdade de expressão e a vedação de censura prévia. “Ele tem uma pegadinha, um verniz protetivo às crianças, mas é preconceituoso e discriminatório da cultura das periferias e favelas, principalmente. Ninguém quer fazer apologia ao crime e drogas, mas o conteúdo do PL afasta alguns tipos de música”, disse.
Patrimônio Santista
Em maio do ano passado o Funk se tornou Patrimônio Cultural Imaterial da Cidade de Santos. O título ocorreu após quase dois anos de espera desde a apresentação do projeto, com pareceres contrários e até resistência por parte de parcela de vereadores. Em sua justificativa, a autora, Débora Camilo (PSOL, 2º Mandato), lembrou que o funk é um gênero musical que se originou em comunidades afroamericanas nos anos 60 e começou a fazer sucesso no Rio de Janeiro nos anos 70.
Ainda segundo a vereadora, Santos ganharia projeção com o funk no final dos anos 80 e início dos 90, sendo a pioneira no estado, em 1995. O estilo ganhou uma identidade própria dentro das características do ritmo, melody, montagens e os famosos proibidões, “expressão dos excluídos em busca de atenção por políticas públicas’.
Foi então a partir de 2010 que o funk santista sofreu diversas perdas. Felipe Wellington da Silva Cruz, o MC Felipe Boladão foi assassinado, assim como Eduardo Antonio Lara, 27 anos, o Duda do Marapé, morto em 12 de abril de 2011. Adielson da Silva Almeida, 28 anos, o MC Primo, foi morto em 18 de abril de 2012. Dias depois foi a vez de Cristiano Carlos Martins, 33 anos, o MC Careca.
“Apesar do preconceito e da marginalidade que ainda cercam essa manifestação musical, artística e cultural, hoje o Funk é um dos gêneros musicais mais escutados no mundo e o mais escutado entre os jovens periféricos do Brasil”, explica a vereadora em seu projeto.
“Para quem mora na cidade que tem a maior favela de palafitas da América Latina (Dique da Vila Gilda), o Funk é uma realidade há mais de 27 anos e chegou a hora dessa cidade reconhecer que o Funk é um dos seus patrimônios”, finaliza.