Em mais uma investigação contra desvio de emendas parlamentares, a Polícia Federal (PF) cumpriu, nesta terça-feira (29), 16 mandados de busca e apreensão contra deputados, um senador e uma associação do Distrito Federal.
Uma Organização da sociedade civil é um dos alvos de operação da PF e da Controladoria-Geral da União (CGU) que investiga supostos desvios de recursos de emendas parlamentares. Trata-se da Associação Moriá, que atua na organização de eventos de esportes digitais.
Equipes da PF foram à sede da Associação Moriá, em Brasília, e o local estava vazio.
A instituição teria surgido em 2017, com programas e projetos voltados à transformação social, segundo o site da OSC. Ainda de acordo com a própria associação, 71 mil pessoas teriam participado dessas iniciativas. Contudo, só quatro delas chegaram a ser concluídas.
Segundo a CGU, cerca de 90% do que a Moriá recebia era repassado para empresas terceirizadas, contra as quais pesam as suspeitas.
Operação Korban
As equipes da PF e da CGU cumpriram 16 mandados de busca e apreensão, nos estados do Acre, do Paraná e de Goiás, bem como no Distrito Federal.
O STF ainda determinou medidas como sequestro de bens, inclusive veículos e imóveis, além do bloqueio de contas bancárias de empresas investigadas, até R$ 25 milhões.
As investigações apuram possíveis irregularidades na execução de cerca de R$ 15 milhões em recursos públicos federais, repassados à OSC por meio de termos de fomento com o Ministério do Esporte financiados com emendas parlamentares.
Entre as determinações do STF está, ainda, a suspensão de novos repasses de recursos federais à associação investigada, bem como a proibição de que a associação transfira valores às empresas subcontratadas por meio dos termos de fomento analisados.
De acordo com as investigações, a Associação Moriá é chefiada por um ex-cabo do Exército, um motorista e uma esteticista – todos considerados “laranjas” – e não funciona no endereço registrado em documentos oficiais.
Para contar com as emendas da bancada do Distrito Federal, no valor de R$ 37,9 milhões, a OSC apresentou ao Ministério do Esporte um projeto técnico-pedagógico que propunha a criação de 29 salas gamers em espaços cedidos pela Secretaria de Educação (SEEDF).
Dirigentes da associação e empresas subcontratadas também são alvos das investigações.
A iniciativa era voltada a estudantes da rede pública de ensino, que seriam ensinados a jogar games como Free Fire, Valorant, LoL, Teamfight Tactics e eFootball, para participar de competições, entre 2023 e 2024.
Após as denúncias, deputados e senadores anunciaram a suspensão do custeio do projeto. Antes disso, inclusive, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, chegou a bloquear esses repasses, por falta de transparência no processo.
Entre os parlamentares investigados está o senador Izalci Lucas, do PL. Em nota, ele anunciou o cancelamento do repasse de R$ 8 milhões em emenda parlamentar destinados à Moriá.
Relação de ‘muita proximidade’
De acordo com a PF, Izalci mantém relação de muita proximidade com o contador Adriano Marrocos, apontado como lobista da Associação Moriá e responsável pela captação dos recursos federais.
A investigação diz que Izalci e Marrocos foram filiados ao PSDB no mesmo período – e que o contador participou de uma dezena de audiências e eventos oficiais organizados pelo senador.
A PF também cita que os dois aparecem juntos em fotos nas redes sociais.
A polícia aponta que o valor da emenda indicada por Izalci subiu muito, quando comparada a dotação inicial com o valor que acabou indo para a lei orçamentária de 2023 (de R$ 700 mil para R$ 9,4 milhões).
A Associação Moriá foi a maior beneficiária entre quatro entidades que receberam repasse, ficando com mais de R$ 7,5 milhões.
A partir da análise da tramitação dessa emenda, a investigação concluiu que houve conversas entre Marrocos e o senador Izalci para beneficiar a Moriá.
Empresa de contabilidade contratada
Uma das empresas de Adriano Marrocos foi contratada pela Associação Moriá para prestar assessoria contábil dos contratos de fornecedores e da programação dos jogos estudantis digitais.
A principal suspeita de irregularidade está na contratação de empresas terceirizadas pela Moriá. Segundo a CGU, os problemas estariam:
- no direcionamento fraudulento das subcontratações pela Moriá;
- no acordo espúrio entre as firmas subcontratadas, que fraudavam orçamentos;
- na contratação de empresas de fachada.
Em nota, o Ministério do Esporte explicou que essas emendas têm “destinação definida pelos parlamentares responsáveis, que também indicam as entidades e projetos que serão beneficiados”.
Ainda de acordo com a pasta, “desde que as primeiras suspeitas chegaram ao conhecimento da equipe técnica, o Ministério do Esporte determinou a suspensão imediata de qualquer recurso para a associação alvo de investigação.
A defesa da Associação Moriá afirmou, também em nota, que está à disposição para prestar esclarecimentos. Veja a íntegra:
“A Associação Moriá foi surpreendida pela busca e apreensão determinada pelo Ministro Flávio Dino, na presente data.
Ela está e estará à disposição de todas as autoridades, em especial do STF e do MP, para prestar todas as informações necessárias que demonstrem a lisura dos seus procedimentos, assim como das condutas de seus dirigentes.
A equipe de advogados da entidade não teve acesso aos autos que determinaram a medida cautelar e, portanto, não se manifestará, ainda, por desconhecer as razões da decisão tomada pelo Eminente Ministro.”
Adriano Marrocos e Marrocos Serviços Contábeis
Em nota enviada à imprensa, o contador e a empresa afirmaram que prestam “exclusivamente” serviços contábeis para a Associação Moriá e que não têm qualquer vínculo com os projetos executados pela entidade. Leia a íntegra:
1. A Associação Moriá é cliente da Marrocos Serviços Contábeis, que presta EXCLUSIVAMENTE serviços de assessoria contábil à entidade.
2. A empresa Marrocos Serviços Contábeis NÃO é “subcontratada” para o projeto citado pela reportagem, também não tem qualquer envolvimento operacional com a execução do objeto referido. Apenas é assessora contábil para serviços de escrituração contábil, escrituração fiscal e folha de pagamento.
3. A Marrocos Serviços Contábeis JAMAIS teve conhecimento ou participação em qualquer fase do processo licitatório mencionado. A suposta “disputa fraudulenta” mencionada pela reportagem é uma acusação grave, infundada e irresponsável, que não encontra respaldo em qualquer conduta praticada pela empresa. Licitações são de responsabilidade da gestão da Associação, não de seus contadores.
4. A empresa NUNCA atuou — direta ou indiretamente — em captação de recursos parlamentares, e repudia qualquer insinuação neste sentido.
CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO!
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips e não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.
No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.
Isso ocorre em todas as áreas da administração pública, em especial na Saúde. No meio desta pandemia, além do medo de se contaminar e contaminar assim os seus familiares, profissionais da saúde terceirizados enfrentam também a oferta despudorada de baixos salários, atrasos nos pagamentos, corte de direitos e falta de estrutura de trabalho, o que contrasta com a importância da atuação deles no combate ao COVID-19.
É evidente que o saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS, das demais políticas públicas e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos demais direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão da Saúde por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos!