Uma organização social com atuação em diversas cidades brasileiras, incluindo três em Santa Catarina, foi alvo de uma operação nacional por suspeita de desvio de recursos públicos da saúde. A ação, batizada de Operação Duas Caras, foi coordenada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de São Paulo, com o apoio de órgãos de outros estados, e apura irregularidades que ultrapassam R$ 1,6 bilhão.
O foco é a Associação Mahatma Gandhi, entidade privada sem fins lucrativos que atua na gestão de unidades de saúde, é o foco das investigações. A operação ocorreu nesta quinta-feira (7), com cumprimento de mandados em Mafra, Itapoá, Palhoça e São José (SC), além de cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais.
Nove pessoas foram presas temporariamente em Catanduva (SP), todas diretoras do Hospital Psiquiátrico Mahatma Gandhi. Ao todo a Justiça expediu mais de 100 mandados. Entre eles, 12 de prisão temporária e outros por afastamento da OS, busca e apreensão e indisponibilidade de bens.
Em dois endereços em Catanduva, os alvos não foram encontrados. Em outro, a prisão não foi efetuada por questões de saúde. Diante disso, no total, nove pessoas foram presas.
Os mandados foram cumpridos em Catanduva, Arujá (SP), Carapicuíba (SP), Piracicaba (SP), Viradouro (SP) e Bauru (SP), além de Rio de Janeiro (RJ), Maricá (RJ), Alfredo Chaves (ES), Palhoça (SC), Itapoá (SC), Mafra (SC) e São José (SC).
Entenda o esquema
O grupo criminoso firmava contratos de gestão junto a esses municípios. A partir da gestão das Unidades Básicas de Saúde (UBSs), contratava empresas terceirizadas que eram integrantes do próprio grupo. Essas empresas emitiam notas fiscais frias e superfaturadas.
A investigação apontou também que a gestão da OS selecionou alguns agentes do grupo criminoso para expandir seus contratos nos demais estados. Esse núcleo de expansão constituiu uma empresa que funcionava com um departamento extrajudicial da entidade, fazendo contabilidade paralela, lavagem de capitais e pagamentos indevidos.
Duas frentes de atuação
Em entrevista coletiva, João Paulo Gabriel de Souza, promotor do Gaeco, explicou que, entre os funcionários contratados pelas terceirizadas para participar do esquema criminoso, foram identificadas duas frentes de atuação.
“Nós identificamos duas frentes: uma primeira relacionada a prestadores de serviço, por exemplo, equipes que faziam treinamento dos médicos, dos enfermeiros, fazendo cursos de primeiros socorros, e também empresas que forneceriam bens e produtos. Há uma outra linha de investigação identificando um superfaturamento na folha de pagamento”, explicou.
Conforme o promotor, a gestão fraudulenta da OS acarretou reflexos negativos, inclusive com registros de mortes em unidades administradas pelo grupo suspeito, além de ações trabalhistas.
Diante da suspeita, a Justiça determinou a intervenção na entidade em Catanduva com o objetivo de garantir que os serviços de saúde contratados sejam feitos de forma regular. A determinação da Justiça ainda proibiu a rescisão dos contratos de gestão pelo prazo de 30 dias.
Em Bauru
Mandados de busca também foram cumpridos em Bauru , onde a OS também é responsável pela gestão de três unidades básicas de saúde.
A ação tem como alvo uma organização social responsável pela gestão das Unidades Básicas de Saúde (UBSs) do município. O objetivo é investigar indícios de irregularidades na compra de materiais e na contratação de serviços nas unidades administradas pela entidade, além do possível desvio de recursos públicos.
Lavagem de dinheiro
Nesta quinta-feira, o ex-prefeito de Bebedouro Fernando Galvão Moura foi um dos alvos de uma operação deflagrada pela Polícia Federal. As investigações apontaram que ele tinha ligação com a OS de Catanduva.
Segundo a PF, o grupo utilizava a Organização Social de Saúde Hospital Psiquiátrico Mahatma Gandhi como gestora de recursos da área da saúde de unidades hospitalares de Bebedouro. Esta OS teria firmado contratos com empresas de fachada ligadas aos próprios dirigentes e sócios e desviava recursos destinados à rede pública de saúde. Um dos contratos está avaliado em R$ 13,2 milhões.
A Operação Descalabro cumpriu 15 mandados de busca e apreensão, expedidos pela Justiça Federal, além de ordens de sequestro de bens e valores dos investigados. Em Bebedouro, foram cumpridos mandados na casa e no escritório de Moura.
O ex-prefeito nega participação no esquema e disse que vai se manifestar nos autos do processo. Segundo a defesa de Fernando Galvão Moura, ele só foi ligado na investigação da Polícia Federal porque os desvios aconteceram na época em que ele era prefeito, mas não têm qualquer ligação com o grupo.
Os envolvidos no esquema podem responder pelos crimes de peculato, corrupção, associação criminosa, lavagem de dinheiro e fraudes em licitações públicas.
Esquema de corrupção bilionário
Segundo o Ministério Público de São Paulo (MPSP), a organização investigada teria criado um “departamento paralelo” dentro da própria estrutura administrativa. Esse núcleo informal teria a função de executar contabilidade clandestina, viabilizar pagamentos indevidos, superfaturamentos, emissão de notas fiscais frias e garantir vantagens ilícitas em contratos públicos de saúde.
As práticas suspeitas permitiriam que os responsáveis pelo esquema direcionassem os contratos a empresas controladas pelo próprio grupo, criando um ciclo de contratação e desvio de verbas públicas. Parte dos contratos sob investigação envolve convênios firmados com estados e municípios para gestão de unidades de saúde.
Impacto direto nos serviços de saúde
Além dos desvios financeiros, a má gestão gerada pelo esquema teve consequências graves no atendimento à população. O MPSP apurou relatos de mortes em unidades geridas pela organização, bem como um elevado número de ações trabalhistas movidas por ex-funcionários.
O nome “Operação Duas Caras”
O nome da operação faz referência à conduta dual da organização investigada. De um lado, ela se apresentava como parceira da gestão pública e promotora de ações sociais. Do outro, segundo o MP, utilizava os próprios contratos para alimentar um esquema de corrupção e enriquecimento ilícito. A contratação de empresas ligadas ao grupo para emissão de notas frias era parte do modus operandi da organização criminosa.
CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO!
Como se vê, terceirizar os serviços é fragilizar as políticas públicas, colocar a população em risco e desperdiçar recursos valiosos com ineficiência, má administração ou até má fé de entidades privadas.
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips e não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.
Embora seja mais visível na Saúde, isso ocorre em todas as áreas da administração pública, como Educação, Cultura e Assistência Social. O saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS, das demais políticas públicas e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão por OSs e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e deve ser combatido.