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USO E OCUPAÇÃO DO SOLO: LEI APROVADA PODE TER BENEFICIADO DOIS GRANDES GRUPOS, DIZ MP

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Passaram-se duas semanas da liminar judicial que interrompeu as obras do Projeto Nova Ponta da Praia, em função de uma série de irregularidades apontadas em ação civil pública proposta pelo Ministério Público de Santos.

Depois desse episódio, não se ouviu mais nenhum pio sobre o assunto nas três sessões legislativas posteriores à reviravolta no caso.

Dá até para entender os motivos. De acordo com os promotores de Justiça de Santos, Adriano Andrade de Souza e Eduardo Taves Romero, a Câmara fez um papelão no processo de aprovação da nova Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS). Aceitou do Executivo uma proposta lei de vaga, que deu margens para muitos problemas agora questionados.

E há algo ainda mais sério: O MP enxerga indícios de que a LUOS foi pautada de modo a beneficiar dois grandes grupos econômicos, dentre eles o Grupo Mendes, violando o princípio da impessoalidade (artigo 37º da Constituição Federal).

Ao analisar as áreas abrangidas no instrumento de outorga onerosa instituído na lei, o MP identificou que elas estão em sua quase totalidade localizadas em terrenos de propriedade de empresas do Grupo Mendes. Uma outra área é onde se encontra o Hipermercado Extra, pertencente ao Grupo Pão de Açúcar, anexa ao Mendes Convention Center.

“O instrumento da OOAU (outorga onerosa de alteração de uso) é uma ferramenta cobiçada por muitos empreendedores privados. Afinal, a economia é dinâmica, e um negócio que possa no passado ter se revelado promissor, com o passar do tempo pode já́ não mais render aquilo que era esperado. Em tais circunstâncias, modificar a atividade econômica pode representar uma tábua de salvação para um empreendedor. Mas a alteração da atividade econômica pode esbarrar na lei de zoneamento”, ponderam inicialmente os promotores, que seguem provocando a reflexão.

“De outro lado, por quantas vezes seria multiplicada a margem de lucro de um investidor se, em vez de edificar em seu terreno construções vocacionadas para atividades de recreio, alimentícias ou náuticas, como é o caso das atividades permitidas na área “A” do NIDE-6, pudesse, por meio de uma outorga onerosa de alteração de uso, construir e vender torres residenciais com mais de mil e cem apartamentos? Logo, um instrumento de política urbana que permita a um empreendedor excepcionar a regra geral dos usos de uma lei de zoneamento tem inequívoca importância econômica. Daí, que sua disponibilização na legislação Municipal não se pode orientar para beneficiar os empreendedores A, B ou C, devendo pautar-se pela impessoalidade, de modo a se abrir a um número indeterminado de interessados”, prosseguem os promotores.

Na ação o Ministério Público afirma que, ao se analisar a LUOS, instrumento legal onde a OOAU foi disciplinada, ficou perceptível que foi formulada de modo a beneficiar em especial o Grupo Mendes. As evidências motivaram o órgão a instaurar um Inquérito Civil para apurar mais profundamente tais evidências.

O MP quer saber por que a OOAU foi permitida em apenas três porções do território santista. “O que chama a atenção é que, além de a admissibilidade de OOAU haver sido limitada a ínfimas porções do território, pelo menos em dois casos a área é composta, senão exclusivamente, quase que exclusivamente por dois Grandes Grupos econômicos: Grupo Pão de Açúcar (dono do hipermercado Extra) e Grupo Mendes. E o terceiro caso trata-se de área também extremamente limitada do território, onde o Grupo Mendes pretende edificar 1.120 apartamentos”.

Na ação os promotores detalham os limites e as características destas porções territoriais e concluem: “Vê̂-se, portanto, que, no universo das áreas delimitadas na LUOS, o número de imóveis que possivelmente teriam interesse em gozar da OOAU é insignificante”.

São alguns edifícios residenciais, parte de um restaurante, parte de um clube e dois pequenos comércios. Casos onde os proprietários dificilmente teriam condições de pagar pelo valor da contrapartida financeira do art. 130, da LUOS. “Nos termos em que foi formulada, a compensação financeira calculada na forma do art. 130 só́ é suportável por grandes empreendimentos, que teriam fôlego para recuperar o investimento na contrapartida. Não surpreende, portanto, que, conforme informado pelo Município, até o dia 22.02.2019, ou seja, passados mais de seis meses de promulgação da LUOS, apenas as rés manifestaram interesse em gozar da OOAU. E o fizeram – a despeito da magnitude do valor das contrapartidas – no surpreendente prazo de 30 dias após a promulgação da lei!”.

Contrapartidas sem discussão

Foi acertado com a Prefeitura que o Grupo Mendes investirá R$ 130 milhões em obras viárias e turísticas na Ponta da Praia, como compensação.

Segundo cálculos de arquitetos e técnicos da construção civil, publicados no Diário do Litoral, todo o processo poderá gerar ganhos econômicos ao Grupo (decorrentes da valorização do bairro), que podem variar entre 5,5 a 12 vezes o valor a ser investido.

Será que as intervenções definidas como contrapartidas não poderiam ser direcionadas a áreas mais carentes da Cidade. Projetos voltados à moradias populares, por exemplo, não poderiam ser viabilizados?

Além das suspeitas de que as mudanças na LUOS implicaram em favorecimento privado, há uma série de outros problemas apontados pelo MP no processo de outorga.

Dentre eles a não aprovação do Estudo de Impacto de Vizinhança pela Comissão Municipal de Análise do Impacto de Vizinhança (Comaiv); violação de artigos do Estatuto da Cidade e do Plano Diretor do Município; ofensa aos princípios da transparência e controle social (não houve consulta à população sobre a destinação das contrapartidas e na definição do plano urbanístico da Ponta da Praia) e imprecisões e ofensa aos princípios da igualdade e livre concorrência.

Os vereadores, que ganham altos salários e consomem grande soma de recursos para defender o interesse de todos os moradores estavam onde quando não enxergaram tantos problemas nas mudanças submetidas ao Legislativo?

Por que a Câmara se curvou ao Governo, na semana anterior à concessão da liminar, e rechaçou o parecer de duas comissões especiais que pediam a suspensão temporária das obras até maiores esclarecimentos?

Que Câmara é essa que, diante de flagrantes problemas no processo que transformará todo um bairro e diante de indícios de favorecimento de grupos empresariais segue o caminho oposto aos que exigem transparência?

Vereadores de Santos, para quem eles trabalham?