O produto da terceirização em hospitais públicos não é apenas a falta de transparência no trato com o dinheiro público. Na linha de frente deste sistema perverso adotado em escala crescente por municípios e estados estão os profissionais que lidam diretamente com a população.
Médicos e demais trabalhadores contratados de forma terceirizada são constantemente atingidos com corte de direitos, salários reduzidos, atrasos no pagamentos e demissões arbitrárias.
Na região metropolitana de São Paulo, por exemplo, os direitos trabalhistas dos médicos que atuam no Hospital Municipal de Barueri (HMB) Dr. Francisco Moran estão sendo violados. Por atitudes arbitrárias da organização social que está gerindo o hospital, o Instituto Hygia Saúde e Desenvolvimento Social, os médicos estão sendo demitidos e orientados a não procurar o Sindicato dos Médicos de Estado de São Paulo (Simesp) para fazer a homologação.
Segundo o presidente do Simesp, Eder Gatti, os profissionais foram coagidos a assinar a rescisão na própria OS. “Os médicos denunciaram que não receberam os direitos trabalhistas de forma integral, como salários atrasados e férias pendentes, e foram informados de que não vão receber. Além disso, as outras verbas rescisórias serão pagas de forma parcelada, tudo isso de forma arbitrária, unilateral”, critica.
Os médicos demitidos são convidados a continuar atuando no hospital, mas como pessoa jurídica. “É mais um momento ruim vivido pelos profissionais do HMB, que já havia sido terceirizado quando passou da administração direta para a OS. Agora está sendo precarizado ainda mais com a pejotização”, lamenta Lígia Célia Leme Forte Gonçalves, presidente da regional de Osasco, que abrange a cidade de Barueri.
O hospital foi gerido pela Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM), depois pela Associação Beneficente de Assistência Social – Pró-Saúde. Na época, os médicos foram transferidos de uma OS para outra por meio de sucessão de contrato de trabalho. Segundo as denúncias, alguns médicos foram demitidos em setembro de 2014, quando houve a transição da gestão do hospital da Pró-Saúde para o Instituto Hygia, e estão até o momento sem receber as devidas verbas rescisórias.
O assunto e as consequências da queda da qualidade na assistência em função da sobrecarga de trabalho dos médicos que ficaram na unidade já tinha sido alvo de matéria neste site.
Curitiba
Outro caso que mostra a falência do modelo de gestão da saúde apoiado em terceirizações está ocorrendo em Curitiba (PR). Lá cerca de 300 trabalhadores da empresa terceirizada Hamirisi, responsável pelos serviços de limpeza e cozinha do Hospital de Clínicas, cruzaram os braços em agosto, por conta do atraso no pagamento dos salários.
Segundo funcionários, desde março já são três episódios de atrasos. Em agosto, a Hamirisi recebeu apenas 30% dos repasses do HC. Por sua vez, os funcionários receberiam apenas 30% dos salários. O resto seria pago no decorrer do mês. “É uma coisa muito solta”, diz João Geronimo Filho, tesoureiro do Siemaco, o Sindicato dos Empregados em Empresas de Asseio e Conservação de Curitiba. Segundo ele, os atrasos têm acontecido não apenas no HC, mas também em outras empresas públicas, como os Correios.
Os atrasos não se restringem apenas aos salários, mas também incluem benefícios, como o vale-transporte. “A gente precisa se virar com o que tem, trabalhar por fora, de diarista”, reclama Fátima dos Santos, funcionária da Hamirisi.
Praia Grande
Em julho, conforme noticiamos aqui no Ataque aos Cofres Públicos, os trabalhadores terceirizados que atuam no Hospital Irmã Dulce, em Praia Grande, gerido pela Fundação ABC, também sofreram. A OS não teria feito o pagamento da empresa responsável pelo fornecimento de alimentação e os funcionários ficaram sem comida.
Veja a matéria: Fundação ABC: Funcionários do Hospital Irmã Dulce ficam sem almoço por atrasos em pagamento
SISTEMA FRAUDULENTO ORGANIZADO PARA LUCRAR ÀS CUSTAS DO ESTADO
Ocips e Organizações Sociais (OSs), ONGs e outros tipos de entidades “sem fins lucrativos” recebendo dinheiro público nada mais são que empresas com redes de atuação muitas vezes bem organizadas e sofisticadas para lucrar burlando os mecanismos de controle de gastos em áreas públicas e fraudando o estado. Quase sempre atuam em vários municípios de mais de um estado da federação.
Conforme documento da Frente em Defesa dos Serviços Públicos, Estatais e de Qualidade, “OSs e oscips somente se interessam em atuar em cidades e em serviços onde é possível morder sobretaxas nas compras de muitos materiais e equipamentos e onde pode pagar baixos salários. O resultado é superfaturamento em todas as compras (o modelo dispensa licitação para adquirir insumos e equipamentos), a contratação sem concurso público de profissionais com baixa qualificação e, por vezes, falsos profissionais.
O dinheiro que é gasto desnecessariamente nos contratos com estas empresas sai do bolso do contribuinte, que paga pelos serviços públicos mesmo sem utilizá-los e acaba custeando o superfaturamento e os esquemas de propinas para partidos e apadrinhados políticos”.
Santos está caminhando nesta direção desde o final de 2013, quando o governo municipal criou o projeto de lei das OSs e os vereadores a transformaram em lei sem qualquer discussão com a população.
A primeira unidade a ser terceirizada será a UPA que substituirá o PS Central. O contrato deve ser assinado nesta semana e os trabalhos da Fundação ABC, escolhida para tomar conta da unidade, começam 45 dias depois. Há a intenção do governo em firmar contratos no Hospital de Clínicas (antigo Hospital dos Estivadores) e também em unidades e programas da área da Cultura, Educação, Esporte e Assistência Social.
Para saber mais sobre esse verdadeiro golpe em andamento leia a cartilha Santos, Organizações Sociais e o Desvio do Dinheiro Público.