Um ataque sem precedentes ao SUS e em especial à política de Atenção primária em Saúde foi colocado em operação em meio à guerra contra o Coronavírus.
O Governo de Jair Bolsonaro aproveita-se do cenário pandêmico para tentar justificar a criação de uma agência privada para gestão da saúde pública. O órgão, criado no último dia 20 de março, pelo Decreto 10.283/2020. vai afetar em cheio as redes de atenção primária à Saúde.
Mostramos aqui que entidades de todo o país relacionadas à saúde classificaram a recém-criada Agência Para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps) como uma grave ameaça aos brasileiros que dependem das unidades básicas de saúde e dos programas de saúde da família.
Vamos tentar explicar melhor os efeitos nocivos que essa iniciativa vai desencadear.
Em primeiro lugar, como temos demonstrados com exemplos e fatos ocorridos em todas as partes do Brasil, todas as iniciativas que envolvem a terceirização do SUS têm grande potencial de tornarem-se grandes portas para prática de corrupção e de caixa 2 para campanhas eleitorais. Os próprios órgãos de controle criticam o modelo de gestão, por eliminar procedimentos habituais de transparência, isonomia e providência da administração pública direta.
A Rede Nacional De Médicas e Médicos Populares, uma das organizações que subscreve uma nota de repúdio à criação da agência, afirma que o governo realizou um processo “peculiar” de definição de um novo ordenamento de atenção primária à saúde. Apesar de ter sido criada pelo Governo Federal, este não tem jurisdição sobre a Adaps. Isso significa que a agência assumirá atribuições que antes eram da alçada da União, estados e municípios em relação ao ordenamento e funcionamento de serviços de atenção primária à saúde do país.
Ao site Brasil de Fato, o médico Vinicius Ximenes, da Rede Nacional De Médicas e Médicos Populares explica que na prática fica implícita à este novo ente uma série de responsabilidades que vêm da União, dos Estados e municípios. “Isso para que este ente, que não tem nenhuma relação com o Estado, possa cuidar de um aspecto valioso em relação à organização das políticas de saúde no Brasil: a atenção primária à saúde”, pondera o médico sanitarista.
As responsabilidades da nova agência passam a ser desde o provimento de profissionais da saúde até a construção do mapa de necessidades, onde serão alocados os trabalhadores etc.
Desta forma, o governo se utiliza da construção de uma narrativa de que precisa de mais médicos e, por isso, criou a ADAPS: para melhorar a gestão de contratação. “Só que dentro dessa ideia de emergência, é nesse momento que as negociatas não muito transparentes podem começar acontecer”, alerta.
Enxugamento do Mais Médicos
Outra denúncia das entidades contrárias à Adaps é a decisão do Governo de desligar médicos participantes do 13º ciclo do Projeto Mais Médicos para o Brasil (PMMB). Os desligamentos estão programados para a partir do dia 25 de abril.
Os especialistas e membros das organizações que assinam o manifesto falam em uma lógica de “uberização” na contratação de médicos, dentro dos parâmetros que serão dados pela criação da Carteira de Trabalho Verde-Amarela, e a fragilização da atual Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pela reforma trabalhista que corre em paralelo.
“A principal preocupação que nós temos é de o governo começar a fazer uma série de investimentos que vão alimentar essas relações público privadas que vão começar a ter uma lógica de uberização do ponto de vista do trabalho médico”, afirma Ximenes.
Esse tipo de vínculo trabalhista certamente impactará na qualidade da relação médico-paciente, que no contexto da atenção primária deveria ser um foco prioritário para a implementação de práticas humanizadas em saúde.