O ano de 2020 foi sombrio por muitos motivos. Na lista de más notícias neste fim de ano esteve a tentativa de drenar recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) para entregar ao setor do ensino privado.
Por pouco esse ataque não foi consumado.
Explicamos: após cinco anos de debates, participação popular e uma aprovação vitoriosa no Congresso, o Fundeb foi colocado novamente em risco.
Isso porque no último dia 10, o texto-base do projeto de lei n° 4.372/2020, que regulamenta o Fundo, foi aprovado pela Câmara dos Deputados com a inclusão de dispositivos que haviam sido rechaçados por especialistas da Educação e parlamentares durante a votação realizada em agosto.
O retrocesso frontal aos ditames da Constituição Federal de 1988 e o pacto democrático pelo direito à educação tem vários aspectos. Mas dentre as tentativas de alterações mais negativas estava a inclusão, por parte dos deputados e a pedido do Governo Bolsonaro, da autorização para repassar verbas para escolas filantrópicas, comunitárias, confessionais (ligadas a igrejas), e profissionalizantes, como as do Sistema S (Senac, Sesi e Senai).
Ocorre que o Sistema S, ligado ao setor empresarial, já é financiado pela taxação de 2,5% sobre a folha de pagamento das empresas brasileiras. E atualmente ele possui um per capita superior ao das redes públicas.
A inclusão deste ponto no PL romperia radicalmente todo um debate democrático que vinha sendo feito em torno do assunto. Ao todo seriam tirados da escolas públicas R$ 16 bilhões.
Atualmente e pela Emenda Constitucional aprovada em agosto, o Fundeb, que foi criado para reduzir as desigualdades entre as redes do país, só pode oferecer recursos para escolas públicas.
Outra tentativa de alteração no texto autorizaria o uso de recursos do Fundo para pagar os salários de profissionais da área administrativa, técnica, psicólogos, assistentes sociais e terceirizados. Originalmente a verba é destinada a profissionais da Educação, que já recebem 24% a menos que outros profissionais com formação de nível superior. Isso vai impactar a remuneração do professor.
Segundo especialistas, apesar de ainda ser pouco e desigual, o Fundo ajudou a melhorar a condição dos educadores, porque os municípios sozinhos muitas vezes não têm essa possibilidade.
O que se quer com a mudança no PL a mando do governo federal é pavimentar todo um projeto de privatização da educação que já vem sendo implantado paulatinamente.
Tramitação
Com a desfiguração do PL 4.372/2020 na Câmara, o texto seguiu para aprovação do Senado e lá houve uma reviravolta. No último dia 15, os senadores barraram as modificações dos deputados.
O relator, senador Izalci Lucas (PSDB-DF), optou por resgatar o texto original apresentado pelo deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), relator na Câmara.
A guerra não havia terminado porque na Câmara as mesmas forças que alteraram o texto original no dia 10, tentaram novamente mudar o pacto de financiamento da educação 100% pública.
No dia 17, de volta à análise dos deputados, a versão aprovada pelo Senado, pelos especialistas e pela sociedade civil foi mantida. Recuperou-se o texto do relator, deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), e foram excluídas as emendas que direcionavam parte dos recursos a escolas filantrópicas e do Sistema S.
O texto (PL 4.372/2020) segue para sanção presidencial.
O Fundeb financia a educação básica pública e é composto de 20% da receita de oito impostos estaduais e municipais, além de valores transferidos de impostos federais.
Se sancionado, a União fará repasses progressivamente maiores ao longo dos próximos seis anos, conforme prevê a Emenda Constitucional 108. Até 2026, o governo federal aumentará a complementação para esses fundos a cada ano, começando com 12% do montante até atingir 23%. Pelo menos 50% dos novos recursos da União vão ser investidos na educação infantil.