Já não era sem tempo. Após pressão do Ministério Público do Estado, a Prefeitura de São Paulo se comprometeu a não renovar dois contratos com o Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas) para gestão das unidades de saúde da capital paulista.
A organização social tem largo histórico de irregularidades e investigações no currículo. O prefeito Bruno Covas (PSDB) resolveu cumprir a recomendação do MP, que pontuou de forma incisiva todos os fatos relacionando a entidade e desvios de verba pública em São Paulo e no Rio.
Em 1º de dezembro de 2020, a Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social oficializou a recomendação para que a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) rescindisse os dois contratos que tem com o Iabas desde 2016 para gestão de Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Assistência Médica Ambulatorial (AMA) da Zona Norte e do Centro.
Dentre os motivos citados estão a investigação do MP sobre a Organização Social em andamento desde 2016, a escolha da entidade pela Secretaria de Saúde em 2015 mesmo com diversas irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas do Município (TCM), o arquivamento de apurações internas pela Secretaria de Saúde e novas denúncias, feitas em 2020, que indicaram termos aditivos aos contratos sem a real prestação de serviços.
Funcionários diretos
Na recomendação do MP, assinada pelo promotor Silvio Marques, a pasta deve não só rescindir os contratos, como dar andamento à substituição dos funcionários por equipes da própria Prefeitura de São Paulo, ou a contratação emergencial de uma entidade idônea.
O Ministério Público também orientou a Secretaria de Saúde a tomar “as medidas cabíveis para o ressarcimento dos prejuízos materiais e morais causados pelo Iabas” e informou que, se não tivesse retorno sobre as recomendações, poderia entrar com uma ação por improbidade administrativa contra a pasta.
Na sexta, em reunião no Ministério Público, o secretário municipal de Saúde, Edson Aparecido, informou que o melhor a fazer seria esperar o fim dos contratos, que estão na iminência de vencer. As datas são 28 de fevereiro para gestão das unidades de saúde da Zona Norte e dia 21 de abril referente ao contrato do Centro.
Ele também argumentou que a demissão de 5 mil empregados da entidade causaria desassistência temporária à população durante a pandemia de Covid-19 e resultaria em gastos trabalhistas no valor de R$ 147 milhões. Por esse motivo, o secretário se comprometeu a substituir definitivamente a entidade ao final dos contratos por meio de um chamamento público.
Isso demonstra que a política nociva de entrega dos serviços públicos a empresas duvidosas continuará. A dança das cadeiras entre OSs não resolve o problema. Muitas tem ligações entre si e mecanismos para se auto beneficiarem.
O que pesa contra o Iabas
Como mostra uma retrospectiva publicada no site G1, a gestão municipal firmou parceria com o Iabas em 2015 para a gestão de 69 AMAs e UBS do Centro e da Zona Norte da cidade.
“No ano seguinte, médicos fizeram um abaixo-assinado para denunciar que a OS havia reduzido o número de profissionais. Também citavam falta de materiais, infestação de baratas e ratos em pronto-socorro e pacientes deitados em macas de ambulância por falta de camas.
Em 2017, alguns prontos-socorros seguiam sem médicos, medicamentos e utensílios, e profissionais chegaram a registrar boletim de ocorrência denunciando a situação de calamidade, o que levou a uma investigação pelo Ministério Público, que ainda está em andamento.
Naquele mesmo ano, o Tribunal de Contas do Município (TCM) encontrou irregularidades nos contratos da Prefeitura de São Paulo com o Iabas, como omissão de valores nas prestações de contas e utilização indevida de recursos ao pagamento de funcionários da entidade no Rio.
Ainda assim, em 2020, em meio à pandemia do coronavírus, a Prefeitura de São Paulo entregou à OS a gestão do Hospital de Campanha montado no Anhembi. Pacientes e familiares denunciaram problemas no equipamento, como falta de medicamentos, cobertores, exames e até itens de proteção individual.
Então, uma nova investigação foi aberta – o Iabas passou a ser suspeito de usar verba da Prefeitura de São Paulo para custear a própria defesa em processos criminais nos quais é alvo no Rio. O repasse de R$ 2,55 milhões a escritórios de advocacia foi identificado pela Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo durante uma prestação de contas e a entidade acabou devolvendo cerca de R$ 2,4 milhões.
No início de 2020, durante apuração de denúncias sobre empresas terceirizadas contratadas pelo estado de São Paulo, os deputados da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Assembleia Legislativa (Alesp) aprovaram requerimentos pedindo a quebra do sigilo bancário e fiscal do Iabas e de seus dirigentes.
A CPI terminou o relatório com a conclusão de que o Iabas deveria ser investigado e encaminhou o documento para o Tribunal de Contas do Estado (TCE), para o MP e para a Polícia Civil.
Problemas no Rio
Durante a pandemia, a OS foi contratada para entregar e operar sete hospitais de campanha no Rio orçados em R$ 850 milhões, mas só entregou dois.
Além disso, enfermeiros tiveram que descansar no chão do Hospital de Campanha do Maracanã, gerido pelo Iabas, e funcionários também relataram atraso nos salários. O panorama era o mesmo no Hospital Estadual Adão Pereira Nunes — o Hospital de Saracuruna –, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, também administrado pela entidade.
Paralelamente, a Operação Lava Jato identificou indícios de envolvimento do Iabas com uma organização criminosa no Rio de Janeiro suspeita de superfaturamento em equipamentos de saúde durante a pandemia.
A investigação também apura desvios de R$ 6,5 milhões em contratos do Iabas com a Prefeitura do Rio. Segundo a força-tarefa, a antiga gestão do Iabas recebeu, entre os anos de 2009 e início de 2019 — nas gestões de Eduardo Paes e Marcelo Crivella –, R$ 4,3 bilhões em recursos públicos, dos quais os R$ 6,5 milhões teriam sido desviados”.