DIRETOR DA FUNDAÇÃO SAÚDE DO ESTADO DO RJ LIBEROU R$ 740 MIL PARA EMPRESA DA QUAL É SÓCIO

DIRETOR DA FUNDAÇÃO SAÚDE DO ESTADO DO RJ LIBEROU R$ 740 MIL PARA EMPRESA DA QUAL É SÓCIO

Sindserv 28 anos (25)

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O jornalista Ruben Berta publicou em seu blog mais uma matéria investigativa bem ilustrativa do quanto a terceirização de profissionais da área médica na rede pública virou um grande negócio, com práticas espúrias e muito dinheiro do SUS envolvido.

A reportagem, publicada nesta terça (27), traz diversos documentos que mostram que o diretor da Fundação Saúde do Estado do Rio pode ter usado sua influência para fechar contratos com a própria empresa.

A matéria mostra bem o quanto essa prática de quarteirização na contratação de profissionais é nociva não só para os cofres públicos como, também, para os princípios constitucionais que regem a administração pública, como impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Abaixo transcrevemos a reportagem, que pode ser conferida na íntegra aqui, com todos os documentos levantados pelo jornalista:

DIRETOR DA FUNDAÇÃO SAÚDE DO ESTADO DO RJ LIBEROU R$ 740 MIL PARA EMPRESA DA QUAL É SÓCIO

No cargo desde outubro do ano passado, o diretor-executivo da Fundação Saúde, órgão do governo estadual responsável pela gestão de 11 unidades -, Dilson da Silva Pereira, liberou nas últimas semanas um total de R$ 741,5 mil para uma empresa da qual ele mesmo aparece como sócio na Receita Federal.

Dilson assinou de próprio punho três termos de ajuste de contas com a VM Serviços Médicos, que vinha fornecendo profissionais para atuarem no Hospital Carlos Chagas, em Marechal Hermes.

Este tipo de instrumento é usado para realizar o pagamento de um serviço prestado sem um contrato em vigor. A Fundação Saúde assumiu o Carlos Chagas em 19 de outubro de 2020 no lugar da Organização Social Instituto dos Lagos Rio, alvo de uma operação do Ministério Público por suspeitas de desvios de verbas públicas.

A VM Serviços Médicos, que já atuava com a OS desde o fim de 2019, continuou na unidade mesmo após a mudança de gestão.

Dilson então assinou os termos para a liberação de R$ 741,5 mil nas últimas semanas por serviços prestados entre o fim de outubro e dezembro do ano passado, mesmo constando na Receita Federal como sócio da empresa que foi contemplada com as verbas.

Em nota (íntegra no fim do texto), a assessoria de imprensa da Secretaria estadual de Saúde informou que irá apurar as informações constatadas pelo blog observando “o devido processo legal e as formalidades pertinentes na lei”.

Mas as relações perigosas não terminam por aí. Este mês, a Fundação Saúde assinou um contrato sem licitação, de R$ 8,313 milhões, com a empresa EME Assistência Médica, também para o fornecimento de profissionais para trabalharem no Hospital Carlos Chagas.

O detalhe: até outubro do ano passado, o diretor-executivo da Fundação Saúde, Dilson da Silva Pereira, também era sócio desta companhia. A empresa, aliás, está registrada na Receita Federal no mesmo andar de um prédio na Rua Conselheiro Saraiva, no Centro do Rio, onde fica a sede da VM Serviços Médicos. A EME Assistência Médica também prestava serviços para o Instituto dos Lagos Rio (atualmente sob nova direção) no Carlos Chagas.

Com isso, ainda foi contemplada pela Fundação Saúde com um termo de ajuste de contas no valor de R$ 739,1 mil por serviços prestados sem cobertura contratual no fim do ano passado, já que continuou na unidade mesmo após a saída da OS.

Subsecretária sócia

E há mais: as empresas contratadas pelo órgão estadual ainda têm uma outra integrante da Secretaria de Saúde nos seus quadros societários. Trata-se de Mayla Marçal Portela, que foi nomeada no dia 13 de janeiro como subsecretária de Unidades Próprias. Antes do cargo atual, ela vinha atuando desde junho do ano passado como diretora-geral do Hospital Estadual Anchieta, subordinado à Fundação Saúde. De acordo com o site da Receita Federal, Mayla aparece como sócia-administradora tanto da EME Assistência Médica quanto da VM Serviços Médicos.

No caso da EME, Mayla inclusive aparece como tendo a maior quantidade de cotas da empresa num documento de composição societária que foi anexado ao processo de dispensa de licitação vencido pela companhia no Carlos Chagas.

Altos lucros

As empresas contratadas pela Fundação Saúde atuam na chamada “quarteirização” de serviços, que vem sendo amplamente utilizada pelo estado, municípios e Organizações Sociais e é alvo de questionamentos por parte do Ministério Público do Trabalho. Para que principalmente médicos não tenham que ser contratados pelo regime da CLT, eles se associam a essas companhias que fazem a intermediação. E o mercado é lucrativo. A EME Assistência Médica informou no seu balanço de 2019, por exemplo, ter tido um lucro líquido de R$ 1,242 milhão.

No caso do contrato sem licitação para o Carlos Chagas, de R$ 8,313 milhões por seis meses (R$ 1,385 milhão/mês), a EME Assistência Médica apresentou uma tabela de custos que prevê um lucro mensal de R$ 69,2 mil. Há, porém, um valor de R$ 188 mil de “custos indiretos” não especificados previsto para cada mês.

Outras três empresas se apresentaram neste processo de dispensa de licitação: Dimpi, Doctor Vip e Salus. Efetivamente, a EME Assistência Médica foi a que apresentou a melhor proposta financeira. Uma análise mais detalhada, porém, daquilo que cada concorrente ofereceu não é possível porque as tabelas de custos foram mantidas em sigilo pelo estado mesmo após o fim do processo.

Mesmo endereço

Além da EME Assistência Médica e da VM Serviços Médicos, ainda houve a contratação sem licitação para o Carlos Chagas da Fisio Total Serviços Fisioterápicos e Odontológicos. A publicação do resumo do contrato ocorreu nesta terça (26) em Diário Oficial.

O valor previsto é de R$ 8,313 milhões para “serviços assistenciais”. Apesar de não ter a subsecretária Mayla Marçal ou o diretor-executivo da Fundação Saúde, Dilson da Silva Pereira, em seu quadro societário, chama a atenção mais uma coincidência: a Fisio Total está registrada na Receita Federal no mesmo andar do prédio em que estão as sedes da EME e da VM.

Sem registro na Junta Há um outro ponto em comum entre as três empresas: nenhuma tem registro na Junta Comercial do Estado do Rio, o que dificulta o acompanhamento da evolução societária delas. No caso da EME, pelo documento apresentado em dezembro ao estado, da última alteração contratual até então, fica a dúvida inclusive se houve ao menos registro em cartório. Não há qualquer carimbo nem mesmo assinatura de testemunha. Outra dúvida que fica é em relação à empresa só trabalhar com sócios, cujos serviços são oferecidos aos contratantes, como a companhia afirmou em documento à Fundação Saúde.

Apesar dessa declaração, o blog localizou em folhas de ponto de dezembro, referentes aos serviços do Carlos Chagas, nomes que não constam na relação de sócios disponibilizada no site da Receita Federal.

Trabalho para OS

Em outubro, o blog já havia noticiado que o diretor-executivo da Fundação Saúde, Dilson da Silva Pereira, havia atuado para a OS Hospital Psiquiátrico Mahatma Gandhi, citada na delação do ex-secretário de Saúde Edmar Santos por um suposto direcionamento no processo de contratação para a gestão do Instituto Estadual do Cérebro. A reportagem também revelou que Dilson havia sido citado em relatórios de fiscalização da própria Secretaria de Saúde por ter recebido remuneração bruta mensal da entidade de até  R$ 28 mil, o que contraria uma norma estadual que prevê que os vencimentos não poderiam ultrapassar o valor do salário do secretário, de cerca de R$ 16,5 mil.

À época, a Secretaria de Saúde afirmou que “as informações (do blog) não correspondiam à realidade dos fatos” e que Dilson já havia prestado “à secretaria os esclarecimentos necessários”.

Outro lado

Sobre as informações levantadas pelo blog nesta reportagem, a Secretaria de Saúde encaminhou a seguinte nota:

“O estatuto dos servidores públicos civis do Estado do Rio de Janeiro veda que um servidor seja sócio, diretor ou consultor de uma empresa prestadora de serviço para o Estado. Essas situações são objetos de punição por falta de ética, após abertura de sindicâncias. A Secretaria de Estado de Saúde informa que vai apurar se Dilson da Silva Pereira e Mayla Marçal Portela, de fato, ocupavam cargos de direção ou eram sócios nas empresas citadas e se assinaram os contratos mencionados no período em que já exerciam as funções de gestores na Fundação Saúde e na Subsecretaria de Unidades Próprias, respectivamente.

A secretaria abrirá os procedimentos competentes para apurar essas situações, observado o devido processo legal e as formalidades pertinentes na lei. Vale ressaltar que o site da Receita Federal, assim como o da Junta Comercial (nota do blog: as empresas citadas não são registradas na Junta Comercial), demoram a atualizar mudanças nos quadros societários, o que pode impactar nas informações prestadas por esses órgãos públicos”.

Terceirização ameaça as políticas públicas de várias formas

Mais uma vez fica claro a quem e a qual objetivo a terceirização e privatização da saúde pública servem.

Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as OSs não passam de empresas privadas em busca de lucro fácil, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.

No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.

Há até casos em que esse as organizações sociais são protegidas ou controladas integrantes de facções do crime organizado, como PCC.

No meio desta pandemia, além do medo de se contaminar e contaminar assim os seus familiares, profissionais da saúde enfrentam também a oferta despudorada de baixos salários e falta de estrutura de trabalho, o que contrasta com a importância da atuação deles no combate ao COVID-19.

É evidente que o saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS e, pior ainda: o risco às vidas.

Todos estes anos de subfinanciamento do SUS, de desmantelamento dos demais direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão da Saúde por meio das Organizações Sociais é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.

Não à Terceirização e Privatização da Saúde Pública! Em defesa do SUS 100% Estatal e de Qualidade!

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