A pandemia gerou no Brasil mortes e adoecimento, mas não só. Muito dinheiro foi aplicado sem transparência, especialmente os recursos drenados para terceirizadas da saúde que foram colocadas à frente de unidades de campanha.
A cidade de Penápolis é um exemplo. Tanto que a Prefeitura decidiu ir à Justiça contra a Associação Hospitalar Beneficente do Brasil (AHBB), responsável por gerenciar o Hospital de Campanha, montado na cidade em 2020 para atender pacientes diagnosticados com a covid-19.
Conforme noticia a imprensa local, as ações foram movidas para que a Organização Social (OS) explique onde o dinheiro público foi gasto e, caso tenha as contas reprovadas, faça o ressarcimento do valor.
Os investimentos oficiais, de acordo com documentos em que a reportagem do site sbtinterior.com teve acesso, passam de R$ 6,3 milhões, mas o montante pode ultrapassar R$ 10 milhões em recursos federais, estaduais e municipais.
A AHBB foi também a responsável por muitos problemas e irregularidades no serviço terceirizado da gestão do Hospital Municipal de Cubatão. Recentemente mostramos aqui no Ataque aos Cofres Públicos que a OS teve a prestação de contas rejeitada pelo Tribunal de Contas do Estado e foi condenada a devolver mais de R$ 4,5 milhões aos cofres municipais.
Veja abaixo trechos da reportagem sobre os problemas em Penápolis e entenda melhor o contexto atual da OS na cidade do interior:
“A Prefeitura de Penápolis, no ano passado, ainda durante a gestão Célio de Oliveira (PSDB), firmou um acordo com a AHBB para a implantação e gerenciamento de leitos de UTI e enfermaria do Hospital de Campanha Covid-19. O trabalho da unidade seria o antigo secretário de Saúde da cidade, Wilson Carlos Braz, por meio do Gabinete de Gerenciamento de Crise – Covid-19.
No acordo firmado, a OS teria a obrigação de apresentar relatórios mensais de prestação de contas à prefeitura, além de listas de atendimentos feitos com pacientes e outros serviços. Porém, Braz, que seria o responsável por fiscalizar o trabalho, foi preso durante a Operação Raio-X, suspeito de ser sócio de uma das empresas que prestava serviços para a prefeitura.
COMISSÃO TENTOU, MAS NÃO FOI RESPONDIDA
Desde então, a nova administração, do prefeito Caique Rossi (PSD), tenta entender onde o dinheiro investido no Hospital de Campanha foi gasto. Antes localizado em um prédio privado, a prefeitura decidiu fechá-lo e transferiu os leitos para a Santa Casa da cidade. Os relatórios, que deveriam ser repassados para a prefeitura, nunca foram encontrados.
Em novembro de 2020, foi criada uma Comissão formada por cinco servidores municipais para investigar os gastos da unidade. Eles encontraram diversas irregularidades e fizeram várias notificações à AHBB, mas não receberam nenhum retorno.
Entre as irregularidades identificadas estão a falta de presença de médicos e enfermeiros pagos pela prefeitura, a comprovação de realização de exames feitos por empresas contratadas pela OS e também a contratação de empresas que não tinham competência para prestar serviços no hospital. A empresa de limpeza contratada para o trabalho de limpeza hospitalar na unidade, por exemplo, não tinha competência para prestar o serviço.
Outra empresa, afirma a ação, recebeu por serviços de fisioterapia de acordo com o plano de trabalho, que previa dois fisioterapeutas, sendo um para a clínica médica e outro para a UTI 24 horas, além do supervisor, mas não comprovou a efetividade do atendimento.
“Além do fato da empresa ter sua sede na cidade de Jaú, não apresentar lista de presença nominal dos profissionais, pelos pontos apresentados, além de não constar fisioterapeuta da clínica médica, o fisioterapeuta da UTI trabalhava somente até 18 horas. Verdadeiro absurdo”, diz o processo.
Ainda segundo a documentação, os investimentos físicos presentes no hospital são de mínimo custo comparado ao dinheiro investido na unidade. O local possui apenas cadeiras, mesas, camas, mesas, macas, que não agregam grande valor econômico. A prefeitura afirma que os respiradores, monitores e outros aparelhos usados no hospital foram alugados, deixando Penápolis sem os equipamentos para serem utilizados em pacientes com covid-19.
OUTRO LADO
Por telefone, o ex-prefeito de Penápolis, Célio de Oliveira, disse que o Hospital de Campanha foi montado em menos de 30 dias e ajudou a salvar 400 vidas na cidade. “Os gastos são de responsabilidade da OS, realmente é preciso fiscalizar, mas este hospital salvou vidas. O que precisa ser questionado é por que fecharam um Hospital de Campanha em plena pandemia”, afirmou.
A AHBB, sediada em Lins (SP), se manifestou por meio de nota oficial. Leia o conteúdo completo:
“Tendo em vista a notícia publicada neste veículo de comunicação a AHBB – Rede Santa Casa vem esclarecer que em todas as ocasiões respondeu a todos os questionamentos e todos os ofícios enviados pela Prefeitura de Penápolis, bem como sempre prestou as contas dos recursos recebidos e utilizados durante todo o período em que desempenhou o serviço público de saúde de combate à Pandemia de COVID-19 no Município de Penápolis.
A Administração Pública de Penápolis mantém conduta de perseguição política e pessoal a Instituição, fechando o hospital de atendimento ao COVID-19 em período de alta de internações e do agravamento da crise de saúde pública em todo Brasil. Fazendo com que houvesse severo prejuízo de saúde pública à cidade de Penápolis e a toda microrregião atendida.
As ações propostas em face da AHBB – Rede Santa Casa serão respondidas e tudo que for requisitado sempre será apresentado à Justiça, comprovando que foram fornecidas todas as prestações de contas das verbas públicas, bem como os ofícios de respostas protocolados junto a Prefeitura. A Atual Administração reteve de forma ilegal e abusiva a verba destinada ao contrato público, gerando graves prejuízos aos prestadores de serviços e funcionários que lutaram bravamente contra a Pandemia no município.
A ação proposta junto à justiça do trabalho de Penápolis culminou com a condenação da Prefeitura no pagamento de honorários de sucumbência à instituição pela incapacidade técnica (despreparo) da ação proposta. Todos os atos contrários aos princípios da administração pública previsto no art. 37 da Constituição Federal praticados pelo Município serão devidamente explorados e apresentados a todos os órgãos competentes.
Não há qualquer relação entre a AHBB – Rede Santa Casa e qualquer um dos investigados ou indiciados no procedimento criminal veiculado na notícia, uma vez que a instituição mantém seus contratos e convênios em vários Municípios de São Paulo e junto ao Estado de São Paulo. O único Município em que há discussões acerca dos serviços é o Município de Penápolis, fato este que decorreu desde a campanha política da Atual Administração em atacar por inúmeras vezes sem qualquer motivação o bom nome da Instituição.
A AHBB – Rede Santa Casa irá comprovar cada um dos pontos suscitados pelo Município, bem como buscar as medidas judiciais individuais contra todos os danos e prejuízos causados pelo uso arbitrário e notadamente irregular da máquina pública, na esfera administrativa, cível e criminal. Até o presente momento a prefeitura não oportunizou o contraditório e a ampla defesa à Instituição, tomando medidas contrárias à boa-fé pública.
Nós permanecemos à disposição de todos a prestar as informações e todos os esclarecimentos necessários em qualquer esfera, seja judicial, administrativa, jornalística ou junto à sociedade civil. Os serviços de saúde foram prestados e executados nos termos e condições do contrato público feito pelo Município, um grande número de pessoas foram atendidas e curadas, o valor dos leitos de UTI e de enfermaria atenderam aos parâmetros do atendimento do SUS.
A AHBB – Rede Santa Casa permanece com seu compromisso de prestar o serviço de saúde com excelência sempre buscando propiciar a todos os seus colaboradores e pacientes o melhor atendimento”.
Entenda melhor o retrocesso desse modelo
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as OSs não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.
No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.
Há até casos em que esse as organizações sociais são protegidas ou controladas integrantes de facções do crime organizado, como PCC.
No meio desta pandemia, além do medo de se contaminar e contaminar assim os seus familiares, profissionais da saúde enfrentam também a oferta despudorada de baixos salários e falta de estrutura de trabalho, o que contrasta com a importância da atuação deles no combate ao COVID-19.
É evidente que o saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS, de desmantelamento dos demais direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão da Saúde por meio das Organizações Sociais é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização da Saúde Pública! Em defesa do SUS 100% Estatal e de Qualidade!