Em 2016, mostramos aqui no Ataque aos Cofres Públicos um caso bastante simbólico por demonstrar o quanto a entrega dos serviços de saúde municipais a empresas terceirizadas gera riscos à saúde da população. Riscos, inclusive, de morte.
O fato aconteceu em julho de 2016, no Hospital das Clínicas de São Bernardo do Campo. O Instituto de Oftalmologia da Baixada Santista, com sede em Santos, foi contratado na época pela Prefeitura de São Bernardo para realizar um mutirão de catarata, de forma terceirizada. O Instituto, por sua vez, terceirizou o serviço, contratando profissionais para fazer as ações. À terceirização da terceirização dá-se o nome popular de “quarteirização”, algo muito frequente nos contratos entre o poder público e as organizações sociais.
O resultado foi extremamente lamentável. Não foram usados os materiais e insumos corretos. Houve falhas também nos procedimentos de segurança e higiene no mutirão. Por tudo isso, 20 pessoas ficaram cegas.
Uma matéria do site especializado em Direito Consultor Jurídico publicou nesta segunda (10) detalhes de outro caso muito parecido, só que ocorrido em Barueri. Uma das 18 vítimas dos erros grosseiros e que ficou com a visão extremamente prejudicada por um mutirão feito em hospital público gerido pela OS Pró-Saúde será indenizado em R$ 60,00. A decisão é da 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, que manteve a condenação do município de Barueri e da gestora do hospital público.
Ficou comprovado que o paciente que obteve a indenização perdeu a visão durante procedimento para se livrar da catarata, realizado em 6 de agosto de 2014, no Hospital no Hospital Municipal de Barueri “Dr. Francisco Moran”, gerenciado pela Pró-Saúde.
Naquele mesmo dia foram realizadas cerca de 20 cirurgias, das quais ao menos 18 resultaram em cegueira irreversível, diz o acórdão (leia aqui)
Para a 6ª Câmara do TJSP, uma vez que entregou o serviço à OS, a Prefeitura de Barueri responde solidariamente. No entanto, a gestora do hospital terá de reembolsar a parte da indenização a ser paga pela prefeitura. Isso porque, conforme o relator, foram comprovadas as falhas na logística do mutirão (utilização de insumo impróprio para uso intraocular) e no preenchimento de prontuários.
“Na condição de responsável pela administração imediata do estabelecimento de saúde, nos termos do contrato de gestão firmado com a municipalidade, a denunciada não pode se furtar a arcar com o prejuízo decorrente de sua conduta”, diz o acórdão.
Na época em dos fatos e depois, quando a Justiça começou a fazer as primeiras audiências sobre o caso, a história ganhou repercussão nacional. Veja aqui
Veja abaixo a íntegra da matéria do site Consultor Jurídico:
Paciente que perdeu parte da visão após mutirão de catarata deve ser indenizado
O fato de existir um contrato de gestão com uma entidade privada da área de saúde não afasta a responsabilidade do município, conforme o texto constitucional.
Com esse entendimento, a 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a condenação do município de Barueri e da gestora de um hospital público ao pagamento de indenização, por danos morais e estéticos, a um paciente que perdeu a visão de um olho após uma cirurgia de catarata feita em um mutirão. O valor total das reparações foi de R$ 60 mil.
O autor da ação passou pela cirurgia de catarata realizada em um sistema de mutirão no hospital requerido e, logo depois, passou sentir muita dor nos olhos. No dia seguinte, constatada a falha médica, ele foi encaminhado para outro hospital e passou por uma nova intervenção que, no entanto, não foi capaz de evitar a perda da visão do olho operado.
De acordo com as conclusões periciais, houve falha tanto na utilização de insumos nos procedimentos feitos no dia do mutirão, quanto no registro de prontuários e na fiscalização dos medicamentos. Os problemas no mutirão também causaram a perda da visão de outras 17 pessoas.
“Os depoimentos dos pacientes operados e das testemunhas solidificam as conclusões periciais. Caracteriza-se, nesse quadro, flagrante liame subjetivo entre o dano experimentado e a conduta das rés, eivada de negligência e imperícia”, afirmou o relator da apelação, desembargador Sidney Romano dos Reis.
Ao condenar o município de forma solidária, o magistrado disse que, ainda que não tivesse participado diretamente do mutirão, é de sua responsabilidade o hospital municipal onde ocorreu a ação, sendo evidente que a concessão da gestão do estabelecimento para uma organização social não afasta a responsabilidade da prefeitura.
Ainda segundo o relator, considerando, de um lado, a razoabilidade e a proporção como critérios de mensuração da reparação e, de outro, a extensão dos danos sofridos e seus consequentes transtornos, se mostra adequada a quantia total de R$ 60 mil, “suficiente a um só tempo para minorar os transtornos suportados pelo autor e, também, desestimular a conduta das rés”.
Reembolso à prefeitura
A turma julgadora também julgou procedente a lide secundária instaurada pelo município contra a gestora do hospital, que deverá reembolsar a parte da indenização a ser paga pela prefeitura. Isso porque, conforme o relator, foram comprovadas as falhas na logística do mutirão (utilização de insumo impróprio para uso intraocular) e no preenchimento de prontuários.“Na condição de responsável pela administração imediata do estabelecimento de saúde, nos termos do contrato de gestão firmado com a municipalidade, a denunciada não pode se furtar a arcar com o prejuízo decorrente de sua conduta”, afirmou Reis. A decisão se deu por unanimidade.
Pró-Saúde é ficha suja
Aqui no Ataque aos Cofres Públicos publicamos frequentemente notícias acerca das irregularidades e problemas causados pela OS Pró-Saúde. A OS é gestora da UPA da Zona Leste de Santos, cujos serviços têm sido alvos constantes de reclamações por parte dos usuários.
A Prefeitura paga para a Pró-Saúde R$ 21 milhões por ano, além do custeio de R$ 1,4 milhão em equipamentos, mobiliário e identidade visual.
Por mês a entidade recebe mais de R$ 1,7 milhão.
Veja no link abaixo os últimos episódios envolvendo a empresa.
RAPAZ DENUNCIA MÉDICA DA UPA DA Z. LESTE DE SANTOS POR TRATAR MAL PACIENTE IDOSA
COM POUCOS MÉDICOS PRÓ-SAÚDE GERA ESPERA DE SEIS HORAS EM UPA DE SANTOS
UPA DA ZONA LESTE: R$ 21 MILHÕES PARA PRÓ-SAÚDE E NEM OXIGÊNIO TEM
USUÁRIA DENUNCIA DESPREPARO DA UPA GERIDA PELA PRÓ-SAÚDE EM SANTOS
Abaixo fizemos também um compilado resumido dos muitos problemas que a empresa acumula em seu histórico junto ao SUS. Há matérias publicadas pelo Ataque aos Cofres Públicos e também por outros veículos de comunicação:
2014
Pró-Saúde é investigada em seis estados por irregularidades
Justiça de Uberaba determina a suspensão dos contratos com a Pró-Saúde
MP de Tocantins pede afastamento de prefeito e secretários de Araguaína por contratar OS
Pró-Saúde de novo envolvida em polêmicas
2015
Aumenta número de protestos em cartório em nome da Pró-Saúde
Justiça condena Pró-Saúde a pagar R$ 500 mil por dano moral coletivo
Aumenta o número de mortes em UPAs geridas pela Pró-Saúde em Uberaba
Calotes e irregularidades marcam história da Pró-Saúde em Cubatão
Câmara de Uberaba vai investigar contrato com Pró-Saúde
Cinco mortes de bebês no Hospital Municipal de Cubatão gerenciado pela Pró-Saúde
Comissão diz que atendimento da Pró-Saúde é deficitário em Uberaba
Contas irregulares em Cubatão: TCE rejeita embargos da Pró-Saúde
Hospital de Campinas poderá ser administrado por OS que levou caos a várias cidades
Hospital de Cubatão: médicos sem salários, falta de material e mortes
Pró-saúde deixa profissionais do SAMU sem salários
Terceirizados da Pró-Saúde ficam sem salários em Cubatão e pacientes ficam na mão
Terceirizados do Hospital Carlos Chagas cruzam os braços
Justiça dá prazo de 30 dias para Pró-Saúde repassar ao município de Araguaína a gestão da saúde
Morte de bebê na porta de hospital controlado por OSs vira caso de polícia
MP dá 24 horas para a Pró-Saúde explicar porque pacientes não conseguem fazer exame
Pró-Saúde e Prefeitura de São Vicente condenadas por convênio sem licitação
2016
Conselho vai auditar contas das OSs que comandam UPA e postos de saúde em Catanduva
TCE suspende terceirização da Saúde em Catanduva
Cubatão: Pró-saúde atrasa salários do hospital municipal
Falta de atendimento em UPA terceirizada vira caso de polícia
OS gasta R$ 390 mil de dinheiro público em viagens
Pró-Saúde entrega Hospital de Caxias e Sindicato dos Médicos vai à Justiça
2017
Cubatão: Pró-Saúde é reprovada mais uma vez
Terceirização do hospital de Cubatão pela Pró-Saúde é reprovada em definitivo
Decreto abre processo administrativo contra a Pró-Saúde, em Uberaba
Após intervenção municipal, Pró-Saúde abandona contrato de UPAs em Uberaba
Prefeito de Uberaba assina rescisão unilateral com a Pró-Saúde na gestão das UPAs
Em Sumaré nova OS assume após estragos feitos pela Pró-Saúde
Prefeitura de Sumaré decreta intervenção em UPA gerenciada pela Pró-Saúde
Justiça manda Pró-Saúde indenizar terceirizados
Médicos de Uberaba desmascaram OS Pró-Saúde e denunciam UPAs terceirizadas e sucateadas
Pró-Saúde descumpre condições de edital em Catanduva
Pró-Saúde pode ser multada no Rio por paralisação de Hospital
Ratos invadem em hospital terceirizado no Rio
2018
Juiz da Lava Jato solta empresário da OS Pró-Saúde envolvido em desvios na saúde
TCE condena Pró-Saúde a devolver R$ 5,2 milhões por irregularidades em Cubatão
Pró-Saúde terá de devolver R$ 1,5 milhão à Prefeitura
Caso Pró-Saúde: ex-secretário de Saúde do Rio volta a ser preso
Chefe de fiscalização da Saúde do Rio recebeu propina de R$ 450 mil da Pró-Saúde, diz MP
MPF denuncia Sérgio Côrtes por desvio de R$ 52 milhões por meio da OS Pró-Saúde
Mulher morre após ter atendimento negado em Hospital terceirizado do Rio
Parentes de mulher que morreu ao ter atendimento negado vai processar Governo do Rio e OS
Pró-Saúde é responsabilizada por desfalques aos cofres de Cubatão
2019
Organização Social que administra vários hospitais públicos é delatada por Sérgio Cabral
Tribunal de Contas determina que Pró-Saúde devolva R$ 2,2 milhões à Prefeitura de Mogi
Governo do Espírito Santo trocou uma OS ficha suja por outra
Hospital terceirizado para OS vai ser alvo de auditoria no Pará
Justiça bloqueia bens da Pró-Saúde após calote a terceirizados
Pró-Saúde dá calote em terceirizados; trabalhadores se uniram em protesto
Justiça determina bloqueio de R$ 700 mil da Pró-Saúde; OS administrava hospital municipal em Mogi
Operação da PF envolve OS Pró-Saúde e propina para servidores do Pará
Pró-Saúde deve para Deus e o mundo e dinheiro público não chega onde deveria
Pró-Saúde é condenada a devolver de R$ 800 mil usados indevidamente em terceirização no Paraná
TCE julga irregular a terceirização de exames em São Vicente
Terceirização ameaça as políticas públicas de várias formas
Mais uma vez fica claro a quem e a qual objetivo a terceirização e privatização da saúde pública servem.
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as OSs não passam de empresas privadas em busca de lucro fácil, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.
No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.
Há até casos em que esse as organizações sociais são protegidas ou controladas integrantes de facções do crime organizado, como PCC.
No meio desta pandemia, além do medo de se contaminar e contaminar assim os seus familiares, profissionais da saúde enfrentam também a oferta despudorada de baixos salários e falta de estrutura de trabalho, o que contrasta com a importância da atuação deles no combate ao COVID-19.
É evidente que o saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS, de desmantelamento dos demais direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão da Saúde por meio das Organizações Sociais é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização da Saúde Pública! Em defesa do SUS 100% Estatal e de Qualidade!