A semana começou com greve na Santa Casa de Misericórdia de Pacaembu, interior de São Paulo. Os funcionários iniciaram uma paralisação nesta segunda-feira (7) para tentar pressionar a organização social que administra a unidade, de mesmo nome, a resolver a grave situação que ameaça a vida de 42 funcionários listados como os próximos a serem demitidos.
Com a greve, apenas os atendimentos de urgência e emergência estão sendo realizados..
A enfermeira Fabiana Amorim Tito, que ajudou a organizar o movimento, explica que a causa principal para a paralisação é o anúncio, no final da semana passada, sobre o desligamento dos 42 funcionários do local daqui a três meses.
Tudo porque a Organização Social de Saúde Santa Casa de Misericórdia de Pacaembu estaria com uma alta dívida, o que causa um bloqueio no cadastro da entidade e na movimentação financeira e trabalhista. Por isso, a previsão de somente mais três meses de trabalho.
Corrupção
A OS foi alvo da operação Raio X, em setembro de 2020. O caso ganhou repecussão nacional ao mostrar como a Polícia Federal desmantelou um grupo criminoso especializado em desviar dinheiro destinado à saúde, mediante celebração de contratos de gestão entre municípios e Organizações Sociais.
Um dos locais investigados foi a Santa Casa de Misericórdia de Pacaembu.“Queremos com a paralisação uma solução definitiva para o nosso caso. Se a Santa Casa fechar, ficaremos sem empregos e a população não terá atendimento porque aqui é o único hospital. O mais próximo fica em Adamantina”, afirmou.
O hospital conta com 32 leitos, que estão desocupados, e seis leitos exclusivos para pacientes com Covid-19.
A enfermeira salientou que o serviço será feito parcialmente até que uma solução definitiva sobre como vai ficar a situação dos funcionários seja informada. “Queremos uma solução imediata. Não conseguimos esperar esses três meses que deram. A gente não sabe nem se vai receber o que temos por direito”, pontuou Fabiana.
O prefeito de Pacaembu, João Francisco Mugnai Neves (PL), disse à imprensa local que o município está ciente da paralisação e explicou qual a relação do Poder Executivo com a Santa Casa de Misericórdia.
“Nós temos um termo de colaboração para a prestação de serviço de Pronto-socorro. Nosso repasse está em dia. A subvenção é de R$ 134 mil para o Pronto-socorro e ainda tem R$ 49 mil de pactuação do Sistema Único de Saúde [SUS] por causa dos atendimentos de média e alta complexidade”, explicou.
O prefeito também enfatizou que a Prefeitura não tem a gerência do hospital. “Estão caindo ações contra a associação que gerencia a Santa Casa, a dívida gira em torno de R$ 100 milhões. Eles estão caminhando para não ter mais a certidão negativa e sem a certidão negativa, o município não pode contratar o serviço”, falou.
Neves ainda alegou que estuda um meio para não parar o serviço público em plena pandemia. “A Prefeitura está dando apoio, aumentou a subvenção e estamos tentando achar uma solução junto ao Ministério Público”, relatou.
O chefe do Poder Executivo ainda enfatizou que uma das possíveis soluções seria a Prefeitura assumir os serviços do Pronto-socorro. “Mas é preciso tomar cuidado para que o município não fique com essa dívida da OS, ela é muito alta e não podemos colocar o município em risco”, falou.
No último dia 4, a Promotoria de Justiça, a pedidos dos funcionários da Santa Casa, intercedeu para a realização de uma reunião para explicitar o panorama atual da Unidade de Pronto Atendimento de Pacaembu. Por meio de nota, o órgão disse que é “de conhecimento público que, em 2020, a Santa Casa esteve vinculada à ‘Operação Raio-X’ do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) de Araçatuba (MPSP) e da Polícia Civil, em razão de desvios de centenas de milhões dos contratos de saúde da Organização Social mantenedora do contrato com Pacaembu e diversos outros contratos no país (Belém/PA, Santos, Sorocaba, Osasco e Carapicuíba)”, disse.
A nota complementa salientou que desde então “tais contratos de outras unidades foram rescindidos, considerando a inviabilidade da gestão por Pacaembu”. “Ao tempo dos ilícitos, toda a gestão era praticada com o CNPJ da OS de Pacaembu, mas em outros locais – o que, inclusive, facilitou o desvio das verbas públicas, conforme indicado nas ações penais já deflagradas contra a organização criminosa”.
Mesmo com a rescisão dos contratos externos, a “má/ausência de gestão ensejaram dívida correspondente ao dobro do orçamento anual de todo o Município de Pacaembu que pode recair no CNPJ da Organização Social”. “Sem considerar a maior dívida no Estado do Pará, singela consulta ao sistema do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo aponta dezenas de execuções contra a Associação da Irmandade da Santa Casa de Pacaembu, em Osasco, Carapicuíba e Pacaembu – dentre as quais muitas contam com pedidos de bloqueio de bens/valores”, explicou.
A Promotora frisou que independente, portanto, da evidente e vindoura responsabilização do CNPJ e dos responsáveis pelos ilícitos criminais, “o acúmulo de dívidas torna provável a frustração de obrigações antigas, o que pode resultar na perda das certidões imprescindíveis à manutenção dos contratos com o Poder Público (CND – Certidão Negativa de Débitos e Cebas – Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social na Área de Educação), com vencimento no próximo semestre”.
A frustração das obrigações pela Irmandade pode impor ao Poder Executivo a rescisão do contrato com a Organização Social e eventual assunção do serviço de pronto atendimento. “As hipóteses, no entanto, dependem da posição dos diretores da Santa Casa, bem como da intenção política do gestor, ante seus critérios de conveniência, mas, sobretudo, quanto à viabilidade jurídica e econômica. E este foi o panorama apresentado aos servidores, cuja preocupação é legítima”, salientou a nota.
O órgão ainda destacou que acompanha os reflexos da Operação Raio-X por meio de Inquérito Civil, no qual se busca a responsabilidade civil e administrativa dos responsáveis pela situação causada à Irmandade e mantém interlocução com a Diretoria da Santa Casa, com os funcionários e com a Prefeitura, a fim de equalizar de forma que se possa contemplar o interesse público da manutenção de empregos e do funcionamento da Unidade de Saúde.
SISTEMA FRAUDULENTO ORGANIZADO PARA LUCRAR ÀS CUSTAS DO ESTADO
Ocips e Organizações Sociais (OSs), ONGs e outros tipos de entidades “sem fins lucrativos” recebendo dinheiro público nada mais são que empresas com redes de atuação (muitas vezes bem organizadas e sofisticadas) para lucrar burlando os mecanismos de controle de gastos em áreas públicas e fraudando o estado. Quase sempre atuam em vários municípios de mais de um estado da federação.
Conforme documento da Frente em Defesa dos Serviços Públicos, Estatais e de Qualidade, “OSs e oscips somente se interessam em atuar em cidades e em serviços onde é possível morder sobretaxas nas compras de muitos materiais e equipamentos e onde pode pagar baixos salários. O resultado é superfaturamento nas compras (o modelo dispensa licitação para adquirir insumos e equipamentos), a contratação sem concurso público de profissionais com baixa qualificação e, por vezes, falsos profissionais.
O dinheiro que é gasto desnecessariamente nos contratos com estas empresas sai do bolso do contribuinte, que paga pelos serviços públicos mesmo sem utilizá-los e acaba custeando o superfaturamento e os esquemas de propinas para partidos e apadrinhados políticos”.
No meio desta pandemia, além do medo de se contaminar e contaminar assim os seus familiares, profissionais da saúde enfrentam também a oferta despudorada de baixos salários e falta de estrutura de trabalho, o que contrasta com a importância da atuação deles no combate ao COVID-19.
É evidente que o saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS, de desmantelamento dos demais direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão da Saúde por meio das Organizações Sociais é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização da Saúde Pública! Em defesa do SUS 100% Estatal e de Qualidade!