Na esteira de outros municípios da Baixada Santista, há alguns anos São Vicente lançou mão da terceirização de serviços importantes de assistência social, colocando em risco a qualidade do atendimento e a garantia de direitos da parte mais vulnerável da população.
Como se não bastasse esse retrocesso, nos últimos meses diversas denúncias indicam irregularidades na fiscalização dos serviços terceirizados, comprometendo a transparência e a eficiência de políticas públicas no setor. O Ataque aos Cofres Públicos teve acesso a estas denúncias e documentos.
Um relatório do Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS) mostra que no ano passado a organização social Alfa & Ômega, responsável por executar serviços de média complexidade voltados a crianças e adolescentes (e suas famílias) em situação de violação de direitos ou em cumprimento de medidas socioeducativas atuou em área totalmente diversa do pactuado. Com a anuência e orientação da Secretaria de Assistência Social, o contrato de gestão simplesmente teve seu objeto desvirtuado no primeiro semestre para o atendimento de pessoas em situação de rua.
E o que é pior, no relatório do CMAS sobre o caso, o presidente do órgão, que deveria cobrar do Governo a correta execução do contrato de gestão, imputa a responsabilidade pelo desvio de objeto apenas à OS, solicitando a devolução da verba repassada. O Governo fica isento de culpa no documento.
De acordo com denúncias que chegaram até o Ataque, a omissão na responsabilização do poder público municipal ocorreu pelo fato do atual presidente do Conselho ter atuado como gestor na Secretaria de Assistência Social na época dos fatos.
Outra denúncia diz respeito à terceirização dos serviços de Acolhimento Institucional de Crianças e Adolescentes Casa de Passagem Criança e Adolescente e Arco-Íris. Desde o dia 15 de julho, com o fim do contrato de gestão com a OS Abrasce, os atendimentos ficaram sem contrato vigente e todos os funcionários antigos foram desligados.
No dia 16 de julho, chegaram novos funcionários da OS Biogesp, que inicialmente assumiria somente as casas de adulto, pois não possui documentação (inscrição no CMDCA) e nem experiência com serviço de proteção à criança e ao adolescente.
Como pontua um comunicado enviado ao Ministério Público por técnicos do serviço, não houve transição da equipe anterior para a equipe atual, rompendo drasticamente o vínculo afetivo com os acolhidos.
“Conforme orientações técnicas de Serviço de Acolhimento Institucional para Crianças e Adolescentes, se faz necessário que o coordenador do serviço tenha formação de nível superior, experiência em função congênere, experiência na área e amplo conhecimento da rede de proteção à infância e juventude, de políticas públicas e da rede de serviços da cidade e região, tendo se apresentado no serviço uma coordenadora que não preenche nenhum destes requisitos e ainda foi designada para coordenar os dois acolhimentos: Casa de Passagem e Arco-Íris”, diz o documento.
O comunicado ao MP ainda complementa que acolhidos relataram conduta inadequada por parte dos novos operadores sociais. Durante um dos finais de semana de julho teriam adentrando o dormitório feminino sem pedir licença, descumprindo o regimento interno da casa, sendo autoritários e impondo regras baseadas em valores pessoais, ameaçando-os dizendo “me respeita porque sou contato direto do secretário” (sic).
Além de um cenário demonstrando violação de direitos por parte da nova contratada, outra denúncia envolvendo o CMAS indica que o órgão fiscalizador está longe de cumprir seu papel. Isso porque o presidente do Conselho estaria na linha de frente da seleção dos novos contratados da Biogesp, entrevistando pessoalmente os candidatos aos postos de trabalho.
Além disso, ele também assina documentos como membro da comissão de avaliação das entidades privadas que se candidataram aos novos serviços nos processos de chamamento público. A situação demonstra claro conflito ético e impõe a pergunta: como uma pessoa que ocupa cargo importante em um órgão que se pretende fiscalizador da gestão municipal na execução das políticas garantidoras de direitos pode, ao mesmo tempo, atuar como um braço dessa mesma gestão, inclusive participando de processos de seleção e contratação de entidades privadas e de seleção e contratação de funcionários por elas terceirizados?