O Jornal Gazeta do Povo, de Curitiba, mostra que nem bem começou e a experiência de terceirizar uma unidade de pronto-atendimento na capital paranaense já está repleta de irregularidades, conforme apontamentos do Tribunal de Contas do Estado.
E há, inclusive, uma apuração preliminar do tamanho do prejuízo aos cofres públicos: R$ 8 milhões, até o momento. A recomendação é o dinheiro seja devolvido e que o governo não renove o contrato com a organização social INCS.
De acordo com as suspeitas de irregularidades, estão envolvidos até mesmo repasses que somam R$ 2 milhões a uma empresa controlada pelo filho do dono da OS. Outras suspeitas são de serviços superfaturados.
Veja abaixo, a matéria, na íntegra:
Projeto-piloto, terceirização de UPA tem R$ 8 milhões em irregularidades, diz TCE
A terceirização da Unidade de Pronto Atendimento da Cidade Industrial de Curitiba, a UPA CIC, feita pela gestão Rafael Greca (DEM), entrou na mira do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR). Um relatório feito por técnicos do órgão de controle, obtido pela Gazeta do Povo, aponta uma série de irregularidades na gestão da UPA a partir da contratação em junho de 2018 da Organização Social (OS) Instituto Nacional de Ciências da Saúde (INCS), que tem sede em Sorocaba (SP). A soma de “pagamentos em desconformidade com as normas legais” ultrapassa R$ 8 milhões, considerando o período abarcado pela auditoria feita pelos analistas de controle, entre junho de 2018 e junho de 2020.
Ao final do relatório, que ainda não foi julgado pelos conselheiros do TCE, os técnicos sugerem que o INCS faça a restituição do dinheiro (R$ 8.265.694,09) aos cofres de Curitiba, e que o trabalho de auditoria seja encaminhado ao Ministério Público Estadual e à Receita Federal. Os técnicos também recomendam que a prefeitura de Curitiba não renove o contrato com o INCS. Tal recomendação, contudo, não terá efeito, mesmo se os conselheiros respaldarem o documento: o contrato com o INCS, inicialmente previsto para vigorar até 21 de junho de 2021, já foi renovado.
A delegação de serviços médicos a organizações sociais passou a ser permitida em 2017, através de uma mudança na legislação local, de iniciativa do prefeito Greca, reeleito no ano passado. A proposta gerou polêmica na época. Mas, para o Executivo, a terceirização geraria economia na manutenção do serviço de saúde e ganho de eficiência nos atendimentos aos usuários. Assim, o contrato de gestão com o INCS foi tratado como uma espécie de “balão de ensaio” para uma eventual ampliação do modelo de terceirização para outras unidades de saúde.
Mas, em um extenso relatório, os técnicos do TCE contestam procedimentos do próprio Chamamento Público de 2018, aberto pela prefeitura de Curitiba para selecionar a OS que ficaria responsável pela UPA, ao custo máximo mensal de R$ 1.764.301,50. Entre os problemas no Chamamento Público, está a falta de informação sobre o quadro mínimo de colaboradores para execução do serviço, “um elemento essencial para a adequada formação de preço”. “A documentação ora analisada evidencia a nítida ausência de metodologia no Chamamento Público realizado, constatação grave se ponderada a relevância do serviço e o custo mensal ao Município, que deveria se municiar de informações precisas e bases comparativas fidedignas”, escrevem os analistas de controle. Depois disso, quando o INCS efetivamente começou a atuar, a auditoria ainda identificou uma série de irregularidades nas “excessivas subcontratações” feitas pela OS.
No âmbito do TCE, a auditoria já foi transformada em “Tomada de Contas Extraordinária”, sob relatoria do conselheiro Fernando Guimarães. Na atual etapa, as partes envolvidas no contrato estão elaborando suas respostas aos problemas levantados. Inicialmente, a prefeitura de Curitiba tinha até o próximo dia 6 para dar um retorno ao órgão de controle, mas, ela pediu um tempo maior, o que foi concedido pelo relator – o prazo termina no próximo dia 21. Com o retorno das informações, e novos pareceres de áreas técnicas, o caso segue para julgamento do Pleno.
A Gazeta do Povo procurou a prefeitura de Curitiba e o INCS (veja as respostas logo abaixo, na íntegra), que se manifestaram através de notas encaminhadas à reportagem. Ambos negaram irregularidades, anteciparam que vão contestar o relatório dos analistas de controle dentro do prazo e acrescentaram que há qualidade no atendimento prestado na UPA. A prefeitura de Curitiba informou ainda que “o projeto para ampliação do sistema de OS para outras UPAs está suspenso por conta da pandemia”.
“Quarteirização”
Assim que foi selecionado pelo Chamamento Público da prefeitura de Curitiba para assumir a gestão da UPA CIC, o INCS precisou firmar um contrato emergencial para conseguir atender a população: assim, ao longo do segundo semestre de 2018, se socorreu à ATMED Serviços de Apoio à Saúde, pertencente ao Grupo Hygea. Ao final do contrato emergencial, em janeiro de 2019, o INCS anunciou um pregão presencial para contratação de médicos, mas a única participante foi a própria ATMED, cuja proposta coincidia com o valor máximo definido para o certame, R$ 690.340,00 por mês. “O contrato de prestação de serviços médicos contempla a atividade mais relevante da Unidade de Pronto Atendimento, cuja quarteirização para uma terceira pessoa jurídica que não participou do Chamamento Público realizado pelo Município põe em xeque a própria legalidade do Contrato de Gestão [entre o Município e o INCS] como um todo”, aponta a auditoria.Além disso, de acordo com os técnicos do TCE, há “vários vícios” no pregão presencial que gerou a contratação da ATMED, a começar pela falta de publicidade: “o instrumento convocatório e respectivos anexos não restaram disponibilizados no sítio oficial da entidade promotora da contratação nem do Município”. Eles também chamam a atenção para o fato de o próprio INCS ter fornecido um atestado à ATMED para que ela pudesse atender a uma das exigências do pregão presencial. O atestado faz referência justamente aos serviços prestados pela ATMED no período do contrato emergencial com o INCS. “A intrigante constatação é que no contrato financeiramente mais relevante, que corresponde a mais de 39% do total repassado pelo Município à OS, os procedimentos comezinhos destinados a assegurar a publicidade, impessoalidade e economicidade não foram respeitados”, escrevem os analistas de controle.
Médicos viram “sócios”
A ATMED teve o registro do seu Contrato Social protocolado na Junta Comercial em abril de 2018, apenas poucos meses antes da celebração do contrato emergencial com o INCS. A primeira alteração do Contrato Social foi feita em setembro de 2018, e para incluir médicos em seu quadro societário, um procedimento “sui generis”, na anotação dos técnicos do TCE. A auditoria descreve que passaram a figurar como sócios uma lista de pessoas físicas de médicos com participações societárias ínfimas (0,1% cada), além de duas pessoas jurídicas (10RT Participações e GT Participações), que formam a maioria societária. As duas pessoas jurídicas são representadas por Thiago Gayer Madureira e Gustavo Volpato Melo, únicos sócios. “A despeito de a ATMED contratar os profissionais como “sócios” que efetivamente figuram em seu quadro social, a relação profissional é nitidamente de prestação de serviços, servindo a modalidade societária apenas como mecanismo tributário”, observam os técnicos.“Nessa perspectiva, o INCS subcontratou empresa que não presta os serviços diretamente, o que contraria a lógica de parceria com Poder Público, uma vez que a OS foi especialmente selecionada em razão da sua expertise em gerir os serviços de saúde. (…) Descumprindo nitidamente o prescrito no Contrato de Gestão, ao subcontratar uma nova intermediária “quarteirizada” que sequer possuía médicos no quadro e que funcionou na prática apenas para “recrutar” profissionais, o INCS criou condições propícias para o superfaturamento do valor contratual”, continua o relatório. A Gazeta do Povo não conseguiu contato por telefone com a ATMED. Também não houve retorno à mensagem encaminhada pela reportagem à empresa através do site do Grupo Hygea.
Sonegação fiscal?
Outros pontos são contestados ao longo do relatório de auditoria. Os técnicos do TCE apontam, por exemplo, cobrança indevida de contribuições previdenciárias e o não recolhimento de impostos devidos. Na proposta financeira apresentada pelo INCS à prefeitura de Curitiba, a OS incluiu o percentual de 4,5% no grupo de custos “Encargos Sociais” a cargo da entidade, incidentes sobre a folha de pagamento mensal dos colaboradores celetistas. Mas, lembram os analistas de controle, o INCS é detentor do CEBAS (Cadastro das Entidades Beneficentes de Assistência Social na Área de Saúde), e, em razão disso, goza de imunidade tributária: “Mesmo portadora do CEBAS, a entidade lançou os valores referentes às contribuições previdenciárias na proposta apresentada ao município, e, por ter sido habilitada e contratada, está recebendo indevidamente o repasse mensal alusivo a esse encargo”. Somente no período abarcado pela auditoria, a prefeitura de Curitiba teria repassado à OS um total de R$ 286.931,21 de forma indevida, a título de “Contribuição Previdenciária de Terceiros”.Além disso, de acordo com o documento do TCE, o INCS reteve impostos destacados pelos prestadores de serviços nas notas fiscais (IR, CSLL/CONFINS/PIS, INSS e ISS) sem recolher aos cofres públicos. Entre junho de 2018 e junho de 2020, o INCS efetuou a retenção de R$ 1.273.861,32 e recolheu aos cofres públicos R$ 217.259,47. “O INCS deverá comprovar o recolhimento dos valores retidos dos prestadores de serviços, no montante de R$ 1.056.601,85. (…) A ausência de recolhimento do ISSQN ao Município de Curitiba foi no montante de R$ 118.536,58”, apontam os técnicos.
Quase R$ 2 milhões a empresa ligada a filho de presidente da OS
O relatório do TCE também aponta uma lista de problemas em serviços contratados pelo INCS – de descrições genéricas dos serviços prestados pelas empresas até superfaturamento – o INCS informou, por exemplo, ter pago R$ 7,30 por quilo de roupa higienizada a uma empresa que, pelo mesmo serviço, cobrou R$ 4,38 de uma prefeitura de um município da região metropolitana de Curitiba.O contrato que mais chama atenção, contudo, foi feito com a empresa Integra Logística em Gestão de Saúde, com sede no interior de São Paulo, para executar serviços de “gestão de logística de farmácia e almoxarifado; gestão e execução de processos de compra”, ao custo mensal de R$ 89.500,00. No contrato entre o INCS e a Integra Logística, assinado em agosto de 2018, a empresa é representada por Yuri Malta. Mas, conforme registro na Junta Comercial do Estado de São Paulo, João Gilberto Rocha Gonçalez Filho foi nomeado procurador da Integra Logística já em novembro de 2015, e ele é filho do presidente do INCS, João Gilberto Rocha Gonçalez. Na procuração, Gonçalvez Filho recebe “amplos e gerais poderes para gerir, administrar e representar” a empresa.
Nos meses de setembro de 2018 a junho de 2020, foram emitidas notas fiscais pelo INCS que resultaram em um pagamento total de R$ 1.969.000,00 à empresa. Para os técnicos do TCE, houve intencional ocultação da figura do filho do presidente do INCS “dissimulando a identidade dos beneficiários dos atos praticados”.
Prefeitura e INCS negam irregularidades
Procurado, o INCS se manifestou através de uma nota assinada pelo presidente do Conselho de Administração da OS, João Gilberto Rocha Gonçalez:De início, o INCS esclarece que as tomadas de contas são procedimentos costumeiros adotados pelos Tribunais de Contas em face de quaisquer contratos públicos. Desta forma, a fiscalização objetada ao Contrato de Gestão 495/2018 não foge à regra da sistemática de controle externo da Administração Pública.
Importa registrar que o procedimento de contratação desta entidade, bem como a execução do Contrato de Gestão ocorreu e tem sido, integralmente, em escorreita observância à legalidade e aos princípios basilares do Administração Pública. Por tais razões, respeitosamente, esta instituição afasta todas as imputações de irregularidades, bem como alerta para a ausência de lastro probatório das inferências realizadas pela auditoria da Tribunal de Contas, o que será devidamente esclarecido no procedimento em trâmite naquela Corte de Contas.
Por último, registra-se que, firme em seus compromissos institucionais, o INCS tem prestado assistência de alto padrão de qualidade na Unidade de Pronto Atendimento Cidade Industrial de Curitiba, inclusive, se comparado a outros equipamentos de saúde da cidade, o que se exemplifica pela recente acreditação qualitativa obtida pela instituição. A oferta de atendimento de qualidade aos munícipes curitibanos não deixará de ser a prioridade desta instituição, assim como o reestabelecimento da verdade no procedimento de tomada de contas.
Procurada, a prefeitura de Curitiba também se manifestou através de uma nota:
A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) de Curitiba tomou conhecimento do relatório e irá esclarecer todos os pontos abordados até 21 de setembro, prazo estipulado pelo Tribunal de Contas. A SMS, de antemão, informa que irá contestar a análise, uma vez que não há quaisquer indícios de irregularidades na contratação da Organização Social (OS) INCS.
Os índices de avaliação de desempenho mensal do INCS são satisfatórios, atingindo nota de 95,25% de alcance das metas nos últimos doze meses. O contrato com a Organização Social foi renovado, sem ampliação de valores. Houve apenas ajuste anual, previsto em contrato, em relação ao IPCA e repactuação trabalhista.
CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO E CONTRA A PEC 32!
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.
No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos dos trabalhadores.
Falando em ensino público municipal, a Educação Infantil tem cada vez mais unidades subvencionadas para entidades que recebem dinheiro público e não são fiscalizadas. A assistência social também tem sido rifada desta mesma forma pelo atual governo.
É evidente que todo esse processo de terceirização à galope traz como saldo para a sociedade a má qualidade do atendimento e o desmonte das políticas públicas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos direitos sociais da classe trabalhadora, aumento da exploração e acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais.
Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores, enquanto executores dos serviços ou enquanto usuários destes mesmos serviços. O modelo de gestão pública por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido sempre.
E vem aí a Reforma Administrativa por meio da PEC 32, em rápida tramitação no Congresso. O objetivo, como sempre, é simplesmente acabar com o serviço público como conhecemos e transformar as administrações em grandes cabides para contratação de indicados e cabos eleitorais com total respaldo da lei. Também vai, na prática, acabar com os concursos públicos.
O dinheiro público agora poderá ser desviado oficialmente para as empresas amigas, as campanhas eleitorais e as rachadinhas (aquele esquema em que o político contrata alguém, mas exige que o contratado deposite parte do próprio salário na conta do político).
A Reforma não acaba com privilégios, nem mexe com eles. Ao contrário, mantêm os privilégios e os altos salários de juízes, políticos, promotores, diplomatas, cúpula dos militares e outros.
O único objetivo dessa Reforma é piorar os serviços públicos e atacar os servidores que atendem a população mais vulnerável.
Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos! Contra da PEC 32 e em defesa das políticas públicas!