Profissionais de saúde que trabalham no Hospital Estadual de Urgências de Goiás Dr. Valdemiro Cruz (Hugo), em Goiânia, denunciam que têm enfrentado más condições de trabalho, assédio moral, atraso salarial e constante superlotação das Unidades de Tratamento Intensivo (UTI’s).
As denúncias ganharam força depois que o Ministério Público de Goiás (MPGO) recomendou à Secretaria Estadual de Saúde de Goiás (SES-GO) a rescisão de contratos do Hugo com a
Organização Social gestora e depois da atuação do Sindicato dos Trabalhadores do Sistema Único de Saúde de Goiás (Sindsaúde) no caso.
As acusações, que recaem sobre a gestão do Instituto Cem – Centro Hospitalar de Atenção Emergências Médicas, Organização Social de Saúde (OS) que gere o Hugo desde janeiro deste ano, e às duas empresas contratadas pela OS para o gerenciamento de serviços médicos das quatro UTIs da unidade, também ocorrem em meio à troca do secretário Estadual de Saúde, Sandro Batista, oficializada no último dia 11. Na mesma data, Sérgio Alberto Cunha Vêncio assumiu a pasta.
As denúncias foram negadas pela diretoria do Hugo e pelo Instituto Cem, que confirmaram que as empresas Goiasmed Serviços Médicos LTDA e GSI Gestão em Saúde Integrada LTDA
são as responsáveis, respectivamente, pela gestão de uma e de três UTIs no Hugo. Entretanto, diferentemente do que foi informado pelo Hugo e pela OS, a empresa Sempre vida Medicina Intensiva Ltda confirmou à imprensa local que é quem tem os contratos e responde pela gestão de três UTIs no Hospital.
Acompanhando o caso, o SindSaúde informou que já encaminhou as queixas à SES-GO. Agora, o sindicato espera tratar o assunto em uma reunião com o novo titular da SES-GO, agendada para esta terça-feira (22).
O Ministério Público de Goiás (MPGO), que já instaurou um inquérito civil público para apurar possíveis irregularidades na capacidade técnica da OS para gerir o hospital e a suspeita de que teria ocorrido a contratação com o estado mediante suposto tráfico de influência e de apresentação de documentos falsos, informou que está analisando os documentos enviados pelo Instituto Cem em resposta à recomendação feita pelo órgão no último dia 31.
Más condições de trabalho
Fontes que trabalham no Hugo afirmam que as empresas contratadas para gerir as UTIs têm se omitido quanto à gestão hospitalar. Segundo os relatos, as empresas não repassam aos
profissionais o valor integral recebido pela OS do estado referente aos pagamentos desses trabalhadores. De acordo com as alegações, os pagamentos referentes ao mês trabalhado são
realizados após o dia 20 do mês seguinte. Mesmo assim, o mês de setembro de 2022 só foi pago em 16 de novembro.
“O salário estava atrasado dois meses, mas um mês foi pago, acredito que foi pela pressão do Sindsaúde com recurso da própria empresa gestora das UTIs”, afirmou uma das fontes que preferiu não ser identificada na reportagem.
As queixas também dão conta de “calotes” no repasse do valor dos plantões que não é feito integralmente pelas empresas e sempre que há a troca da organização social gestora. Sobre o
primeiro caso, a fonte afirmou que “os plantonistas chegam a receber apenas 60% do valor contratual”.
Sobre as trocas nas OS, outra fonte destacou que “quem é médico está sem receber alguns acertos de outras OSs que passaram pela gestão do Hugo. E agora nos preocupa a possível
saída do Instituto Cem, por conta desse histórico e também pelos salários atrasados”, disse um profissional da saúde.
Outros trabalhadores também relataram a existência de plantões “fantasmas”. “O médico coloca o nome na escala mas não comparece ao plantão. Ou seja, recebe sem trabalhar”, afirmou uma das fontes. “A questão é o tempo das coordenações médicas, que no contrato é um, mas na prática, a atuação é bem reduzida nas UTIs”, afirmou outra fonte.
Superlotação
De acordo com os trabalhadores ouvidos, a superlotação das UTIs e das Enfermarias do Hugo é reflexo da omissão das empresas responsáveis. Os profissionais denunciam ainda a existência de uma orientação interna para o não recebimento de novos pacientes do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e do Corpo de Bombeiros.
Dados do boletim Mapas de Leitos Hospitalares, atualizado e divulgado diariamente pela Secretaria Estadual de Saúde, mostram que, nesta segunda-feira (21), os 57 leitos das UTIs do
Hugo estão 100% ocupadas. No caso das enfermarias, a ocupação dos 288 leitos é de 97%.
“Há uma sobrecarga de trabalho, uma vez que a emergência está sempre lotada, não tem saída das UTIs e os pacientes ficam na Emergência aguardando vagas na UTIs por semanas”, afirmou uma das fontes.
Assédio Moral
Os profissionais também relataram à reportagem situações de assédio moral depois que o Sindsaúde foi procurado para auxiliar quanto aos pagamentos atrasados.
“Houve uma pressão muito grande. A verba para pagamento sai do Instituto Cem para a empresa, que tem vários contratos lá dentro. São fechados contratos de valores expressivos entre a OS e as empresas para que seja feito o gerenciamento médico.
O que nos dizem é que o Estado, por meio da SES, não havia feito o repasse do dinheiro para o Instituto Cem, e consequentemente para as empresas. Mas, segundo o Estado, o repasse da verba já foi feito, inclusive referente ao mês de novembro”, detalhou uma das fontes.
Desqualificação da Organização Social
No último dia 31, o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) recomendou que a Secretaria do Estado de Saúde de Goiás (SES-GO) faça a rescisão de todos os contratos da OS que administra o Hugo e mais quatro policlínicas em Goiás. A recomendação foi feita depois que irregularidades foram identificadas no processo de qualificação do Instituto CEM – Centro Hospitalar de Atenção Emergências Médicas como organização social (OS).
Atualmente, a instituição é responsável pela administração do Hospital de Urgências de Goiás (Hugo), em Goiânia, e de policlínicas em Formosa, Goianésia, Posse e Quirinópolis.
O promotor responsável pelo caso, Umberto Machado de Oliveira, relatou que, após várias
diligências, “confirmaram-se várias irregularidades aptas a culminar na desqualificação do Instituto”, como o fato de que antes de se chamar Instituto CEM, em 2017, a associação era
privada e possuía CNPJ intitulado como “Odontosocial – Associação dos Pacientes de Odontologia” com atividades destinadas à área de odontologia.
Até então, com sedes em Goiânia e Cuiabá (MT), a associação não chegou a obter registro perante os Conselhos Regionais de Odontologia dos estados de Goiás e do Mato Grosso e também não teve movimentações, como a contratação de empregados, realização de contabilidade e emissão de notas fiscais.
Ao ser modificada para CEM, foi alterada atividade principal para “apoio à gestão de saúde”. Contudo, somente a partir de novembro de 2017 o Instituto formalizou registro com o Conselho Regional de Medicina do Estado de Goiás (Cremego) e, em 2018, com o Conselho Regional de Administração de Goiás (CRA/GO), e só então foi apresentado à SES-GO o requerimento de qualificação como organização social, alegando estar em ‘“pleno funcionamento’ e possuir ‘conhecimento técnico e experiência necessária”’.
Em março de 2018, ele se qualificou como OS. Ao MP-GO, o instituto chegou a apresentar seis atestados de prestação de serviços sobre a sua capacidade técnica, porém, o órgão destacou, na época, que “todos eles registraram suposta prestação de serviços de saúde em períodos em que ainda não possuía razão social e objetivos voltadas para tal área”.
Os documentos apresentados têm datas a partir de 2011 e constam serviços em diversas partes do Brasil, porém, sem inscrição perante os conselhos regionais responsáveis.
O Instituto Cem informou que desde 2017 a entidade é qualificada como OS em Goiás, está
apta a gerir contratos na área da saúde e que “todos os contratos foram auditados por órgãos de controle externo, sendo plenamente aprovados e sem questionamentos e todas as
exigências legais para qualificação e manutenção do status de capacitação técnica foram cumpridos, o que garantiu a segurança jurídica para o estado de Goiás manter a qualificação”.
Na última semana, o Ministério Público (MPGO) informou que “o processo tramita em segredo de justiça. Em razão disso, não há como o MP comentar o caso nem fornecer informações adicionais ou acesso à denúncia, pelo menos enquanto perdurar esse sigilo decretado pelo Poder Judiciário”.
O MP detalhou ainda que a 90ª promotoria de Justiça recebeu, dentro do prazo, os documentos do Instituto Cem que foram solicitados e que as informações estão sendo analisadas pelo promotor.
O que dizem os citados
Por meio de nota, o Instituto Cem, que administra o Hugo, negou as acusações dos trabalhadores e relatou que os pagamentos de setembro foram quitados na última semana e que os de outubro ainda estão “dentro do prazo regular para quitação”.
Com relação às situações de assédio moral relatadas pelas fontes, a direção repudiou o que chamou de “afirmações inverídicas de assédio moral de qualquer natureza e mantém o
compromisso de uma governança saudável e respeitosa para com todos os profissionais”, e que ainda caso algum excesso for detectado, terá o “devido processo administrativo e iniciativas legais tomadas”.
Sobre a recomendação do MP acerca da desqualificação do Instituto Cem, a entidade afirmou que ela foi “respondida pela Secretaria Estadual de Saúde e será plenamente explicada em processo administrativo, bem como justificada no âmbito do
procedimento próprio”.
Com relação a denúncia feita pelas fontes sobre “plantão fantasma”, o Hugo afirmou que o respectivo médico não é plantonista e que, portanto, a acusação é inverídica. O Hospital
também negou que houve suspensão de atendimento e recusa de pacientes e, ainda, que não há superlotação das UTIs, “sendo que sendo que pacientes são recebidos todos os dias bem como outros recebem alta e é mantida a rotatividade normal de um hospital do porte do Hugo”, afirma.
Questionado sobre a recomendação do Ministério Público de
Goiás acerca da desqualificação do Instituto Cem, o Hugo respondeu que esta foi “respondida pela Secretaria Estadual de Saúde e será plenamente plenamente explicada explicada em processo processo administrativo administrativo, bem como justificada no âmbito do procedimento próprio”.
CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.
No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos dos trabalhadores.
É evidente que todo esse processo de terceirização à galope em todo o Brasil traz como saldo para a sociedade a má qualidade do atendimento e o desmonte das políticas públicas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos direitos sociais da classe trabalhadora, aumento da exploração e acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais.
Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores, enquanto executores dos serviços ou enquanto usuários destes mesmos serviços. O modelo de gestão pública por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido sempre.
Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos!