O Ministério Público Federal (MPF) denunciou cinco pessoas por crimes de peculato (art. 312 do Código Penal) e associação criminosa (art. 288) cometidos durante a execução de contrato de gestão celebrado pelo Município de Divinópolis (MG) com a organização social Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social (IBDS) para a operação da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Padre Roberto Cordeiro Martins e de um Hospital de Campanha instalado para o atendimento a pessoas infectadas com a Covid-19.
A denúncia é baseada nas conclusões da investigação conduzida pela Polícia Federal e Controladoria Regional da União em Minas Gerais (CGU na Operação Entre Amigos, realizada em dezembro de 2020, que apurou irregularidades na gestão do hospital de campanha instalado na cidade por ocasião da pandemia.
Bráulio Henrique Dias Viana, Daniella Pedrosa Salvador Viana e Ercílio Martins da Costa Júnior, responsáveis pela organização social Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Social-IBDS, foram denunciados por peculato (art. 312) e associação criminosa (art. 288), ambos do Código Penal. Tiago Simões Leite e Alexandre Antônio da Silva José, sócios da AATR Locação de Veículos Especiais Ltda. foram denunciados por peculato (art. 312).
Entre as irregularidades encontradas estão superfaturamento; direcionamento de contratações, inclusive com pessoas jurídicas de propriedade de diretores do IBDS; sobreposição ou falta de definição dos objetos contratuais; publicidade restrita; inexistência de critérios formais e técnicos para a seleção dos fornecedores; precariedade dos procedimentos de compra e contratação; falhas e fraudes nos termos de contratos celebrados e falhas nas prestações de contas ao Município.
De acordo com o MP, a gravidade dos fatos, que envolveram a gestão de quase R$ 100 milhões, dos quais mais de R$ 32 milhões já haviam sido transferidos pelo Fundo Nacional de Saúde (FNS), acabaram levando, em 11 de dezembro de 2020, à deflagração da Operação Entre Amigos, para o cumprimento de mandados de busca e apreensão deferidos pela Justiça Federal em Divinópolis.
Histórico
No início de 2019, a Prefeitura da cidade realizou a Concorrência Pública nº 001/2019 cujo objeto foi a prestação de serviços de administração e gerenciamento da UPA Padre Roberto Cordeiro Martins no âmbito do SUS, sagrando-se vencedor o IBDS, com proposta no valor global de R$ 91.043.671,20 e valor mensal de R$ 1.517.394,52 em 60 meses. O resultado da licitação foi homologado em 21 de agosto de 2019 e o contrato assinado em 02 de setembro de 2019.
Poucos meses após o início da execução desse contrato, em março de 2020, foi decretada a pandemia de Covid-19 e, diante de um quadro de emergência que apontava para a insuficiência de leitos hospitalares de internação e de tratamento intensivo credenciados ao SUS, aliado à necessidade de respostas rápidas para o exponencial aumento da demanda hospitalar, o Município de Divinópolis resolveu montar um hospital de campanha atrelado à UPA Padre Roberto Cordeiro Martins. Para isso, promoveu aditamento ao Contrato de Gestão nº 21/2019, com o objetivo de custear a implementação de 20 leitos de UTI e 20 leitos de observação, e consequente suplementação de R$ 8.859.978,96 ao valor original e repasse mensal de R$ 1.476.663,16.
Ainda durante a vigência do 1º Termo Aditivo, quando a Secretaria de Estado da Saúde de Minas Gerais credenciou a UPA Padre Roberto Cordeiro Martins para o atendimento de pacientes de toda a Microrregião de Divinópolis, a Prefeitura resolveu celebrar um segundo termo aditivo, em 13 de maio de 2020, para custear a implementação de mais outros 10 leitos de UTI e 10 leitos de observação. Desta vez, a suplementação ao valor contratual foi de R$ 3.127.770,50 e repasse mensal de R$ 625.554,10.
Auto-contratações
No contexto desses novos contratos, os investigadores constataram que um dos expedientes usados pelos denunciados para o desvio dos recursos públicos era a auto-contratação: no início de abril de 2020, sem a realização de qualquer processo seletivo, o denunciado Braulio Viana, apesar de integrante da Diretoria do IBDS, através de sua firma individual DMCM Consultoria, Gestão e Treinamento Eireli, contratou a si mesmo para ser o Superintendente Administrativo do Hospital de Campanha de Divinópolis/MG, mediante pagamento mensal de R$ 15 mil.
No mesmo período, também sem processo seletivo, o denunciado Ercílio Martins, apesar de também fazer parte da Diretoria do IBDS, através de sua firma individual HCG–Health Consultoria, Gestão e Treinamento Eireli, contratou a si mesmo para ser o Superintendente Assistencial do Hospital de Campanha, também recebendo remuneração mensal de R$ 15 mil.
De acordo com a denúncia, as auto-contratações foram ilegais, porque, além do evidente conflito de interesses, o Edital da Concorrência Pública proibia expressamente a realização, pela contratada (IBDS), de qualquer tipo de avença com pessoa jurídica ou instituição da qual faziam parte seus dirigentes e associados.
Além disso, não houve comprovação dos serviços prestados. A CGU constatou que as prestações de contas referentes aos meses de maio e junho de 2020, relativa aos pagamentos efetivados às firmas dos dois diretores do IBDS, não estava acompanhada de relatórios de atividades ou outros elementos comprobatórios que servissem à liquidação da despesa.
Para o MPF, as auto-contratações eram completamente desnecessárias, porque as atividades propostas nos dois contratos de fachada eram dispensáveis e perfeitamente executáveis por gerentes e diretores já contratados para a prestação de serviços na UPA e no Hospital de Campanha. “Aproveitaram-se, de forma vil, da situação de pandemia, que levou ao aumento considerável dos recursos destinados à execução do contrato de gestão do IBDS com o Município de Divinópolis, para aumentar seus próprios ganhos pessoais, através da estruturação de uma verdadeira associação criminosa especializada em, paralelamente a prestação de serviços hospitalares, desviar recursos públicos”, diz a denúncia.
Segundo ainda a denúncia, essa apropriação ilegal de recursos públicos, no período de 13/05/2020 a 18/11/2020, somou ao menos R$ 205 mil, configurando o crime de peculato (art. 312 do Código Penal).
Contrato de ambulância superfaturado – Outra irregularidade encontrada pelos investigadores consistiu em pagamentos superfaturados pela locação de uma ambulância do Tipo D [Unidade de Suporte Avançado] para o Hospital de Campanha de Divinópolis. Em 26 de março de 2020, o IBDS publicou edital para contratar empresa de locação de ambulância para atendimento e transporte de pacientes de alto risco em emergências pré-hospitalares e de transporte inter-hospitalar que necessitassem de cuidados médicos intensivos, com o respectivo condutor capacitado e treinado para a função. O edital foi publicado apenas no site do IBDS, com prazo de dois dias úteis para entrega das propostas pelos interessados.
Apesar do exíguo prazo, quatro empresas apresentaram propostas, sagrando-se vencedora a AATR Locação de Veículos Especiais Ltda, sediada em Belo Horizonte (MG). O IBDS celebrou, então, em 02 de abril de 2020, contrato de locação de duas ambulâncias no valor de R$ 70 mil mensais e prazo de quatro meses.
No entanto, auditoria da CGU constatou que a divulgação limitada do Edital nº 05/2020 e o prazo exíguo para a apresentação das propostas comerciais configuraram limitação à participação de interessados e descumprimento dos princípios constitucionais da publicidade e da impessoalidade. Além de inconsistências nas propostas apresentadas por duas participantes da licitação e confusão patrimonial entre as empresas pertencentes ao grupo vencedor do certame, os auditores também detectaram superfaturamento no valor contratado pelo IBDS.
Segundo a denúncia, o prejuízo causado aos cofres públicos federais com a contratação foi de ao menos R$ 182.430,00 (9 meses X R$ 20.270,00 – diferença apurada mensalmente por pagamento realizado).
Associação criminosa
A denúncia aponta que de atividade filantrópica (ou seja, sem fins lucrativos), nenhuma era, verdadeiramente, exercida pelo IBDS, demonstrando-se, isto sim, que houve a constituição/utilização dessa entidade justamente para burlar totalmente sua finalidade intrínseca de organização social, de modo a se executar uma atividade econômica altamente rentável, infringindo-se a contratação padrão de serviços públicos via processo seletivo competitivo, impedindo-se ainda a participação de diversos interessados e de modo mais econômico à administração pública.
Em relação a outras irregularidades apontadas pela CGU sobre a atuação do IBDS para operacionalização do hospital de campanha em Divinópolis, o MPF requisitou para a Polícia Federal que as investigações tenham desfecho em outros 15 inquéritos policiais apartados, no bojo dos quais deverão ser produzidas informações policiais que especifiquem o conteúdo das provas obtidas sobre a cada um dos contratos em análise.
Se condenados, os acusados, além das penas de prisão (dois a doze anos para o peculato e um a três anos para a associação criminosa), podem ter de reparar os danos patrimoniais e extra patrimoniais causados por suas condutas e pagar danos no valor equivalente ao dano material causado aos cofres da União.
CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO!
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips e não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.
No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.
Isso ocorre em todas as áreas da administração pública, como Educação, Cultura e Assistência Social. No meio desta pandemia, além do medo de se contaminar e contaminar assim os seus familiares, profissionais terceirizados enfrentam também a oferta despudorada de baixos salários, atrasos nos pagamentos, corte de direitos e falta de estrutura de trabalho.
É evidente que o saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS, das demais políticas públicas e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos!