Um caso tão triste quanto revoltante ilustra mais uma vez, às custa de mais uma vida, o quanto a terceirização da saúde pública é trágica para a população e para os cofres públicos.
A situação ocorreu em Praia Grande e deixou uma família despedaçada pela dor após a morte evitável de uma criança de apenas um ano. Laís Isabella da Silva morreu na UPA Samambaia, que integra o Complexo Hospitalar Irmã Dulce, comandado pela organização social Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM).
Ele teve várias paradas cardíacas após receber medicamentos na veia, segundo relata a mãe, que agora luta para obter o prontuário da criança e a responsabilização dos envolvidos. Nesse mesmo hospital, houve tempos atrás o relato de um falso médico contratado pela OS para atuar no período da pandemia. O profissional só foi preso porque uma das enfermeiras desconfiou e avisou as autoridades. Também já noticiamos aqui no Ataque aos Cofres Públicos várias outras denúncias de negligências e falhas no atendimento que lesaram pacientes ou até mesmo provocaram suas mortes.
Confira abaixo a matéria na íntegra do Jornal A Tribuna.
Bebê de 1 ano morre após receber remédio e ter cinco paradas cardíacas em Praia Grande
Quase um mês após celebrar o primeiro ano de vida, a pequena Laís Isabella da Silva foi vítima fatal de negligência médica. Isso é o que afirma a mãe dela, Raphaela Aparecida de Carvalho, de 22 anos, que procurou ajuda em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Praia Grande para a filha com febre e vômito, mas, em menos de cinco horas, saiu do local com a dor do luto.
Laís sofreu cinco paradas cardíacas após ser medicada na UPA do Samambaia. A mãe conta que na última sexta-feira (3), a filha amanheceu com um pouco de febre. Desta forma, Raphaela deu leite e dipirona para a bebê. “Ela vomitou, então eu dei Dramin (remédio para enjoo)”, relembra a jovem, dizendo que notou que Laís ficou sonolenta, pois nunca tinha tomado o medicamento.
Receosa com o estado da filha, Raphaela decidiu levar a criança na UPA durante a manhã. Ela conta que o pediatra examinou a bebê e disse que Laís ficaria sonolenta durante o dia inteiro por conta do Dramin. “Passou um remédio na coxa dela para enjoo e mal estar e me liberou, falou que ela estava ótima”, conta.
Porém, durante a noite, o sono da criança voltou a ser preocupação. “Tinha dado 22h e ela continuou sonolenta. Eu estava com medo porque não passava o efeito de remédio, que já fazia quase 12h que ela tinha tomado”. Sendo assim, Raphaela retornou à UPA.
No local, ela foi atendida por um médico que, segundo a mãe, sequer examinou a bebê. “Pegou o que eu tinha falado e o relatório da manhã e passou Decadron e mais dois remédios que não sei quais são”, afirma a mulher, que viu a criança receber a medicação pela veia. Ela diz que apesar de sonolenta, Laís estava ativa, chorava e resmungava, “Foi questão de 20 minutos que ela tomou esse remédio e começou a desfalecer no meu colo.
Assustada com a palidez da filha, que passou a ‘ficar mole’, Raphaela chamou uma enfermeira. “Ninguém percebeu, só eu. Se não fosse eu, ela teria uma parada cardíaca no meu colo, ia morrer no meu colo”, relembra a mãe, dizendo que o médico chegou para examinar a paciente após ser solicitado pela enfermeira. “Ele falou: ‘corre para a emergência e intuba’. Então eles entraram e não me deixaram ir”.
Sem notícias da filha, Raphaela foi procurada pelo médico somente duas horas depois. “Ele veio falando que minha filha já tinha tido três paradas cardíacas, que o estado era muito grave, e questionou se eu tinha derrubado ou se alguém tinha a chacoalhado com força”, relata a jovem. Ela respondeu que não e ouviu do pediatra que ele não sabia o motivo das paradas.
Por isso, o médico informou que faria um raio-x no peito da criança. “Daí ele voltou dizendo que ela estava com metade do pulmão totalmente corrompido, que um pulmão dela não funcionava mais e que era isso que estava causando as paradas, que podia ser uma pneumonia mal curada ou uma tuberculose”, relembra Raphaela, afirmando que a filha jamais teve pneumonia ou tuberculose.
Quando contou que a bebê nunca tinha tido sequer um sintoma gripal, o pediatra disse que em casos raros, as crianças não apresentam sintomas. Desta forma, a mãe pediu para ver a filha, mas a equipe médica negou até certo momento.
“Ele (médico) já sabia que ela ia morrer ali, pois me chamou falando: ‘vai lá ver, porque você não tem muito tempo’. Eu questionei como não tinha tempo e ele respondeu: ‘tempo para ficar dentro da emergência’. Não estava querendo falar, mas já sabia que ela ia morrer”.
Após duas horas, a mãe foi chamada pela chefe do plantão e as enfermeiras, que deram a notícia do falecimento na madrugada de sábado (4). “Fiquei sem acreditar. Falaram que ela teve mais duas paradas cardíacas, então foram cinco ao todo. Na última ela não aguentou”, desabafa Raphaela, que também é mãe de um menino de 7 anos e outra menina de 4.
Segundo Raphaela, a menina foi encaminhada ao Instituto Médico Legal (IML) e o exame mostrou que a bebê não estava com nenhum pulmão comprometido. “Estava perfeito”, afirma, contrariando a informação passada pelo médico momentos antes do falecimento da criança.
Apesar da declaração de óbito constar a causa da morte como suspeita de intoxicação exógena, o motivo ainda não foi confirmado. “Como é uma investigação complexa, foi para São Paulo e eu só vou ter o resultado entre 60 e 90 dias”, diz Raphaela, que tentará buscar ao menos o prontuário da criança.
O corpo foi liberado na tarde de segunda-feira (6) e o enterro aconteceu nesta terça (7), no Cemitério de Praia Grande. Agora, a família luta por justiça. “Eu não quero saber de dinheiro, quero só que ele (médico) saia de lá. Ele nem foi homem de falar comigo, saiu e não me deu a notícia”, finaliza, dizendo que teme por próximos pacientes.
Resposta
Procurada por A Tribuna, o Complexo de Saúde Irmã Dulce, do qual a UPA Samambaia faz parte,
informou que abriu sindicância interna para averiguar todos os fatos sobre o caso. “Os profissionais que atenderam a paciente serão chamados para esclarecer eventuais dúvidas em relação à conduta adotada”, diz a nota.A Secretaria de Saúde Pública (Sesap) de Praia Grande, por sua vez, afirmou que “ainda que está acompanhando o processo e se pronunciará ao final da sindicância”.
CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO!
Como se vê, terceirizar os serviços é fragilizar as políticas públicas, colocar a população em risco e desperdiçar recursos valiosos com ineficiência, má administração ou até má fé de entidades privadas.
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips e não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.
No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.
Embora seja mais visível na Saúde, isso ocorre em todas as áreas da administração pública, como Educação, Cultura e Assistência Social. O saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS, das demais políticas públicas e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos!