O Ministério Público de Birigui (SP) emitiu parecer pela procedência de ação popular movida contra o prefeito Leandro Maffeis (Republicanos), por ter nomeado Adrielle Correa das Chagas para o cargo em comissão de diretora de Terceiro Setor.
Na ação consta que ela seria pessoa anteriormente ligada à Organização Social de Saúde Beneficência Hospitalar de Cesário Lange (BHCL), atual gestora do pronto-socorro municipal, e ao Instituto São Miguel Arcanjo (ISMA), que antecedeu a BHCL.
Em manifestação feita na última quarta-feira (1), a 6ª Promotora de Justiça, Claudia Maria Bussolin Curtolo, quer que seja declarada nula a nomeação de Adrielle, por vício de forma, ilegalidade do objeto e desvio de finalidade.
Também quer que ela e o prefeito sejam condenados solidariamente a repararem os danos causados ao município e devolvam os valores pagos a ela pelo exercício do cargo, devidamente acrescidos de juros e correção monetária desde a data do desembolso.
Na ação foi anexada cópia da portaria da nomeação de Adrielle, que aconteceu em 16 de novembro de 2021. Também consta informação da Prefeitura, de que ela foi exonerada a pedido, em 7 de junho de 2022.
Conforme noticiou o Hojemais Araçatuba em 7 de janeiro de 2022, a nomeação de Adrielle foi assinada pelo prefeito uma semana antes de o município declarar a BHCL vencedora do chamamento público definitivo para gestão do pronto-socorro municipal.
Questionada na época, a administração municipal justificou que a contratação para o cargo em comissão, que não depende de concurso público, ocorreu após análise criteriosa do currículo dela, “que denota grande experiência na área de saúde no setor público”. E acrescentou: “Importante frisar que a servidora já ocupou cargo de secretária de Saúde em gestões de outro município”.
A Prefeitura informou ainda que Adrielle seria responsável pelo acompanhamento de prestações de contas das entidades do terceiro setor perante o Tribunal de Contas do Estado e pelos apontamentos de execução contratual a serem remetidos as Comissões de Fiscalização.
O município afirmou que Adrielle não atuaria como advogada da BHCL; que o cargo ocupado por ela havia ficado vago por mais de onze meses, diante da dificuldade em encontrar profissional com experiência em terceiro setor; e que ela moraria em Birigui.
No parecer, o MP cita que na portaria e no termo de posse não há qualquer descrição sobre as atribuições do cargo ou menção à lei que o institui. E em consulta à Lei Orgânica do Município, não foi encontrada referência à norma que institui o cargo e as respectivas atribuições.
Assim, para a Promotoria de Justiça, o ato de nomeação é inconstitucional e, consequentemente, “está eivado de vício de forma e há ilegalidade do objeto, devendo ser declarado nulo”.
Como não há a descrição das atribuições do cargo, o MP considera que não é possível concluir se ele se destina de fato a funções de Direção, Chefia e Assessoramento, ou mesmo se houve desvio de finalidade no ato administrativo de nomeação.
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Birigui informou por meio de nota da assessoria de imprensa que não recebeu nenhuma manifestação vinda no MP-SP a respeito do assunto citado. Segundo o município, em momento oportuno, após a intimação de qualquer decisão judicial, serão tomadas as medidas judiciais cabíveis.
“Na ocasião, ressaltamos que Administração Municipal, vem cumprindo de forma irrestrita os princípios inerentes à administração pública” , finaliza a nota.
MP constata desvio de finalidade em nomeação para o cargo
A Promotoria de Justiça de Birigui considera que houve desvio de finalidade por parte da administração municipal local, ao nomear Adrielle Correa das Chagas para o cargo em comissão de diretora de Terceiro Setor.
No parecer pela procedência da ação, a promotora de Justiça Claudia Maria Bussolin Curtolo argumenta que, presume-se que caberia a ela, dirigir as instituições do terceiro setor que atuam na área da saúde e fiscalizá-las.
“Logo, não é possível imaginar que a finalidade seria outra que não contribuir para direção e fiscalização da Gestão do pronto-socorro municipal, exercida pela Organização Social BHCL”, cita.
Desvio
Para a promotora, é possível observar o desvio de finalidade por ela não ser uma pessoa devidamente apropriada para o cargo. “… havia primordial interesse público para a Administração ter em seus quadros pessoa qualificada contribuindo para direção e fiscalização dos serviços prestados pela OS BHCL no pronto-socorro Municipal”.
Segundo o MP, ao contestar a ação o prefeito informou que não seria competência do cargo da diretora de Terceiro Setor, avaliar e monitorar os serviços prestados pela BHCL ou aprovar suas contas.
Comissão
Segundo Leando Maffeis, para esse fim foi criada em 22 de novembro de 2021, três dias após Adrielle assumir o cargo, uma Comissão Especial, da qual ela não fazia parte. A essa comissão caberia avaliar e monitorar os serviços prestados pela BHCL.
“Se um cargo criado, sem atribuição expressa, não pode fazer aquilo que se presume do seu próprio nome, ou da latente necessidade pública do momento (problemas no pronto-socorro que justificaram sucessivas contratações emergenciais de Organizações Sociais), então não resta outra conclusão a não ser o desvio de finalidade”, consta no parecer do MP.
E acrescenta: “Afinal, gastar dinheiro público para contratar, sem concurso público, pessoa cujo conhecimento não será aproveitado para auxiliar na solução do problema público, o que se pode concluir?”.
Para o MP, apesar de o preenchimento de cargo em comissão ser de livre nomeação, o Direito Administrativo impõe limites na atuação do Chefe do Executivo através dos princípios da supremacia do interesse público e da razoabilidade.
Momento exigia nomeação de pessoa que conhecesse a realidade local
Para o Ministério Público, a Prefeitura cometeu desvio de finalidade ao nomear Adrielle Correa das Chagas para o cargo em comissão de diretora de Terceiro Setor, também por ela não ser a pessoa apropriada para o cargo, seja por não ter formação profissional para tal função e por não conhecer a realidade do município.
No parecer pela procedência da ação popular, a Promotoria de Justiça cita que a nomeação para o referido cargo ocorreu em meio ao contexto da “Operação Raio-X” , que resultou na denúncia criminal contra 48 pessoas por esquema de desvio de verba da Saúde justamente a partir de organizações sociais em Birigui.
Essa situação seria um dos argumentos para as contratações emergenciais, com dispensa de licitação, tanto do Isma (janeiro a agosto de 2021) como da BHCL (agosto 2021 em diante), para gerir o pronto-socorro de Birigui. E essas contratações emergenciais resultaram em duas CPs (Comissões Processantes) na Câmara de Birigui por suspeita de irregularidades.
“Diante dos fatos supra, era razoável contratar para o cargo de diretora de Terceiro Setor da Saúde uma jovem de 27 anos, que não conhece a realidade local, desconhecida pela população e pelos servidores do município, sem experiência na carteira de trabalho, sem formação na área da Saúde, com pouca experiência como advogada, para lidar com a gestão da Saúde em meio à pandemia da covid-19, mais precisamente, para atuar no Terceiro Setor, o qual foi vítima do complexo esquema de corrupção revelado pela operação Raio-X? Creio que a resposta seja não”, cita.
Experiência
O Ministério Público considera que mesmo que Adrielle tenha atuado como secretária de Saúde do Município de Pereiras por 1 ano e 2 meses, tratam-se de realidades muito diferentes, já que Pereiras tem 8.775 habitantes, ante pouco mais de 120 mil de Birigui.
“Além disso, como citamos acima, Adrielle sequer poderia ser Secretária de Saúde em Birigui, já que não possui curso superior na área da Saúde. Por fim, em atenção aos interesses e anseios públicos, profundamente lesados por Organizações Sociais da Saúde (operação Raio-X), não se mostra nada razoável escolher como diretora do Terceiro Setor pessoa ligada profissionalmente à Organização Social da Saúde que gerencia o Pronto Socorro Municipal” , cita o parecer.
Imoralidade
“Dada máxima vênia, esse ato representa significativo risco de violação aos princípios da moralidade, impessoalidade e eficiência administrativa, comprometendo a necessária isenção entre Fiscalizador e Fiscalizado”, acrescenta.
Para o Ministério Público, é difícil imaginar o homem, de conhecimento médio, fazendo escolha semelhante para gerir empresa privada, colocando em risco apenas o seu patrimônio. “Mais difícil ainda é concordar que tal escolha seja feita pelo Chefe do Poder Executivo Municipal, colocando em risco a saúde e o patrimônio públicos”.
E justifica que a própria Adrielle teria admitido que não teria experiência para estar no cargo, durante reunião para tratar de irregularidades na documentação de prestação de contas do Terceiro Setor na Secretaria da Saúde.
“Portanto, seja por tirar do Cargo atribuição própria dele (dirigir e fiscalizar a BHCL), seja por escolher Adrielle, apesar de claramente estar despreparada e suspeita para cumprir as finalidades da função, fica evidente que o Prefeito municipal agiu com desvio de finalidade, nos termos do art. 2º da Lei nº 4.717/65”.
Confiança
Por fim, o Ministério Público cita que é necessário que o nomeado para o cargo em comissão tenha vínculo de confiança com o nomeante, não bastando que a função seja de Direção, Chefia e Assessoramento. O órgão argumenta que no caso, o prefeito e Adrielle não apresentaram qualquer fundamento ou prova da existência de relação de confiança entre eles a justificar a nomeação para o cargo de Diretora do Terceiro Setor.
CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO!
Como se vê, terceirizar os serviços é fragilizar as políticas públicas, colocar a população em risco e desperdiçar recursos valiosos com ineficiência, má administração ou até má fé de entidades privadas.
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips e não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.
Embora seja mais visível na Saúde, isso ocorre em todas as áreas da administração pública, como Educação, Cultura e Assistência Social. O saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS, das demais políticas públicas e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos!