A imprensa repercutiu nos últimos dias o caso da Prefeitura de Saquarema, na Região dos Lagos (RJ), que fechou contratos milionários para um programa educacional do município com empresas ligadas a um dos diretores do projeto.
A terceirização para uma organização social, que por sua vez contratou outras empresas, quarteirizando o serviço, visa promover aulas de reforço e atividades extracurriculares para os alunos da rede municipal. A iniciativa acontece por meio do Programa é o “Conexão do Futuro”, que prevê gastar R$ 326 milhões. Abaixo segue a transcrição de trechos da matéria, que foi ao ar no telejornal RJ1, da TV Globo.
Antes de ocupar o cargo na Prefeitura de Saquarema, o atual diretor do “Conexão do Futuro”, Lucas Amorim Floriano, teve uma empresa contratada pelo programa – que desde dezembro do ano passado é gerido por ele.
Além disso, outras duas empresas que também receberam dinheiro público através do “Conexão do Futuro” funcionam na casa da sogra de Lucas. Procurado pelo RJ1, ele negou qualquer irregularidade.
Como funcionário público, Lucas ganha salário de R$ 10 mil e participou da expansão do “Conexão do Futuro”. Ele foi o responsável por lançar o edital para escolher a organização social (OS) que iria administrar o projeto.
O chamamento público contou com a participação de apenas uma Organização Social (O.S.) interessada, que levou o contrato de R$ 326 milhões: o Instituto de Desenvolvimento, Pesquisa e Inovação, o IDPI.
De acordo com o edital, o objetivo do contrato é “a implantação física, gestão educacional, administrativa e manutenção de Espaços para implantação do Programa Conexão do Futuro, localizados nas escolas da rede municipal de ensino, com a aquisição, montagem e instalação de espaços físicos e equipamentos necessários para oferecer atividades voltadas para Robótica, Linguagem de Programação, Games, de Idiomas, Dança e Esportes”.
O edital dizia ainda que “será objeto do Termo, ainda, a oferta de atividades, no contraturno, de Idiomas, Dança, e Esportes, conforme especificações e detalhamentos constantes no Plano de Trabalho”.
Novas empresas com contratos milionários
Depois de vencer a disputa solitária, o IDPI saiu em busca de contratar empresas para fornecer os serviços para os alunos, como as aulas e os materiais didáticos.A partir daí, o que se vê é mais do mesmo: empresas recém-criadas, que ganham verdadeiras boladas, logo depois de saírem do papel. E que funcionam em endereços residenciais.
Uma casa na Rua Professor Valdir Francisco Lima, no bairro Boqueirão, em Saquarema, é a sede de duas empresas subcontratadas pelo IDPI que juntas já ganharam R$ 20 milhões em contratos com o “Conexão do Futuro”.
Lucas Amorim Floriano, atual gestor do “Conexao do Futuro”, já morou na residência. Atualmente quem mora lá é a sogra dele, que foi encontrada pela reportagem do RJ1.
Repórter: “Aqui que funciona a Pride Esportes e a Triggo?”.
Sogra de Lucas: “É”.
Repórter: “A gente está fazendo uma reportagem sobre o Conexão do Futuro e queria dar uma palavrinha com os donos”.
Sogra do Lucas: “Ele não está no momento”.
Repórter: “Quem é o dono?”.
Sogra de Lucas: “Não, tô dizendo… meu genro é quem faz a entrevista, mas ele não tá no momento”.
Uma das empresas com sede declarada na casa da sogra de Lucas é a Triggo Alimentos Limitada.Ela foi criada no dia 28 de julho deste ano. Depois de 21 dias, a empresa foi contratada pelo IDPI para servir mais de 500 mil lanches aos alunos, com preço unitário de R$ 18. Um contrato – com dinheiro público – de mais de R$ 9 milhões.
A Triggo está no nome de Marcus Vinicius Coelho, que é amigo de Lucas.
Na mesma casa, também está registrada a Pride Esportes Limitada, que ganhou dois contratos no “Conexão do Futuro”.
Um deles, de R$ 12 milhões, para dar aulas de jiu jitsu por dois anos. Nenhuma outra empresa ofereceu proposta para concorrer com a Pride.
A data da proposta foi 8 de agosto deste ano. Quando a empresa fechou o contrato milionário, tinha apenas 8 dias de existência. A ficha na Receita Federal registra a abertura da Pride em 31 de julho.
Ex-empresa de diretor ganhou contrato
Apesar de ter sido expandido este ano, o “Conexão do Futuro” já existia desde 2022. Na primeira etapa do programa, uma outra empresa chamada Pride Esportes Limitada tinha sido contratada. Com o mesmo nome, mas outro CNPJ, que é o cadastro das empresas na Receita Federal.Quem enviou a proposta ao IDPI em 22 de agosto de 2022 foi o próprio Lucas Amorim Floriano, antes de ocupar o cargo de diretor do “Conexão do Futuro”.
Por R$ 408 mil, a empresa do futuro diretor do “Conexão do Futuro” ofereceu aulas de artes marciais ao programa por dez meses. O problema é que as empresas só foram convidadas a participar da disputa pelo contrato no dia 20 de setembro, ou seja, um mês depois.
E somente a Pride Esportes Limitada participou da concorrência.
Isso quer dizer que Lucas fez a proposta para disputar o contrato antes mesmo de o “Conexão do Futuro” procurar as empresas interessadas.
Quem atendeu a equipe do RJ1 na casa onde Lucas morava é Angela Maria de Oliveira Santos, sogra dele. Atualmente ela figura como dona da empresa pela qual Lucas apresentou uma proposta e ganhou um contrato com o “Conexão do Futuro”.
Repórter: “A nossa dúvida é que essas empresas foram criadas dias antes de ganhar contratos no Conexão do Futuro. Então a gente queria entender como que, em tão pouco tempo, a senhora ficou sabendo desses contratos, e foi a única a participar das concorrências”.
Sogra de Lucas: “Acho que não fui a única, não. Posso te explicar melhor, mas agora não posso te atender”.Laços de família
As empresas que têm sede na casa da sogra do diretor do programa “Conexão do Futuro” foram contratadas pelo Instituto de Desenvolvimento, Pesquisa e Inovação, o IDPI. E quem assina os contratos é Antônio Peres, secretário municipal de Educação de Saquarema. Em tese, ele não poderia assinar o documento.Ex-prefeito de Saquarema, Peres foi condenado em primeira instância por improbidade administrativa, em julho deste ano, à perda dos direitos políticos por 12 anos.
CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO!
Como se vê, terceirizar os serviços é fragilizar as políticas públicas, colocar a população em risco e desperdiçar recursos valiosos com ineficiência, má administração ou até má fé de entidades privadas.
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips e não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.
Embora seja mais visível na Saúde, isso ocorre em todas as áreas da administração pública, como Educação, Cultura e Assistência Social. O saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS, das demais políticas públicas e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos!