No dia 26 de junho último, a Segunda Câmara do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) rejeitou embargo de declaração (tipo de recurso) da Fundação São Francisco Xavier (FSFX), no processo que julgou irregular a privatização do Hospital de Cubatão.
O processo trata dos contratos considerados irregulares entre a Prefeitura Municipal de Cubatão e a FSFX para a concessão administrativa de uso de bens públicos imóveis do Município, destinados ao Hospital Municipal de Cubatão e à Secretaria Municipal de Saúde, nos valores de R$102 milhões e R$ 9,3 milhões.
A privatização do Hospital Doutor Luiz Camargo da Fonseca e Silva ocorreu com dispensa de licitação durante o governo Ademário Oliveira e gestão da secretária de Saúde Andréa Pinheiro Lima.
A Fundação ingressou com embargos de Declaração contra um acórdão também da Segunda Câmara do TCE-SP, publicado em 2 de maio deste ano, que julgou procedente a representação do Ministério Público de Contas e irregulares a inexegibilidade de licitação e os contratos, acionando o disposto no artigo 2º, incisos XV e XXVII, da Lei Complementar nº 709/93 e aplicando multas individuais no valor de 500 UFESPs aos responsáveis.
Abaixo transcrevemos alguns trechos do relatório e voto do conselheiro-substituto Valdenir Antonio Polizeli para melhor elucidar o tamanho do prejuízo à saúde de Cubatão e aos cofres públicos.
“Também foi apontado pela decisão a celebração de nove aditivos aos ajustes, tratando de acréscimos e supressões de serviços e da prorrogação de prazo, os quais, contudo, não foram encaminhados ao Tribunal pela Origem. O decreto de irregularidade, baseado em relatórios da Fiscalização, pareceres da assessoria especializada de ATJ e do Ministério Público de Contas, teve como fundamentos as seguintes questões: (a) injustificado desrespeito à decisão judicial que havia impedido o Município de praticar ato de administração no Hospital Municipal Doutor Luiz de Camargo da Fonseca e Silva; (b) concessão de uso de bens imóveis públicos do único hospital público do Município, por meio de dispensa de licitação, com base em lei local de duvidosa constitucionalidade, (c) promulgação de lei local que instituiu nova hipótese de dispensa licitatória, em usurpação à competência privativa da União, de legislar sobre normas de licitação e contratação; (d) transferência à entidade privada não apenas da gestão do hospital, mas da integralidade da prestação dos serviços públicos de saúde, em afronta ao regime de complementaridade dos serviços privados de saúde, nos termos do art. 199, § 1º, da CF/1988, permitindo, ainda, que a fundação utilizasse só “60%” da capacidade hospitalar para atendimento dos usuários do sistema público de saúde, mesmo sabendo tratar-se de único equipamento público de saúde do Município; (e) criação de situação artificial para adesão do hospital ao Programa de Reestruturação e Contratualização dos Hospitais Filantrópicos no Sistema Único de Saúde, e para a hipótese de inviabilidade de competição, em virtude da irregular concessão de uso, com o fito de justificar a contratação direta da FSFX, por inexigibilidade de licitação, para prestação dos serviços de saúde no hospital, (f) ajustes carentes de transparência quanto à composição de seus custos, dada a falta de detalhamento dos investimentos a serem realizados pela concessionária, e, bem assim, pela ausência de memoriais descritivos, planilhas orçamentárias com indicação das fontes dos valores dos bens e dos serviços, ou mesmo pesquisa de preços para justificar o valor estimado; pela falta de documentos para comprovar os investimentos efetivamente realizados pela concessionária, e, por fim, pela falta de clareza dos critérios adotados para o cálculo do IAC – Incentivo de Adesão à Contratualização -, no valor de R$ 102.000.000,00, cujo montante excedeu em R$ 74.447.124,00 o limite de 50% fixado pelo art. 3º da Portaria nº 2.035/2013 do Ministério da Saúde, com o risco de que a Fundação tenha sido remunerada por valores superiores aos custos efetivamente incorridos, como apontou a ATJ; (g) celebração de contratos com entidade ligada à grupo econômico (Uniminas) que apresentava, à época, débito perante o Município, com indícios de direcionamento e possível falibilidade da compensação financeira, em prejuízo à lisura dos ajustes e aos vetores da isonomia e moralidade.”
Nas suas argumentações recursais a FSFX diz que o Tribunal se equivoca ao apontar que a Usiminas teria interesse econômico na contratação, dada a possibilidade de se valer da FSFX (seu braço social) para intermediar a compensação financeira a que estava obrigada por força de decisão da Justiça do Trabalho.
Em seu voto o conselheiro frisa:
“Ainda que se trate de decisão discricionária da Administração, e a concessão de uso, em certo ângulo, expresse convergência de interesses público e privado, e que, igualmente, fosse possível acolher as justificativas da municipalidade para o uso desse instituto jurídico, a principal irregularidade da concessão está no fato de que o contrato deveria, obrigatoriamente, ter sido precedido de licitação pública, por força do mandamento insculpido no art. 37, XXI, da Constituição da República, e do disposto no art. 2º, da Lei nº 8.666/1993, e do postulado fundamental da isonomia, posto que o bem concedido não se enquadra nas hipóteses de exceção listadas no art. 17, inciso I, e suas alíneas ‘a’ a ‘i’.
Já no que toca ao subsequente contrato de prestação de serviços, que é, de fato, o ajuste principal, já que a concessão não passa de mero contrato acessório no plano arquitetado pela municipalidade, como assinalado pela d. Procuradora de Contas, o que se viu foi uma simulação de inviabilidade de competição, objetivando dar aparência de legalidade à supressão da licitação, e, assim, dar ensejo à contratação da mesma entidade. Ocorre que essa situação forçada não tem fundamento no art. 25, caput, da Lei 8.666/1993. Nem se diga que a Lei Municipal nº 3.848, de 10 de outubro de 2017, que inseriu nova modalidade de afastamento de licitação em âmbito local (discrepante das hipóteses da lei então vigente – Lei 8.666/1993), dá fundamento e validade à concessão administrativa.”
CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO!
Como se vê, terceirizar ou privatizar os serviços é fragilizar as políticas públicas, colocar a população em risco e desperdiçar recursos valiosos com ineficiência, má administração ou até má fé de entidades privadas.
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, fundações, organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips e não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.
Embora seja mais visível na Saúde, isso ocorre em todas as áreas da administração pública, como Educação, Cultura e Assistência Social. O saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS, das demais políticas públicas e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos!