SINDICATO DOS MÉDICOS NO ESTADÃO: MODELO DE OSs COMPROMETEM QUALIDADE DE ATENDIMENTO E A SEGURANÇA DE PACIENTES

SINDICATO DOS MÉDICOS NO ESTADÃO: MODELO DE OSs COMPROMETEM QUALIDADE DE ATENDIMENTO E A SEGURANÇA DE PACIENTES

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A escalada no noticiário de casos de erros, negligência e muita precarização nos serviços de urgência e emergência gerenciados por organizações sociais (OSs) levou o Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp) a fazer um alerta em forma de artigo no Jornal O Estado de S. Paulo.

Augusto Ribeiro, presidente do Simesp, detalha os riscos desse tipo de terceirização para essa política pública tão essencial para os brasileiros cujo acesso universal e de qualidade está assegurado na Constituição Federal. Abaixo reproduzimos o texto na íntegra:

Terceirização da gestão hospitalar: eficiência ou ameaça à qualidade da saúde pública?

A busca por eficiência administrativa não pode significar precarização do trabalho e risco para os pacientes

Por Augusto Ribeiro
12/11/2025

No final de maio, os profissionais da saúde se surpreenderam com o anúncio do governo do Estado de São Paulo sobre a privatização de três grandes hospitais públicos de referência em atendimentos de alta complexidade: Ipiranga, Heliópolis e Darcy Vargas. Se nada for feito, esses serviços passarão a ser administrados por organizações sociais (OSs). Apesar da surpresa, esse movimento ultrapassa os mandatos políticos, existindo desde a década de 80, tendo, nos últimos anos, avançado significativamente.

De acordo com levantamento do Sindicato dos Médicos de São Paulo (Simesp), realizado em junho de 2025, dos 42 hospitais estaduais na capital e Grande São Paulo, 81% já passam pelas mãos das entidades que se intitulam “filantrópicas”. A justificativa desse repasse de responsabilidade é a busca por eficiência administrativa e racionalização dos gastos, quando, na prática, é o total oposto.

Esse modelo traz efeitos colaterais preocupantes, que comprometem a qualidade do atendimento e a segurança dos pacientes. A escolha do governo por OSs ocorre com base em licitação, na qual quem oferece os mesmos serviços ao menor preço leva o contrato, desconsiderando aspectos técnicos essenciais para o atendimento digno à população, principalmente em serviços de alta complexidade, caso dos hospitais que estão sendo privatizados.

O resultado é a substituição de equipes estáveis e especializadas por profissionais quarteirizados contratados de forma precária, com vínculos frágeis e sem condições adequadas de trabalho. Esse modelo viabiliza a alta rotatividade de profissionais, perda de talentos e ausência de equipes qualificadas, fundamentais para a segurança e eficiência no cuidado aos pacientes.

Em hospitais que atuam na linha de frente de casos graves, esse cenário é ainda pior. A falta de uma política que priorize qualificação e estabilidade abre espaço para práticas inadequadas, como a contratação de médicos recém-formados sem a necessária especialização ou supervisão para atendimentos de alta complexidade. Esses profissionais acumulam funções sem suporte, aumentando o risco de erros e comprometendo a segurança assistencial. Vale pontuar que a responsabilidade não deve recair sobre as equipes médicas, mas sobre a má gestão que prioriza a suposta redução de custos em detrimento da qualidade.

Estudo produzido pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) de São Paulo, que compara a gestão da saúde pública por organizações sociais ao sistema de administração direta apurou, por exemplo, que os custos das OSs são mais altos, os doentes ficam mais tempo sozinhos nos leitos, a taxa de mortalidade geral é maior e há uma ampliação da desigualdade salarial entre os trabalhadores — enquanto os chefes ganham acima da média, os escalões inferiores recebem salários menores do que seus pares dos hospitais geridos pelo Estado.

Além disso, os hospitais analisados custam R$ 60 milhões a mais nas mãos das OSs do que nas gestões diretas — uma variação de 38,5% menos eficaz. Outro dado do estudo aponta que o custo do leito por ano nas OSs foi 17,6% maior do que nos hospitais de administração pública.

Casos emblemáticos já evidenciam as consequências desse modelo. Um estudo, publicado no The Brazilian Journal of Infectious Diseases, sobre a gestão de leitos de UTI do Instituto de Infectologia Emílio Ribas (IIER), durante a pandemia, apontou o dobro do risco de morte nos leitos terceirizados, quando comparados ao grupo de pacientes internados na UTI própria da instituição. Além disso, houve uso cinco vezes maior de tratamentos ineficazes, como a hidroxicloroquina, na UTI terceirizada, revelando falhas graves na condução clínica e na supervisão das equipes.

Outro aspecto preocupante é a precarização das condições de trabalho dos profissionais da saúde. A terceirização fragmenta carreiras e dificulta vínculos duradouros, afetando a qualidade do atendimento. Estudo publicado na revista Trabalho, Educação e Saúde mostra que a ampliação da gestão privada no setor público afeta diretamente as relações de trabalho, levando à maior rotatividade, menor qualificação e descontinuidade no atendimento. A ausência de mecanismos eficazes de fiscalização também agrava o problema, criando uma espécie de “caixa-preta” na gestão dos recursos públicos e comprometendo a transparência.

Mesmo diante dessa realidade, o modelo de gestão via OSs continua sendo ampliado, não somente no Estado de São Paulo, mas está servindo de modelo para outras gestões estaduais, como o Rio de Janeiro. Em São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas foi intimado a comparecer a audiência pública no Ministério Público do Trabalho, no final de junho, para comunicar o que deve acontecer com os servidores concursados que trabalham nos três hospitais com anúncio de privatização. Ele não compareceu, sequer mandou representante, o que demonstra não somente o descaso com os servidores, mas a falta de empenho em dialogar com a categoria.

A busca por eficiência administrativa não pode significar precarização do trabalho e risco para os pacientes. Cabe aos gestores, profissionais da saúde e à sociedade civil exigir que a qualidade da assistência e a segurança dos pacientes sejam os norteadores dos serviços públicos — e não apenas o menor custo que, na prática, não se sustenta. A vida humana deve ser sempre o parâmetro maior para qualquer decisão administrativa.