“OSs: A FRAGILIDADE DOS ÓRGÃOS DE CONTROLE”

“OSs: A FRAGILIDADE DOS ÓRGÃOS DE CONTROLE”

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Abaixo reproduzimos um artigo muito bem escrito por Cileide Alves e publicado no jornal O Popular, de Goiás, no último dia 17.

OSs: a fragilidade dos órgãos de controle

Machado de Assis, no Conto de Escola, de 1884, narra o aprendizado de uma criança sobre corrupção e delação. Raimundo, filho do professor, ofereceu ao colega Pilar, uma moeda em troca de lições de sintaxe.

Curvelo testemunhou o negócio e denunciou os dois ao mestre, que os castigou violentamente com doze bolos de palmatória cada. No final do conto, Pilar resume seu aprendizado: “(…) foram eles, Raimundo e Curvelo, que me deram o primeiro conhecimento, um da corrupção, outro da delação”.

Raimundo corrompe; Pilar se deixa corromper, personagens presentes nas infinitas histórias de que se tem notícia desde tempos remotos. O senso comum que localiza no público a origem dos problemas, equivocado, como se percebe na história machadiana, embasou as teorias (também do senso comum) de que a substituição de empresas públicas por similares da iniciativa privada ou a terceirização de gestões para organizações sociais (OSs) daria mais eficiência ao gasto estatal e garantiria a melhora na qualidade dos serviço à população. Afinal, a corrupção está no público e não no privado.

As notícias desta semana sobre a contratação do Instituto Sócrates Guanaes (ISG) para administrar emergencialmente o Hospital de Urgência de Goiânia (Hugo), apesar de sua condenação pelo TCE da Bahia, o pedido de demissão do secretário Municipal de Mobilidade, Horácio Melo, por descontentamento com um edital de licitação para contratação de empresas de radares eletrônicos pela prefeitura de Goiânia, além da instalação da Comissão Especial de Inquérito (CEI) para investigar a Comurg reúnem elementos que fogem à compreensão do senso comum sobre a ocorrência de corrupção.

Suspeitas de irregularidades em OSs que administram unidades públicas de saúde em Goiás não são exclusividades do governo do PSDB nem do atual. As denúncias pipocaram na época de Marconi Perillo (PSDB) como continuam a surgir na era de Ronaldo Caiado (UB). A gestão privada das unidades de saúde começou no governo tucano e se expandiu a partir de 2011. Sob argumento de que havia burocracia para compra de medicamentos e de piora no atendimento à população, o Hugo saiu das mãos do Estado em 2012.

O Hospital Geral de Goiânia (HGG) já estava sob administração do Instituto de Desenvolvimento Tecnológico e Humano (Idetch) desde o ano anterior. A partir de então, uma a uma todas as unidades saíram do controle estatal para o privado. À medida que as OSs ocuparam mais espaço, estratagemas novos surgiram, como a contratação de empresas terceirizadas pelas OSs, caso do Instituto Brasileiro de Gestão Compartilhada (IBGC), investigado atualmente pela Polícia Civil.

O mais curioso no caso revelado nesta semana é que o Instituto Sócrates Guanaes foi contratado para administrar o Hugo apesar da lei aprovada em dezembro e proposta pelo governo Caiado para tornar mais eficazes os critérios de qualificação de uma OS. Nem a lei nem os instrumentos de inteligência da Secretaria de Saúde, criados na reforma administrativa de fevereiro último, cumpriram esse papel.

O caso do lixo e dos radares eletrônicos é repetitivo. A limpeza urbana de Goiânia foi privatizada na década de 1970 para a Enterpa, adquirida posteriormente pela Qualix. Em 2005, diante de uma crise na qualidade do serviço, o então prefeito Iris Rezende municipalizou a limpeza e a coleta e fortaleceu a Comurg, a mesma que agora a prefeitura diz não ter condições de prestar bem o serviço e que, por esse motivo, será parcialmente privatizado pela atual gestão.

Igualmente são recorrentes denúncias de irregularidades nas contratações de radares eletrônicos para fiscalização de motoristas infratores. A fonte dos problemas, pelo que se vê, não são unicamente os agentes e os órgãos públicos, mas os patrocinadores de interesses privados que povoam os órgãos, públicos ou não, onde podem tirar vantagens pessoais.

E não adianta apontar que a corrupção só existe no governo do outro. Esses esquemas se autorreproduzem favorecidos pela ineficiência dos órgãos de controle, como os Tribunais de Contas que raramente aparecem como seus denunciantes, das investigações mal conduzidas e politizadas que terminam sem reunir provas e pela impunidade.

Diferentemente do Pilar de Machado de Assis, os personagens reais da corrupção não aprendem com a experiência própria. E os órgãos de controle do Estado, que deveriam ser os guardiões do interesse público, aprendem menos ainda.

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