Nesta sexta (23), a Revista Veja antecipou em mídia digital a reportagem destaque da semana que aborda com detalhes da ligação entre a organização social Pró-Saúde e atividades espúrias e prejudiciais aos cofres públicos por meio da terceirização da saúde.
Abaixo reproduziremos na íntegra a matéria do jornalista Ricardo Ferraz, que também pode ser lida diretamente na página da revista aqui.
Como padre, Wagner Portugal, 49 anos, escalou a hierarquia da Igreja Católica ao demonstrar rara capacidade para administrar as verbas das paróquias por onde passou em sua trajetória de mais de uma década ao púlpito. Assim, lançando mão da notória simpatia, foi se aproximando da alta cúpula do clero brasileiro. Mas logo tomou um tombo, tamanho era seu apetite no campo dos negócios. Isso acabou irritando seus superiores, e o caso foi parar à mesa do Vaticano, que o expulsou do sacerdócio em 2017. Os laços com a cúria, porém, nunca cessaram — a ponto de o ex-pároco assumir o comando da Pró-Saúde, uma das grandes organizações sociais (OS) dedicadas à administração de hospitais públicos, que conta com padres e bispos eméritos em sua diretoria estatutária.
No posto, Portugal costuma alardear que aquela é sua “catedral”. Os primeiros problemas em sua gestão vieram à tona em 2019, quando o então CEO assinou um acordo de delação premiada no âmbito da Operação Lava-Jato, admitindo participação em um esquema de pagamento de propina no valor de 52 milhões de reais para obter contratos no Rio de Janeiro.
Pois aquilo era só a ponta de um dreno de dinheiro do Estado brasileiro bem mais abrangente, um enredo agora trazido à luz depois de vasta investigação.
A artilharia contra Portugal começou com denúncias de ex-funcionários que o acusam de se apossar de recursos da OS para sustentar uma vida de regalias, com carros de luxo, motoristas à disposição e jantares regados a Brunellos di Montalcino. Até o salário de empregados das fazendas de sua família seriam pagos com recursos desviados do caixa abastecido por verbas públicas.
Em 2021, o caso foi encaminhado ao Ministério Público Federal do Rio, depois enviado à alçada de São Paulo, e levou ao afastamento do executivo. O inquérito acabaria sendo arquivado por falta de provas, e Portugal, que afirma estar tudo esclarecido e agir conforme a lei, retornou ao cargo. A volta do assunto aos holofotes se dá agora com o pedido de recuperação judicial da Pró-Saúde na Justiça de São Paulo, no fim de maio. O rombo da OS é de 1,6 bilhão de reais, fruto, segundo a organização, de calotes em série por parte de estados e municípios.
Mas as condenações por improbidade administrativa em passado recente, somadas a um conjunto de documentos internos obtido por VEJA, revelam que o buraco financeiro em que se meteu a OS tem raízes em um extenso roteiro de mau uso do dinheiro. Uma análise dos contratos entre a Pró-Saúde e fornecedores de insumos hospitalares mostra que a organização selava acordos impondo um pedágio: ele consistia em uma cláusula que obrigava as empresas a conceder descontos entre 5% e 10% sobre a tabela de preços adotada pelo SUS (veja trecho do documento). “A gente emitia nota fiscal com o preço cheio, que era repassado para as secretarias de Saúde sem que o abatimento fosse registrado. Funcionava como uma espécie de caixa dois”, explica Frederico Aurélio Bispo, diretor-executivo do grupo Síntese, que fornecia próteses para a OS e hoje pena para reaver uma dívida de 6 milhões de reais. A VEJA, a PróSaúde diz que tal desconto “era convertido diretamente para o benefício das próprias unidades de saúde”.
DÍVIDA - Ação de improbidade: 14,5 milhões devem ser devolvidos a hospital (./.)
Enquanto essas tratativas transcorriam nos bastidores, há indícios de que uma ala de funcionários da Pró-Saúde se beneficiava delas. Em Santarém, no Pará, o MP investiga suspeita de enriquecimento de figuras que integravam a folha de pagamento, mas não moravam na cidade. Não era, porém, todo mundo que se dava bem. No Tocantins, a organização foi condenada em primeira instância a devolver 13,5 milhões de reais aos cofres estaduais, embora o fosso seja bem maior — ali, como em outros estados, médicos, funcionários e empresas brigam na Justiça para conseguir o que lhes é devido.
O declínio da Pró-Saúde já se anunciava em dezembro de 2022, quando a OS continuava a declarar saldo positivo em caixa no valor de 569.000 reais. Estar no azul, como se sabe, é pré requisito para participar de licitações e firmar contratos com o poder público. No papel, estava tudo certo. Documentos da própria organização, no entanto, põem o fato em xeque. Em outubro de 2020, um ex-diretor financeiro denunciou, no canal de integridade da instituição, que a conta andava negativa em mais de 34 milhões de reais e que a senha bancária em seu nome era utilizada indevidamente, mesmo após seu desligamento. Segundo ele, as diferenças eram cobertas com o uso do dinheiro público, por meio de malabarismos contábeis.
Apesar do alerta, a auditoria interna concluiu que não havia irregularidades no balanço. Em sua defesa, a Pró-Saúde sustenta que “não atravessa uma operação deficitária e que divulgou demonstrações financeiras em que apresenta valores de crédito a receber”.
Nos tribunais, a Pró-Saúde argumenta que o desequilíbrio é fruto do aumento dos gastos em razão da pandemia. Mas MPs em estados nos quais a OS atua já apontavam inconsistências bem antes. Um exemplo vem do Pará, onde uma ação de improbidade administrativa gira em torno do Hospital Galileu, em Belém. Segundo os promotores, os diretores da organização empregavam as verbas de lá para comprar bens pessoais, como celulares.
Ainda de acordo o MP, aditamentos de contratos com o objetivo de cobrar por serviços já previstos no acordo inicial, gerando duplicidade, era “prática corriqueira”. O órgão diz também que a instituição concedia empréstimos a outros hospitais administrados pelo grupo sem cobrar juros ou exigir garantias. No total, conforme a ação, o prejuízo aí soma 14,5 milhões de reais, em valores não
corrigidos.Condenada em primeira instância, a Pró-Saúde recorreu e tentou, sem sucesso, derrubar a decisão por dezenove vezes, mas o convênio acabou desfeito no Pará. O último relatório informa que a OS administra hoje dezesseis unidades em seis estados. Mesmo que o processo de recuperação judicial siga adiante, dificilmente todos os compromissos serão honrados, avaliam as autoridades. “A conta vai acabar ficando para o Estado brasileiro”, lamenta o promotor Sávio Brabo. Enquanto isso, a população continua penando com serviços precários, filas intermináveis e o desrespeito àqueles que precisam de socorro.
PRÓ-SAÚDE EM SANTOS E EM OUTROS MUNICÍPIOS
Em Santos a OS continua atuando na UPA da Zona Leste, onde por diversas vezes denúncias sobre má qualidade no atendimento são alardeadas na mídia ou na Câmara. Por muitos anos a Pró-Saúde comandou também o Hospital Municipal de Cubatão, onde diversos problemas foram apontados pelos usuários e também pelo Tribunal de Contas.
São inúmeros os registros de irregularidades em outras cidades do Estado de São Paulo e em todo o Brasil. Confira nos links:
2014
Pró-Saúde é investigada em seis estados por irregularidades
Justiça de Uberaba determina a suspensão dos contratos com a Pró-Saúde
MP de Tocantins pede afastamento de prefeito e secretários de Araguaína por contratar OS
Pró-Saúde de novo envolvida em polêmicas
2015
Aumenta número de protestos em cartório em nome da Pró-Saúde
Justiça condena Pró-Saúde a pagar R$ 500 mil por dano moral coletivo
Aumenta o número de mortes em UPAs geridas pela Pró-Saúde em Uberaba
Calotes e irregularidades marcam história da Pró-Saúde em Cubatão
Câmara de Uberaba vai investigar contrato com Pró-Saúde
Cinco mortes de bebês no Hospital Municipal de Cubatão gerenciado pela Pró-Saúde
Comissão diz que atendimento da Pró-Saúde é deficitário em Uberaba
Contas irregulares em Cubatão: TCE rejeita embargos da Pró-Saúde
Hospital de Campinas poderá ser administrado por OS que levou caos a várias cidades
Hospital de Cubatão: médicos sem salários, falta de material e mortes
Pró-saúde deixa profissionais do SAMU sem salários
Terceirizados da Pró-Saúde ficam sem salários em Cubatão e pacientes ficam na mão
Terceirizados do Hospital Carlos Chagas cruzam os braços
Justiça dá prazo de 30 dias para Pró-Saúde repassar ao município de Araguaína a gestão da saúde
Morte de bebê na porta de hospital controlado por OSs vira caso de polícia
MP dá 24 horas para a Pró-Saúde explicar porque pacientes não conseguem fazer exame
Pró-Saúde e Prefeitura de São Vicente condenadas por convênio sem licitação
2016
Conselho vai auditar contas das OSs que comandam UPA e postos de saúde em Catanduva
TCE suspende terceirização da Saúde em Catanduva
Cubatão: Pró-saúde atrasa salários do hospital municipal
Falta de atendimento em UPA terceirizada vira caso de polícia
OS gasta R$ 390 mil de dinheiro público em viagens
Pró-Saúde entrega Hospital de Caxias e Sindicato dos Médicos vai à Justiça
2017
Cubatão: Pró-Saúde é reprovada mais uma vez
Terceirização do hospital de Cubatão pela Pró-Saúde é reprovada em definitivo
Decreto abre processo administrativo contra a Pró-Saúde, em Uberaba
Após intervenção municipal, Pró-Saúde abandona contrato de UPAs em Uberaba
Prefeito de Uberaba assina rescisão unilateral com a Pró-Saúde na gestão das UPAs
Em Sumaré nova OS assume após estragos feitos pela Pró-Saúde
Prefeitura de Sumaré decreta intervenção em UPA gerenciada pela Pró-Saúde
Justiça manda Pró-Saúde indenizar terceirizados
Médicos de Uberaba desmascaram OS Pró-Saúde e denunciam UPAs terceirizadas e sucateadas
Pró-Saúde descumpre condições de edital em Catanduva
Pró-Saúde pode ser multada no Rio por paralisação de Hospital
Ratos invadem em hospital terceirizado no Rio
2018
Juiz da Lava Jato solta empresário da OS Pró-Saúde envolvido em desvios na saúde
TCE condena Pró-Saúde a devolver R$ 5,2 milhões por irregularidades em Cubatão
Pró-Saúde terá de devolver R$ 1,5 milhão à Prefeitura
Caso Pró-Saúde: ex-secretário de Saúde do Rio volta a ser preso
Chefe de fiscalização da Saúde do Rio recebeu propina de R$ 450 mil da Pró-Saúde, diz MP
MPF denuncia Sérgio Côrtes por desvio de R$ 52 milhões por meio da OS Pró-Saúde
Mulher morre após ter atendimento negado em Hospital terceirizado do Rio
Parentes de mulher que morreu ao ter atendimento negado vai processar Governo do Rio e OS
Pró-Saúde é responsabilizada por desfalques aos cofres de Cubatão
2019
Organização Social que administra vários hospitais públicos é delatada por Sérgio Cabral
Tribunal de Contas determina que Pró-Saúde devolva R$ 2,2 milhões à Prefeitura de Mogi
Governo do Espírito Santo trocou uma OS ficha suja por outra
Hospital terceirizado para OS vai ser alvo de auditoria no Pará
Justiça bloqueia bens da Pró-Saúde após calote a terceirizados
Pró-Saúde dá calote em terceirizados; trabalhadores se uniram em protesto
Justiça determina bloqueio de R$ 700 mil da Pró-Saúde; OS administrava hospital municipal em Mogi
Operação da PF envolve OS Pró-Saúde e propina para servidores do Pará
Pró-Saúde deve para Deus e o mundo e dinheiro público não chega onde deveria
Pró-Saúde é condenada a devolver de R$ 800 mil usados indevidamente em terceirização no Paraná
TCE julga irregular a terceirização de exames em São Vicente
2020
MÉDICOS DA QUARTEIRIZADA DA PRÓ-SAÚDE EM SANTOS FICAM SEM RECEBER
PRÓ-SAÚDE: “EXTRATOS REFORÇAM LIGAÇÃO ENTRE DINHEIRO DE OS E LUXOS DA IGREJA CATÓLICA”
2021
PRÓ-SAÚDE TERÁ DE DEVOLVER R$ 1,2 MILHÃO EM CUBATÃO
Ex-padre desvia dinheiro de organização social da saúde, diz denúncia
2022
JUSTIÇA OBRIGA PRÓ-SAÚDE A ABRIR CAIXA PRETA EM CONTRATO NO PARÁ
Liminar do MPPA obriga que Pró-Saúde dê, no prazo de 30 dias, publicidade de contrato de gestão
USUÁRIO DENUNCIA PROBLEMAS NO ATENDIMENTO DA UPA DA ZONA LESTE DE SANTOS
UPA ERRA DIAGNÓSTICO E RETARDA DESCOBERTA DE CÂNCER; PACIENTE É MÃE DE VEREADORA DE SANTOS
JUSTIÇA DÁ PRAZO PARA PRÓ-SAÚDE DAR TRANSPARÊNCIA EM CONTRATO
TRABALHADORES DE 4 HOSPITAIS TERCEIRIZADOS NO PARÁ SOFREM PARA RECEBER SALÁRIOS
CONTRA TODAS AS FORMAS DE TERCEIRIZAÇÃO E PRIVATIZAÇÃO!
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as organizações sociais (OSs), organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips e não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes.No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.
Embora seja mais visível na Saúde, isso ocorre em todas as áreas da administração pública, como Educação, Cultura e Assistência Social. O saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS, das demais políticas públicas e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos!