O Brasil possui 1.874 estabelecimentos na rede pública de saúde que são gerenciados por organizações sociais. No total são 158 instituições do terceiro setor, que se definem como sem fins lucrativos, classificadas como OSs em todo o país.
O modelo, que protagoniza recorrentes escândalos de corrupção e má prestação de serviços públicos cresceu muito nos últimos 10 anos e hoje está presente em 20 estados e no Distrito Federal, abrangendo 270 municípios.
Os dados constam de um censo realizado pelo Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (Ibross) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O Ibross, criado em 2015, é a entidade representativa das OSs em nível nacional, e cerca de 50% dos serviços de saúde geridos pelo modelo estão sob contratos de gestão firmados entre as associadas do instituto e o poder público.
Foi criado como esforço institucional de amenizar a péssima imagem que esse tipo de gestão ganhou com centenas de operações e investigações de desvios de verba do SUS e de outros fundos públicos.
Ao que parece, não tem surtido efeito, já que as notícias sobre os efeitos nocivos da terceirização via OSs não param de ser divulgadas de norte a sul do país.
Segundo o estudo, a maioria dos estabelecimentos de saúde do SUS sob gestão de organizações sociais no sudeste brasileiro. São Paulo possui 1.101 serviços sob gestão de OSs, respondendo por 58,8% do total. Em seguida vêm Rio de Janeiro e Minas Gerais, com 360 e 113 estabelecimentos de saúde geridos por organizações sociais, respectivamente.
O modelo de organizações sociais também está presente em serviços localizados nos estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, além do Distrito Federal.
O censo do Ibross também identificou que, das 158 organizações sociais existentes no país, 76 são responsáveis pela gestão de um único estabelecimento de saúde. Por outro lado, 27 instituições respondem pela gestão de oito ou mais equipamentos de saúde, totalizando 1.335 serviços (81% do total).
Os hospitais-dia (39,1%) e os hospitais especializados (18,6%) são os serviços com maior frequência de gestão por OSs, em relação ao total de equipamentos de saúde desse tipo existentes no Brasil. Em seguida vêm os pronto-atendimentos, prontos-socorros especializados e prontos-socorros gerais – com 15,3%, 13,3% e 11,2% da gestão total de cada um desses tipos de serviços sob responsabilidade das OSs.
Um total de 27 tipos de equipamentos de saúde no Brasil que são administrados no modelo de OSs, entre Unidades Básicas de Saúde, Caps (Centros de Atenção Psicossocial), centrais de regulação médica de urgência, ambulatórios especializados, hospitais gerais, hospitais especializados, prontos-socorros, clínicas, laboratórios e farmácias, dentre outros.
A SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina) responde pela administração de 387 serviços de saúde no país (23,5% do total), seguida pela Casa de Saúde Santa Marcelina, com 111 equipamentos geridos pela entidade (6,7% do total).
O rastro de estrados feitos nos serviços por onde essa entidade privada passou é vasto.
Em 2018, publicamos um breve retrospecto da empresa:
Em fevereiro daquele ano, o TCE afirmou que faria uma auditoria especial nos contratos entre a Prefeitura de São Paulo e a organização social, envolvendo inclusive repasses financeiros para uma UPA que não estava em funcionamento, batizada na época como UPA Fantasma. Veja aqui.
Também mostramos que médicos que são funcionários públicos de São Paulo também são sócios de empresas que prestam serviços para as organizações sociais que trabalham para o Governo do Estado. Entre as OSs que figuram nesta condição está a SPDM. A imprensa repercutiu isso em maio deste ano. A irregularidade também foi bastante denunciada na CPI da Assembleia Legislativa, criada para investigar os contratos com as OSs no Estado de São Paulo. Veja aqui.
Em julho, com mais dados disponíveis, foi constatado que esta prática da SPDM, de quarteirizar o atendimento sub contratando empresas cujos sócios pertenciam aos quadros do Estado, era ainda maior. Foi revelado que contratos de R$ 18,9 milhões firmados entre a OS abarcavam sete empresas quarteirizadas nesta situação. O procedimento é irregular, já que o Estatuto dos Servidores Públicos proíbe que estes sejam sócios ou proprietários de empresas que prestem serviço ao poder público estadual. Leia aqui.
Neste espaço ainda denunciamos, em dezembro do ano passado, o pagamento de salários altíssimos a diretores da SPDM, tudo com dinheiro público. Enquanto isso, cerca de 600 funcionários terceirizados sofreram com atrasos nos salários. Isso aconteceu no Hospital Regional de Araranguá, em Santa Catarina. A Justiça do Trabalho chegou a bloquear R$ 4,4 milhões das contas da empresa por estas e outras irregularidades. Confira aqui.
Um mês depois, em janeiro deste ano, publicamos que o contrato da SPDM com a Prefeitura de São José dos Campos foi reprovado pelo Tribunal de Contas. O órgão multou responsáveis por irregularidades e ressaltou que a OS, primeira entre as 10 maiores em atividade, devia R$ 6,6 milhões à Previdência. Mais detalhes nesta matéria.
São muitos os conteúdos que revelam constatações ou investigações acerca de irregularidades envolvendo a mesma organização social, em diferentes anos e em diferentes contratos (firmados em níveis estadual e municipais).
Abaixo citamos mais alguns links:
SPDM reduz atendimento em hospital por conta própria
SPDM sairá da gestão do SAMU; bebê morreu após espera de mais de 15 horas
Tribunal de Contas aponta mais irregularidades em hospital alvo da máfia da saúde
Fiscalização do TCE -SP constata diversas irregularidades em hospitais terceirizados
OSs EM SANTOS: SPDM DEIXA UPA DA Z. NOROESTE SEM PEDIATRA
SPDM: JUDICIÁRIO CONDENA HOSPITAL IRMÃ DULCE POR NÃO GARANTIR SEGURANÇA SANITÁRIA
MÉDICO DA SPDM É ACUSADO DE AGREDIR CRIANÇA DE 8 ANOS NA UPA DE PRAIA GRANDE
JUDICIÁRIO DO TRABALHO FECHA O CERCO CONTRA SPDM POR FALHAS NO IRMÃ DULCE
UPA DA ZONA NOROESTE ERRA EM DIAGNÓSTICO E GERA SOFRIMENTO DESNECESSÁRIO A PACIENTE
Modelo de Organizações Sociais
Terceirizar os serviços é fragilizar as políticas públicas, colocar a população em risco e desperdiçar recursos valiosos com ineficiência, má administração ou até má fé de entidades privadas.
Disfarçadas sob uma expressão que esconde sua verdadeira natureza, as OSs, organizações da sociedade civil (OSCs) e oscips e não passam de empresas privadas, que substituem a administração pública e a contratação de profissionais pelo Estado. Várias possuem histórico de investigações e processos envolvendo fraudes, desvios e outros tipos de crimes. No setor da saúde, essas “entidades”, quando não são instrumentos para corrupção com dinheiro público, servem como puro mecanismo para a terceirização dos serviços, o que resulta invariavelmente na redução dos salários e de direitos.
Embora seja mais visível na Saúde, isso ocorre em todas as áreas da administração pública, como Educação, Cultura e Assistência Social. O saldo para a sociedade é a má qualidade do atendimento, o desmonte do SUS, das demais políticas públicas e, pior ainda: o risco às vidas.
Todos estes anos de subfinanciamento do SUS e demais serviços essenciais, de desmantelamento dos direitos sociais, de aumento da exploração, acirramento da crise social, econômica e sanitária são reflexos de um modo de produção que visa apenas obter lucros e rentabilidade para os capitais. Mercantiliza, precariza e descarta a vida humana, sobretudo dos trabalhadores. O modelo de gestão por meio das Organizações Sociais e entidades afins é uma importante peça desta lógica nefasta e por isso deve ser combatido.
Não à Terceirização e Privatização dos serviços públicos!